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Bruno Wendel
Publicado em 7 de março de 2017 às 07:37
- Atualizado há 2 anos
Na companhia do medo. É assim que vivem hoje os moradores do Candeal. No último domingo, dois corpos foram encontrados no bairro, que desde dezembro do ano passado vem perdendo a tranquilidade. Em todo 2016 foram quatro mortes no bairro. Agora, em pouco mais de dois meses, já somam seis e a insegurança deixou de ser uma situação restrita aos moradores da parte baixa da região – onde ficam casas mais humildes. Um dos corpos foi encontrado na parte alta – onde há moradores de classe média. Crimes podem estar relacionados à rivalidade entre duas facções.Por volta da 5h30 do último domingo, na Rua José Pedreira, uma via que liga o Candeal a Brotas, moradores dos prédios acordaram com o barulho das sirenes. “Para um dia de domingo, todo mundo esperava levantar tarde, mas não. Havia muita polícia”, contou a dona de casa Madalena Vieira, 53.Moradores dizem que já não é mais seguro deixar as portas abertas (Foto: Evandro Veiga/CORREIO)O corpo de um homem não identificado, com marcas de tiros, tinha acabado de ser encontrado pela polícia. “Fiquei perplexa. Isso nunca aconteceu aqui. O que virou rotina são os roubos de carro e celular”, disse Madalena. Segundo ela, os roubos são cometidos em sua maioria por dois homens em uma moto ou três homens em um carro. “Chega a ter três, quatro casos por dia”.A Rua José Pedreira é cercada de prédios. Os únicos estabelecimentos comerciais são uma padaria, um salão de beleza, uma oficina e uma academia – último estabelecimento a fechar as portas (21h). “Quando a academia fecha, isso aqui vira um breu. Antes era um bar, que ficava até mais tarde, mas o dono resolveu fechar porque não aguentou toda hora ser assaltado”, contou o professor universitário Matheus Lima, 53.Segundo Lima, depois das 21h, é um dos horários mais perigosos. “Muitos estudantes estão chegando e é o momento que eles (ladrões) gostam de agir. Têm preferência por atacar mulheres. No meu prédio, três já foram roubadas”, contou.Roubos Moradora do bairro há 10 anos, a design de interiores Erlane Duda disse que, certa vez, uma dupla de ladrões roubou no mesmo momento quatro pessoas em situações distintas. Segundo ela, na ocasião, os bandidos tinham acabado de roubar duas moradoras que chegavam no prédio, quando decidiram abordar o motorista de um caminhão que estacionava na hora. Com a confusão que se formou, o porteiro do prédio saiu da guarita para ver o que acontecia. “Ele acabou sendo a quarta vítima dos criminosos”.Erlane listou três fatores que contribuem para a insegurança. Para ela, em primeiro lugar, está a falta de policiamento contínuo. “A gente só vê viaturas aqui em situações como a de domingo. Tinham mais de dez carros da polícia”. Em segundo lugar, ela cita a ausência de uma iluminação eficaz. “Alguns postes estão com as lâmpadas queimadas, isso facilita, e muito, a ação dos bandidos”, declarou. O último e não menos importante é um terreno baldio de mata extensa, cercado por estacas de madeira e concreto, que fica no lado esquerdo da via. “A gente cansa de ouvir que, em alguns casos, os ladrões saem do terreno, roubam, e se embrenham nele”. Para evitar ser a próxima vítima, a designer adota algumas medidas de segurança. Uma delas é só sair ou chegar em casa pela Ladeira da Cruz da Redenção. “Prefiro, porque o início da José Pedreira (rua) tem alguns quebra-molas e é na redução que eles estão abordando os motoristas e tomando os carros. Já pensei até em me mudar, mas aqui é uma região perto de tudo, de Brotas, Iguatemi, Itaigara, fácil acesso para tudo, e é por isso também que os bandidos preferem, porque não deixa de ser uma rota de fuga”.Ainda segundo moradores, o roubo de celular é algo comum na rua. “ O pior é que eles estão espancando quem não tem. O filho de uma vizinha levou dois tapas no rosto de outros dois garotos que estavam cada um com uma faca porque ele saiu de casa e esqueceu o celular. O menino tem 13 anos e isso aconteceu no ano passado, mas ele está traumatizado até hoje”, contou o representante comercial Túlio Amorim, 32.O CORREIO também esteve na Alamedas Bons Ares, próximo ao Espaço Guetho Square, onde um segundo corpo não identificado foi encontrado domingo. Assim como o primeiro corpo, encontrado na Rua José Pedreira, o segundo homem morto não era da região. O indício é que ambos foram desovados no local. A polícia investiga a ligação entre as duas mortes. “Ninguém nunca viu o rapaz aqui. Com certeza, não é daqui”, contou o paisagista Antônio de Brito, 33, nascido e criado no local.“A situação aqui não está fácil. Desde dezembro que as coisas pioraram. Antes, dormiam 3h. Hoje, 20h está tudo deserto”, disse uma moradora que se identificou apenas pelo nome de Margarida. “O que tem acontecido recentemente é coisa de gente de outros lugares”, disse, se referindo a uma série de crimes ligados ao tráfico de drogas que tirou a paz do Candeal .Ontem, durante o dia, uma guarnição da 26ª Companhia Independente (Brotas) passava pelo local por volta das 10h. Eram quatro PMs. “Estamos fazendo apenas uma atividade de rotina, nada de anormal”, disse um dos oficiais. >
Candeal é alvo de disputa entre duas facçõesTraficantes do Comando da Paz (CP) e do Bonde do Maluco (BDM) estão em guerra pelo comando do tráfico de drogas da região desde o ano passado. No dia 14 de fevereiro, três pessoas foram assassinadas no local. Na época, a polícia informou que o trio foi morto durante uma troca de tiros entre facções rivais que disputam o comando do tráfico na região. >
Na época, moradores contaram ao CORREIO que traficantes do Nordeste de Amaralina, onde o domínio é do CP, atacaram diversas vezes o bairro, que há um ano passou a ser comandado pelo BDM. O conflito se intensificou em dezembro do ano passado. Naquele mês, traficantes do Nordeste estiveram no bairro na tentativa de matar um rival. “Mas eles não contavam que uma viatura da Polícia Militar passava na hora. Eles (os criminosos) tentaram fugir, mas bateram o carro em outros veículos. Houve troca de tiros e os bandidos acabaram presos”, relembrou o morador. Clique na imagem para ler reportagemEm janeiro deste ano, outro homem foi assassinado na comunidade. Os vizinhos contaram que o crime ocorreu após uma festa, quando homens armados desceram de um carro preto e mataram a vítima. “O que se comenta por aqui é que foi o pessoal do Nordeste que fez os disparos”, afirmou outro morador. Cerca de 15 dias depois, um grupo de homens armados fez um arrastão no bairro. Eles roubaram estabelecimentos comerciais, moradores e arrombaram carros. >
Na época, a titular da 6ª Delegacia (Brotas), Maria Dail, disse não ter dúvida de que os autores do arrastão são do Nordeste de Amaralina. “Nos depoimentos, as vítimas disseram que os bandidos gritavam palavras de ordem: ‘CP chegou!’. E depois provocavam os rivais: ‘Cadê vocês ?’”, contou a delegada.>
A comunidade que hoje vem perdendo espaço para a violência já foi considerada um território da paz. Em 24 de dezembro de 2011, o CORREIO trouxe uma reportagem mostrando que, naquele ano, enquanto vários bairros de Salvador registraram altos índices de violência, no Candeal não houve sequer um homicídio. Agora, parece que essa realidade mudou.>