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Da Redação
Publicado em 26 de outubro de 2010 às 09:15
- Atualizado há 2 anos
Alexandre Lyrio e Felipe Campos|Redação CORREIO, >
De dentro do presídio, depois de metralhar três pessoas numa sala de cinema de um shopping de São Paulo, o baiano Mateus da Costa Meira continuou a atirar. Dessa vez, com palavras escritas. Acertou o coração de uma travesti e com ela se relacionou através de correspondências trocadas de dentro da prisão. Foram 49 cartas às quais o jornal Folha de S. Paulo teve acesso. >
De acordo com a reportagem da Folha, Mateus se correspondeu com a travesti, que costumava tratar como “querida Alcione”, entre maio de 2001 e outubro de 2003.>
Pelo conteúdo dos manuscritos, Mateus, que pegou 120 anos de pena, parecia querer manipular Alcione. Conquistando-a, poderia usá-la aqui fora. Foi o que fez. >
Em boa parte das cartas, desenhava signos amorosos como corações flechados. Parecia querer ganhá-la pela infantilidade. “Sou seu amiguinho”, assinou em 15 de maio de 2001, ao lado do desenho do rosto de uma criança, de óculos, como se fosse sua própria representação. Acima, na mesma carta, rabiscou uma casa, uma árvore, o sol atrás de uma nuvem e um avião. >
No texto, porém, Mateus oscilava entre elogios afetuosos, quando a tratou como uma “heroína”, e ordens incisivas. Por vezes, o atirador do shopping também demonstrava irritação. Alcione, na verdade Antonio Alcione Carvalho, sempre respondia com declarações apaixonadas. Mateus esnobava. “Já sei que você me ama, mas não precisa ficar repetindo”. >
AFETO BANDIDO São raros os momentos em que Mateus cita o massacre no shopping. Curioso, quer entender como a travesti conseguia amar um assassino. “Alcione, fale-me mais de sua vida. Por que você se apaixonou por mim depois que eu metralhei o pessoal no cinema?”. >
Numa carta escrita em 2001, Mateus parece questionar os psiquiatras. “Se eu fizer uma bomba com explosivo plástico e implodir um shopping, eles vão continuar me achando normal”. Em outro momento, se mostra acima de um diagnóstico. “Falam que eu tenho tendências esquizoides e que o ato que cometi foi fruto de agressividade íntima”, escreveu o estudante para a travesti, que deixou de se corresponder com Mateus quando percebeu que ele seria um “caso perdido”. >
RELAÇÃO Ao CORREIO, Alcione disse que nunca visitou Mateus na cadeia. Mas dava um jeito de enviar ao presídio o que precisava. O atirador do shopping pedia de tudo, desde medicamentos, cigarros e materiais diversos a objetos ilegais, como celulares. Chegou a pedir que a travesti comprasse um celular e pagasse R$ 1 mil para que o aparelho entrasse no presídio.>
A travesti disse que, por “solidariedade, compaixão e amor”, gastou muito dinheiro com Mateus. “Tudo dinheiro próprio, uns R$ 20 mil. Mateus só pedia coisas caras. Perfume bom, leite de marca”.>
Numa das cartas, Mateus pede a Alcione que faça uma mistura que continha o calmante Rivotril, remédio de venda controlada. Para isso, teria forjado uma receita médica e dado instruções de preparo. “Querida Al. Quero que você faça uma mistura. Ninguém mais pode fazer isso por mim. 1) Ingredientes: 400 g de leite em pó DESNATADO. 2) 200 comprimidos de Rivotril 1 mg”. A encomenda seria enviada por Sedex, forma usada por Alcione constantemente para enviar os itens solicitados por Mateus.>
PRESSÃO Nos manuscritos, Mateus chegava a pedir que Alcione entrasse em contato com os melhores advogados. Tudo pago pela travesti. “Você me ama e precisa fazer isso”. >
Em 2002, diz que seu caso é ganho se tivesse ao seu lado bons criminalistas. “Meu alvará de soltura é certo. Você quer que eu seja solto? Então, arranje dinheiro logo, pombas”. Mateus queria que as cartas se restringissem aos dois. “Queime tudo: carta, bilhete, foto, receita, jornal, dinossauro, qualquer coisa escrita que se refere a mim”. Alcione desobedeceu. E depois parou de se corresponder.>
Estudante atacou espanhol na cadeiaO estudante de Medicina Mateus da Costa Meira foi transferido para o Hospital de Custódia e Tratamento após golpear com uma tesoura seu colega de cela, o espanhol Francisco Vidal Lopes em 8 de maio de 2009. Em parecer, a comissão de sindicância indicou pela transferência de Mateus por acreditar que ele possui problemas de ordem psiquiátrica que motivaram a agressão ao espanhol.>
Em novembro, o então interno da Penitenciária Lemos de Brito foi ouvido em audiência do processo a que responde como autor de tentativa de homicídio contra o espanhol, ele confirmou que o traficante Raimundo Alves de Souza, o Ravengar, chegou a pedir R$ 2 mil para que Meira pudesse trocar de cela na unidade prisional. >
Mateus veio transferido de São Paulo para Salvador em fevereiro de 2009 para cumprir parte dos 120 anos aos quais foi condenado pelo atentado no Shopping Morumbi quando matou quatro pessoas e feriu outras três.>
O atentado aconteceu 3 de novembro de 1999. O estudante estava armado com uma metralhadora quando invadiu uma sessão do cinema e disparou contra a plateia que assistia ao filme Clube da Luta.>