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Nilson Marinho
Publicado em 2 de fevereiro de 2018 às 18:00
- Atualizado há 2 anos
Todo homem do mar sabe do perigo de encontrá-la. Afinal, seu canto, que por vezes soa doce, é um perigo. Quem escuta não resiste. Se lança mar adentro atraído pela metade mulher, metade peixe, numa viagem sem volta. Com a nossa sereia Iemanjá é diferente. Quem a procura deseja uma orientação, um conselho, uma providência. E no dia em que nós a homenageamos, no dia 2 de fevereiro, muitas outras sereias beiram à faixa de areia do bairro do Rio Vermelho.>
Talma Ferreira, 45 anos, não sabia explicar de onde vinha tanta admiração pela criatura. Ainda na infância, ao ver a imagem de uma sereia, invejava sua cauda, seus longos cabelos e o seu canto majestoso. Anos depois, já adulta, veio a revelação que a ajudou entender tanto fascínio. Durante um jogo de búzios, foi revelado que sua orixá de frente era Iemanjá. Tinha que ser. "Sempre gostei da Rainha do mar, da sua energia, mesmo antes de saber que era de Iemanjá. Quando eu passava em qualquer lugar e via uma imagem de um peixe, uma sereia, ficava encantada", conta Talma. Com a revelação veio também a missão: Talma colocou na cabeça que precisava, todos os anos, se vestir de sereia e, nas areias do Rio Vermelho, reverenciar sua mãe. É assim durante 20 anos. Ela, deixa claro, se sente honrada em se vestir como uma sereia. É uma forma também de agradecer ao orixá pelas graças alcançadas. >
Homenagem Iemanjá, vaidosa que é, aproveitou para colocar o dedo na homenagem. É ela quem escolhe, todos os anos, o que Talma deve vestir. A exigência vem através de uma mentora espiritual, a mãe Cida, do Terreiro de Umbanda Cavaleiro da Luz. >
Neste ano, conta Mãe Cida, o orixá exigiu que o vestido fosse feito todo na cor branca, diferente de outros anos. E, vale ressaltar, a fantasia não pode ser costurada. O tecido deve ser colado ou amarrado ao corpo. E veja só: não satisfeita, Iemanjá mandou dizer a Talma que queria vê-la nua da cintura para cima. Pedido que deixou as duas espantadas.>
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Mas, como é bom não contrariar o santo, a Mãe Cida deu um jeito: colocou duas rosas nos seios de Talma, jogando o cabelo dela na altura do tronco, para disfarçar a nudez. Até se transformar em uma sereia, Talma gastou duas horas.>
"É feito um jogo de búzios onde ela (Iemanjá) vem e diz como Talma deve estar vestida a cada ano. Este ano, por exemplo, a exigência foi a cor branca. Geralmente, era azul. Iemanjá não diz o porquê da exigência, manda dizer apenas que sua filha ficará sabendo o motivo depois", disse Mãe Cida. >
Ritual Talma chega ao Rio Vermelho nas primeiras horas da manhã. Permanece por lá durante todo o dia, dividindo a atenção do orixá com fiéis que, curiosos, pedem para pousar para uma foto ao seu lado. >
No final do dia, antes de voltar para casa, Talma pega um barco e, em alto-mar, longe de todos os curiosos, despeja nas águas da Baía de Todos os Santos os mimos para sua mãe - um balaio com flores, objetos e perfumes. >
De santo e de sangue A estudante Paola Meier, 15 anos, lembra aquele quadro famoso da sereia, de braços abertos, sobre o mar, tendo ao fundo uma lua brilhante. A sua semelhança com a Rainha das Águas, impressionou quem pelo Rio Vermelho passava na manhã desta sexta-feira (2). >
Mas Paola não só aparenta como tem a orixá guiando sua vida. É Iemanjá quem rege sua cabeça. A estudante veio da cidade de Luis Eduardo Magalhães, no Oeste do estado, com o seu pai - de sangue e de santo. Por lá, ele cuida de um terreiro, o Terreiro de Ogum e Caboclo Boiadeiro. A estudante Paola Meier, 15, homenageia a sua orixá de frente (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) Juntos, Paola, o pai, e outros integrantes do terreiro, fazem a gira, recebendo a visita dos orixás que costumam aparecer pegando o filho de santo de surpresa. Eles chegam à medida que o som da batucada cresce. >
"É incrível como, por aqui, as pessoas respeitam. Mesma aquelas que não acreditam, aparecem só para assistir a festa", disse Paola. Esse á segunda vez que ela participa da festa. >
Em um momento da gira, a estudante, foi ao encontro do seu pai. Ele, incorporado com Oxum, nas areias da praia do Rio Vermelho, recebeu sua filha, ou melhor Iemanjá, para um abraço que, simbolicamente, representava o encontro das águas doce e salgada. No ponto alto da cerimônia, a jovem embarca em um barco para, em alto-mar, depositar flores para sua mãe.>
Outras sereias Longe da areia, no Largo de Dinha e da Mariquita, é possível ver sereias mais "simples". Elas desfilam, deixando pra lá o lado religioso, com coroas e apetrechos ligados aos elementos do mar. Inclusive, quem quiser fazer uma graça, pode conseguir os objetos com alguns ambulantes - o preço varia entre R$ 20 a R$ 30. >
A impressão que se tem é que, neste 2 de fevereiro, todos querem imitar a anfitriã da festa. Seja trajando fantasias ou sendo vaidosos e pousando para as selfies, assim como Iemanjá que, diga-se de passagem, ama um espelho.>