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Larissa Almeida
Publicado em 12 de dezembro de 2025 às 05:30
A participação no Carnaval de Salvador em 2026 é uma incerteza para 52 blocos tradicionais das vertentes do samba, reggae, afro e afoxé que não foram contemplados pelo edital Ouro Negro. Sem verba prevista por parte do Governo do Estado, grandes nomes, como Ara Ketu, Pagode Total e Bankoma, estão se mobilizando para buscar reverter o resultado que os colocou na suplência do certame, uma vez que, conforme afirmam, houve uma mudança no regimento da comissão de seleção que os prejudicou. >
Para os blocos, houve falta de transparência e esclarecimento nos requisitos de remanejamento de vagas que agora podem custar a presença de manifestações de tradição no Carnaval. Esse é o caso do Ara Ketu, que já prevê a redução de dias de desfile caso não haja diálogo com a Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (Secult-BA), responsável pelo edital Ouro Negro. >
Veja os blocos que têm presença ameaçada no Carnaval 2026
“O bloco Ara Ketu sofrerá grande impacto. Somos um bloco sem vendas de fantasias. Essa verba do Ouro Negro é utilizada para a operação do bloco acontecer. Nosso público-alvo são os moradores do Subúrbio e buscamos sempre dar o melhor para eles, com um trio de primeira qualidade, carro de apoio e segurança. Sem essa verba, teremos que rever todo nosso projeto e a comunidade do Subúrbio ficará sem ter o seu dia de desfile”, afirma, em nota ao CORREIO. >
O bloco, que pleiteou uma verba de R$ 500 mil, já contava com o dinheiro para suprir os custos da saída na Quinta e Terça-Feira de Carnaval e pagar os salários dos 700 postos de trabalho gerados com a contratação de músicos, técnicos, produtores, equipe de produção e seguranças, além de mais de mil empregados indiretos. Com 46 anos de história, o Ara Ketu disse ter recebido com surpresa a posição de suplência no edital. >
“Vimos com surpresa e indignação. O Ara Ketu é um uma instituição idealizada e liderado por uma mulher preta e que merece respeito. Além disso, essa decisão exclui e discrimina a população do Subúrbio, que teria acesso gratuito a um desfile de qualidade. Quando uma instituição como o Ara Ketu é tratada dessa forma, temos um exemplo clássico de falta de zelo com aqueles que construíram a história de nosso carnaval”, destaca. >
O bloco afro A Mulherada, que celebra em 2026 seu Jubileu de 25 anos, demonstrou indignação, por meio de nota, pela posição de suplência no edital. “Não se trata apenas de um bloco suplente. Trata-se de 24 anos de uma trajetória de mulheres negras, reconhecida internacionalmente, construída com muito esforço e impacto comunitário real. É inadmissível que, neste momento histórico, não consigamos sequer uma pauta de conversa com a Secretaria de Cultura ou órgãos correlatos,” reclama a direção do Instituto. >
A entidade reforçou que, desde que o resultado do Ouro Negro foi publicado, A Mulherada protocolou um recurso administrativo, um recurso hierárquico dirigido ao secretário de Cultura, Bruno Monteiro, e um pedido formal de reunião para buscar alternativas e garantir o desfile no Jubileu de 25 anos. Em nenhuma das tentativas, conseguiu retorno para diálogo. >
A preocupação, caso não haja reversão do resultado, é quanto a impossibilidade de desfilar no Carnaval, uma vez que a verba do edital seria a única fonte de financiamento capaz de viabilizar a participação do bloco, o que comprometeria projetos comunitários desenvolvidos pelo Instituto A Mulherada, oportunidades de renda e a continuidade das oficinas culturais. >
“O mínimo que se espera, diante de um resultado que ameaça um símbolo cultural da cidade, é diálogo. O Estado brasileiro tem compromisso com a cultura afro-brasileira. A Mulherada faz parte dessa história. O que pedimos é que esse compromisso seja honrado”, enfatiza a organização. >
O bloco Mundo Negro, por sua vez, apontou que uma das maiores surpresas com a posição de suplência foi notar que obteve nota maior em relação aos anos anteriores e, mesmo assim, não foi classificado ou remanejado para outra categoria. >
De acordo com o dirigente Vagner Peruna, a verba do edital seria utilizada para custear as indumentárias, equipamentos, contratações de mil pessoas direta e indiretamente, além de ressarcir investimentos já realizados. Agora, nada está mais garantido por conta de um processo que, na perspectiva dele, ainda precisa de maior lisura. >
“Vejo que a comunicação é feita de maneira unilateral. É publicado o edital e as entidades se adaptam. Houve até encontros para explicar as principais mudanças, mas ainda falta transparência. Agora, o problema maior são os prazos. Corremos contra o tempo, o que é um fator de risco, inclusive, para a qualidade do que será apresentado na Avenida”, pontua. >
Segundo os blocos, houve uma mudança no processo de remanejamento de vagas. Anualmente, o edital abre vagas para 11 categorias, que possibilitam que os contemplados obtenham verbas que variam de R$ 30 mil (categoria J) até R$ 1 milhão (categoria A). Há pelo menos três edições, os blocos pleiteavam vagas em categorias com verbas acima do valor mínimo realmente esperado, na tentativa de obter mais recursos. >
Dessa forma, quando um bloco que tentava ser contemplado pela categoria C não conseguia a pontuação necessária, ele era automaticamente remanejado para uma categoria inferior que fosse compatível com a sua pontuação. Neste ano, de acordo com Caio Rocha, advogado de 30 blocos afros que desfilam há anos no Carnaval de Salvador, isso mudou. >
“O edital trouxe a mesma possibilidade de reclassificação, mas houve uma mudança na regra de remanejamento, que estabeleceu que os blocos só poderiam descer para até duas categorias abaixo da pleiteada. Só que, quando chegou o resultado, eles impediram que qualquer bloco mudasse de faixa. Ou seja, mudou o entendimento”, aponta o advogado. >
No edital, contudo, tanto a nova regra de deslocamento quanto as condições para mudança de faixa estão previstas no documento. No item 8.3, que trata sobre a Análise de Projetos, ficou estabelecido, conforme a versão do advogado, que a Comissão de Seleção analisaria os projetos de acordo com as faixas de apoio definidas pelo bloco, tendo como referência os valores apresentados no plano de trabalho e considerados coerentes com a capacidade de gestão de cada entidade. >
“O apoio financeiro concedido poderá ser em valor inferior ao solicitado, conforme indicação justificada da Comissão, respeitando-se deslocamento para até 02 (duas) faixas abaixo”, diz o documento do certame. >
Já no item 9 do edital, que trata do Remanejamento de Vagas, também está previsto que “caso não haja projetos selecionados em quantidade suficiente para utilização dos recursos disponibilizados para alguma das categorias elencadas neste Edital, a Comissão de Seleção poderá remanejar o valor remanescente para outra Festa/Faixa, preferencialmente, para a última faixa destinada ao carnaval de Salvador”. >
Representantes de 49 blocos carnavalescos afro, afoxé, reggae e samba deram início, neste mês, a uma mobilização na tentativa de garantir o desfile das entidades no Carnaval. Juntos, os blocos pedem a abertura de uma mesa de diálogo entre representantes dos blocos e integrantes da Secretaria de Cultura. >
Um dos blocos que integram a mobilização é o Banana Reggae, que não conseguiu a verba pleiteada de R$ 200 mil. “Queremos só abrir uma porta para dialogar com o Governo do Estado para que este se sensibilize. Essa instituição, com 30 anos de fundação e 28 anos de Carnaval, não pode ser tratada dessa forma, com exclusão. 49 blocos fora do circuito carnavalesco é uma agressão e desfalque para a grade de programação do Carnaval”, frisa a direção. >
Tanise Cabral, vice-diretora do Bloco da Saudade, já protocolou dois requerimentos e aguarda com aflição uma possível reversão do resultado que pode comprometer o desfile de 40 anos da entidade. “Somos o único bloco de samba de chão e o Ouro Negro sempre foi muito importante para nós. Por isso, estamos impactados com o resultado e buscando, às pressas, fazer redução de custos”, conta. >
Ela diz que, por contar com arrecadação do programa de associados, o bloco poderá ir para a rua, mas, para isso, deve restringir o desfile a apenas um dia e cortar os funcionários indiretos, o equivalente a 200 postos de trabalho. Por ora, admite estar de mãos atadas e ainda na esperança de que a parte jurídica da entidade consiga levar adiante a mobilização por um diálogo. >
Em nota, a Secretaria de Cultura do Estado enfatizou que o Edital Ouro Negro é construído de modo democrático a partir de consultas públicas, diálogo com representantes das entidades e oficinas de orientação e que as entidades concorrem nas faixas que elas se inscrevem. >
“Conforme consta no edital, o remanejamento poderá acontecer caso haja sobra de vaga em alguma faixa. Como em todos os editais, os classificados são convocados de acordo com o número de vagas previstas. O excedente é categorizado como suplente, conforme o edital”, esclarece em documento. >
Em nota anterior, a Secult-BA havia destacado que o Programa Ouro Negro conta com investimento recorde de R$ 17 milhões em 2026 e que, em conformidade com o Marco Regulatório de Fomento à Cultura (Lei 14.903/24), o trâmite do edital separa as etapas de mérito e habilitação. >
Ao ser questionada sobre o que motivou a mudança no antigo sistema de remanejamento de vagas, utilizado nos últimos três anos, e se pretende se reunir com os blocos que estão se mobilizando por um diálogo com a Secult, a pasta não respondeu. >