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Amanda Palma
Publicado em 30 de outubro de 2015 às 10:20
- Atualizado há 2 anos
(Foto: Marina Silva/ CORREIO)Atravessando o gradil verde, escondido por uma madeirite, um novo mundo se abre na Rua Chile. Entre ferros, brita e poeira, não é preciso forçar muito para imaginar o antigo bar cheio e vitrines com as roupas da última moda nos anos 30. Olhando para o teto, os detalhes do estilo art déco chamam a atenção de quem tem o privilégio de estar ali.Inspirado no Flatiron Building, de Nova York, o Palace Hotel ocupa um quarteirão e divide a primeira rua do Brasil, a Chile, com a do Tesouro e a Da Ajuda. Aos 81 anos, ele ainda é uma figura imponente no Centro Antigo de Salvador, apesar de agora ter a fachada coberta de tapumes e uma tela fina que indicam um recomeço.No seu auge, o Palace Hotel – que passará a se chamar Fera Palace Hotel – recebeu artistas internacionais, Seleção Brasileira e até soldados americanos durante a Segunda Guerra. Ele era referência de luxo. São mais de 6 mil m². As obras começaram em setembro de 2014 e devem ser finalizadas em junho de 2016.As memórias dos tempos áureos ainda estão na arquitetura interna e externa do edifício, que está sendo restaurado pela mineira Fera Investimentos. A escada já foi restaurada, mas ainda é de mármore. No 1º andar, um grande salão, agora com colunas novas para reforçar a infraestrutura vai abrigar o salão de eventos. No passado, era onde funcionava o restaurante.O Hotel Palace foi inaugurado em 1934, construído pelo comendador Bernardo Martins Catharino. Era referência de diversão e luxo até meados da década de 70 e foi fechado há dez anos. “Era o hotel mais importante que tinha aqui em Salvador. Sempre muito requisitado por artistas”, lembra a aposentada Noeme Correia, 75 anos, que deve a vida ao Palace. Afinal, seus pais, Maria e Ademar se conheceram e se apaixonaram lá. Ela como camareira, ele como maître do restaurante que funcionava no 1º andar.>
“Papai adorava aquilo ali. Fiquei tão contente quando passei pela Rua Chile e vi que eles trabalhavam para recuperá-lo!”, contou.O Palace também foi palco de amores fictícios, como o de Dona Flor e Vadinho. Era no cassino de lá que o personagem de Jorge Amado jogava. O espaço para jogos foi fechado em 1946, com a proibição dos jogos de azar no Brasil. (Foto: Marina Silva/ CORREIO)Viagem no tempoAlém do bar cheio e das vitrines, andando hoje pelo grande salão no primeiro andar, é fácil imaginar os shows ao vivo que atraíam um grande público ao local. As grandes janelas de madeira pintadas de branco deixam que a luz natural ilumine o espaço amplo, onde o piso é de mármore branco. São 434 janelas restauradas dentro do empreendimento. A capacidade do salão é para 300 pessoas. Ao lado dele, hoje funcionam os escritórios da obra.>
Quando o hotel ficar pronto, o novo restaurante vai funcionar no térreo e levará o nome de O Adamastor, uma homenagem a Glauber Rocha, e mesmo nome da loja de roupas masculinas que funcionava no espaço, quase chegando na Rua da Ajuda.SuítesCom fôlego, se consegue subir mais alguns lances de escada, onde o granito ainda é o original. Alguns corrimões estão despedaçados, ação do tempo fechado, mas, no quinto andar, a surpresa: o piso de taco brilha como novo. São, ao todo, 81 quartos distribuídos nos oito andares. (Foto: Marina Silva/ CORREIO)A janela do quarto 514 esconde uma vista para a Baía de Todos os Santos e o Forte de São Marcelo. No mesmo andar, o 508 aponta para a Praça Castro Alves. Ele já ganhou peças de mobiliário e uma decoração no banheiro que leva o visitante a uma viagem no tempo.Segundo o presidente do Fera Empreendimentos, Antonio Mazzafera, grupo que comprou o Palace, foi realizado estudo sobre o tipo de material utilizado na construção do imóvel, em 1934, para que o material seja replicado no prédio reformado. “A ideia é preservar o patrimônio e isso faz parte da cultura do Brasil e da Bahia”.A cobertura do Palace ainda não está acessível, por causa das obras. Lá, toda a telha foi removida para a implantação de deck de madeira, piscina de 25 metros, solário, academia, sauna e — como, apesar de toda a história, estamos no século XXI — um lounge.(Foto: Marina Silva/ CORREIO)InvestimentoO presidente do grupo Fera Investimentos, Antonio Mazzafera, informou que entre a compra do imóvel e a reforma, já foram investidos R$ 50 milhões na reforma do Hotel Palace. Com mais de 6 mil m², o hotel tem capacidade para receber 160 hóspedes em seus 81 apartamentos. >
Além de abrigar quem vem de fora, Mazzafera destaca que há uma preocupação em atrair também os baianos para aproveitar o local, frequentando o salão de festas e eventos com capacidade para 300 pessoas, os dois restaurantes e dois bares que serão construídos no lugar. O processo de reforma é liderado pelo premiado arquiteto dinamarquês Adam Kurdhal . “Absolutamente tudo que era possível preservar, nós preservamos. Os itens que estavam destruídos, nós estamos restaurando. Estamos restaurando todas as 434 janelas, a fachada do prédio, que tem 3.500 m², os 205 adornos Art Déco, assim como o piso de taco e de mármore”, afirmou Mazzafera. >
O governador Rui Costa fez uma visita ontem às obras e destacou a importância da iniciativa para a revitalização do Centro Histórico. “Vim aqui para estimular e agradecer à iniciativa. É nisso que acredito como projeto estruturante para o Centro Histórico de Salvador. É um local não de visitação, mas de convivência do baiano e daqueles que nos visitam”, afirmou o governador.>
Tempos áureosA Rua Chile foi o reduto mais chique de Salvador até a década de 1960. O lugar concentrava as lojas frequentadas pela elite soteropolitana, além de escritórios e consultórios médicos. Segundo o arquiteto e historiador Francisco Senna, papparazi se colocavam na rua para clicar os senhores e senhoras de vestidos finos, luvas e chapéus. “Os fotógrafos tiravam fotos e depois procuravam a pessoa para vender a recordação. Todas as famílias que circulavam por lá tinham esses registros”, afirma Senna. Na Rua Chile da década de 30, o Palace se tornou destino certo de políticos e ricos cacauicultores que se hospedavam na capital. O Palace reinou absoluto até 1952, ano em que foi inaugurado o Hotel da Bahia. O estabelecimento, localizado em frente ao Palácio da Aclamação, na Avenida Sete, foi erguido através de uma parceria entre empresários e o governo de Otávio Mangabeira. “O Palace era bom, mas não tinha suítes. Havia banheiros femininos e masculinos no corredor, que serviam aos apartamentos do andar. O Hotel da Bahia tinha suítes. O Palace ficou ultrapassado”, conta Francisco Senna. Somado à presença do rival luxuoso, a decadência da Rua Chile também contribuiu para o declínio do Palace. “O declínio da Rua Chile começa com o crescimento da cidade e a ida do funcionalismo público para a Avenida Paralela. Salvador passou a ter outros grandes centros”, explica o historiador. A infraestrutura próxima ao Palace também contribuiu para sua decadência. Para Francisco Senna, a revitalização do Palace e a requalificação da Rua Chile são uma esperança para que o local reviva os tempos de glória. “A restauração vai ser um pontapé”, avaliou.>