Núcleo de enfrentamento ao feminicídio é inaugurado em Salvador

Unidade vai trabalhar com homens agressores de mulheres

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  • Gil Santos

Publicado em 29 de setembro de 2021 às 11:53

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Betto Jr./Secom

A história do homem que matou a esposa por ciúmes, estrangulando a moça quando ela dormia, se tornou um clássico da literatura e uma das principais obras do escritor inglês William Shakespeare. Mas o crime praticado por Otelo, o Mouro de Veneza, não é um fenômeno apenas literário. No ano passado, 113 mulheres foram assassinadas pelos companheiros na Bahia. Para lidar com esse problema, nesta quarta-feira (29), foi anunciado a criação do Núcleo de Enfrentamento e Prevenção ao Feminicídio (NEF).

O órgão vai receber autores de violência doméstica e familiar que estejam em cumprimento de medida protetiva de urgência. A proposta é trabalhar com os agressores o que é ser homem e outras questões ligadas ao machismo. A inciativa é uma parceria da Prefeitura de Salvador com o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) e vai funcionar na Secretaria de Políticas para Mulheres, Infância e Juventude (SPMJ), no Comércio. A entrega oficial foi feita pelo prefeito Bruno Reis, durante evento virtual.

“Salvador tem como política pública a proteção, defesa, enfretamento, e prevenção da violência doméstica, familiar e ao feminicídio. Essa mensagem é para todos os homens da nossa cidade. Estamos aqui para orientar, oferecer suporte, apoio, ajuda na reestruturação das famílias, no fortalecimento dos vínculos, porém, para evitar que haja novas agressões”, afirmou. Prefeito convidou os homens a refletirem (Foto: Betto Jr/ Secom) Inicialmente, o Núcleo vai funcionar às quartas-feiras e aos sábados, das 8h às 17h. Serão quatro turmas com dez homens cada, que serão encaminhados pelo TJ, durante dez semanas. Eles serão acompanhados por um ano. “Salvador não pode ter espaço para a violência sexual, familiar e doméstica, justamente por isso estamos montando esse Núcleo”, disse Bruno.

Na trama de Shakespeare, depois de matar a esposa por um suposto adultério que nunca aconteceu Otelo chega à conclusão de que maior erro dele foi ter amado demais. Para as mulheres que já foram agredidas pelo marido ou namorado, no entanto, possessão é o principal elemento dessa equação, e não amor. Juliana* viveu em uma relação abusiva por cinco anos e contou que as agressões começaram de forma sutil.

“Primeiro, ele começou a implicar com minhas roupas. Depois, com as minhas amigas, até que depois de a gente voltar de uma festa ele me deu o primeiro tapa. Eu perdoei, mas ele fez de novo, e pior, então, coloquei um fim no relacionamento. Ele não aceitou muito bem, mas tive uma rede de apoio que foi minha família. Sei que nem todo mundo tem esse suporte”, disse.

Ela contou que ficou feliz com a inciativa do poder público, mas criticou a morosidade da Justiça para lidar com essas questões. “Medida protetiva sozinha não resolve, é preciso ser mais duro com esses casos. O homem que bate em uma mulher é capaz de matar. Vamos aguardar isso acontecer? Quem ama não maltrata”, disse. Desembargadora apresenta dados durante o evento (Foto: Betto Jr/ Secom) A desembargadora do TJ-BA Nágila Brito frisou que o Brasil é o 5º país que mais agride mulheres no mundo, e que a Bahia ocupa a 3ª posição entre os estados mais violentos. No ano passado, o sistema de justiça contabilizou 113 feminicídio, e este ano, em dados não oficiais, são cerca de 70 casos.

“Recentemente uma recomendação do ministro Luiz Fux determinou que se dê prioridade aos processos de descumprimento de medidas protetivas, e aí entra a prefeitura com esse trabalho, porque esse Núcleo é para enfrentar o feminicídio. No momento em que nós ensinamos aos homens o que é ser homem verdadeiramente trabalhamos para erradicar essa violência”, afirmou.

A magistrada lembrou que a Lei Maria da Penha afirma que as políticas públicas devem obedecer a uma ação articulada entre a União, estados e municípios. A parceria entre o TJ e a Prefeitura para a criação do Núcleo foi firmada em maio deste ano e contará com apoio de profissionais da SPMJ e da Guarda Civil Municipal (GCM).

Na peça inglesa, Otelo ao observar o corpo da esposa morta percebe o erro que cometeu e arrependido tira a própria vida. A proposta do Núcleo é fazer os homens compreenderem a dimensão do problema da agressão doméstica e evitar tragédias como essa.

Ajuda Além da unidade inaugurada, nesta quarta-feira, para atender agressores de mulheres, existem outros três espaços na prefeitura que são dedicados às vítimas desse tipo de violência. A titular da Secretaria de Políticas para Mulheres, Infância e Juventude (SPMJ), Fernanda Lordêlo, lembrou que 80% dos agressores são companheiros ou ex-maridos das vítimas.  

“É importante que a mulher denuncie e peça ajuda, mas não é tão simples. Não é tão simples sair de casa e falar do agressor, existe um vínculo de um relacionamento afetivo, mas os três equipamentos municipais atuam de forma presencial e também por teleatendimento. Existe uma equipe com psicólogas, assistente sociais e advogadas dentro desses espaços para oferecer o suporte necessário”, disse.

A vice-prefeita, Ana Paula Matos, destacou que a violência doméstica é agravada por outros fatores. “Os dados da assistência social apontam que 63% do público é feminino, são filhos e filhas. Em relação a gestão da família, em média, 70% é de famílias monoparentais de mulheres. Então, a pobreza está muito constituída nisso”, disse.

O Centro de Referência Loreta Valadares fica nos Barris, em frente à Delegacia do Idoso. O Centro de Referência Especializado de Atendimento à Mulher Arlette Magalhães (Cream), fica na Fazenda Grande II. E o Centro de Acolhimento Irmã Dulce fica na Ribeira. Quem precisa de ajuda pode entrar em contato pelos telefones: (71) 3611-6581/ 3235-4268/ 3611-0305.

*Usamos nome fictício para proteger a identidade da vítima.

ONDE BUSCAR AJUDA EM CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: 

Cedap (Centro Estadual Especializado em Diagnóstico, Assistência e Pesquisa) – Atendimento médico, odontológico, farmacêutico e psicossocial a pessoas vivendo com HIV/AIDS. Endereço: Rua Comendador José Alves Ferreira, nº240 – Fazenda Garcia. Telefone: 3116-8888. 

Cedeca (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Yves de Roussan) – Oferece atendimento jurídico e psicossocial a crianças e adolescentes vítimas de violência. Endereço: Rua Gregório de Matos, nº 51, 2º andar – Pelourinho. Telefone: 3321-1543/5196. 

Cras (Centro de Referência de Assistência Social) – Atende famílias em situação de vulnerabilidade social. Telefone: 3115-9917 (Coordenação estadual) e 3202-2300 (Coordenação municipal) 

Creas (Centro de Referência Especializada de Assistência Social) – Atende pessoas em situação de violência ou de violação de direitos. Telefone: 3115-1568 (Coordenação Estadual) e 3176-4754 (Coordenação Municipal) 

Creasi (Centro de Referência Estadual de Atenção à Saúde do Idoso) – Oferece atendimento psicoterapêutico e de reabilitação a idosos. Endereço: Avenida ACM, s/n, Centro de Atenção à Saúde (Cas), Edifício Professor Doutor José Maria de Magalhães Neto – Iguatemi. Telefone: 3270-5730/5750. 

CRLV (Centro de Referência Loreta Valadares) – Promove atenção à mulher em situação de violenta, com atendimento jurídico, psicológico e social. Endereço: Praça Almirante Coelho Neto, nº1 – Barris, em frente a Delegacia do Idoso. Telefone: 3235-4268. 

Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher) – Em Salvador, são duas: uma em Brotas, outra em Periperi. São delegacias que recebem denúncias de violência contra a mulher, a partir da Lei Marinha da Penha. 

Deam Brotas – Rua Padre José Filgueiras, s/n – Engenho Velho de Brotas. Telefone: 3116-7000. 

Deam Periperi – Rua Doutor José de Almeida, Praça do Sol, s/n – Periperi. Telefone: 3117-8217. 

Deati (Delegacia Especializada no Atendimento ao Idoso) – Responsável por apurar denúncias de violência contra pessoas idosas. Endereço: Rua do Salete, nº 19 – Barris. Telefone: 3117-6080. 

Derca (Delegacia de Repressão a Crimes Contra a Criança e o Adolescente) - Endereço: Rua Agripino Dórea, nº26 – Pitangueiras de Brotas. Telefone: 3116-2153. 

Delegacias Territoriais – São as delegacias de cada Área Integrada de Segurança Pública. Segundo a Polícia Civil, os estupros que não são cometidos em contextos domésticos devem ser registrados nessas unidades. Em Salvador, existem 16 (http://www.policiacivil.ba.gov.br/capital.html). 

Disque Denúncia – Serviços de denúncia que funcionam 24 horas por dia. No caso de crianças e adolescentes, o Departamento de Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos oferece o Disque 100. Já as mulheres são atendidas pelo Disque 180, da Secretaria de Políticas Para Mulheres da Presidência da República.

Fundação Cidade Mãe – Órgão municipal, presta assistência a crianças em situação de risco. Endereço: Rua Prof. Aloísio de Carvalho – Engenho Velho de Brotas. 

Gedem (Grupo de Atuação Especial em Defesa da Mulher do Ministério Público do Estado da Bahia) – Atua na proteção e na defesa dos direitos das mulheres em situação de violência doméstica, familiar e de gênero. Endereço: Avenida Joana Angélica, nº 1312, sala 309 – Nazaré. Telefone: 3103-6407/6406/6424. 

Iperba (Instituto de Perinatologia da Bahia) – Maternidade localizada em Salvador que é referência no serviço de aborto legal no estado. Endereço: Rua Teixeira Barros, nº 72 – Brotas. Telefone: 3116-5215/5216. 

Casa da Defensoria de Direitos Humanos – Atendimento especializado para orientação jurídica, interposição e acompanhamento de medidas de proteção à mulher, através do Nudem (Núcleo Especializado na Defesa das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar da Defensoria Pública do Estado). Endereço: Rua Arquimedes Gonçalves, 482, Jardim Baiano - 3324-1579. Existe também o 129 ou 0800 071 3121 - 8h às 17h, de segunda a sexta-feira de qualquer telefone fixo ou celular;

Secretaria Estadual de Políticas Para Mulheres - Endereço: Alameda dos Eucaliptos, nº 137 – Caminho das Árvores. Telefone: 3117-2815/2816. 

SPM (Superintendência Especial de Políticas para as Mulheres de Salvador) –Endereço: Avenida Sete de Setembro, Edifício Adolpho Basbaum, nº 202, 4º andar, Ladeira de São Bento. Telefone: 2108-7300. 

Serviço Viver – Serviço de atenção a pessoas em situação de violência sexual. Oferece atendimento social, médico, psicológico e acompanhamento jurídico às vítimas de violência sexual e às famílias. Endereço: Avenida Centenário, s/n, térreo do prédio do Instituto Médico Legal (IML) Telefone: 3117-6700. 

1ª Vara de Violência Doméstica e Familiar – Unidade judiciária especializada no julgamento dos processos envolvendo situações de violência doméstica e familiar contra a mulher, de acordo com a Lei Maria da Penha. Endereço: Rua Conselheiro Spínola, nº 77 – Barris. Telefone: 3328-1195/3329-5038.