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Yan Inácio
Publicado em 3 de junho de 2025 às 18:16
Uma decisão inédita e unânime da Justiça Federal tornou nula uma portaria do Ministério da Saúde que violava o direito à privacidade do paciente e a garantia do sigilo das informações sobre a sua saúde prestadas ao médico psiquiatra.>
A Portaria de Consolidação n.3/2017, que foi considerada ilegal, obriga todos os estabelecimentos de saúde mental, públicos e privados, a remeter a uma “Comissão Revisora das Internações Psiquiátricas Involuntárias”, de caráter multiprofissional inclusive por não médicos e não prevista em lei, informações detalhadas sobre o doente, como o seu diagnóstico, o seu contexto familiar e a justificativa da internação. >
A 12ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) entendeu que a portaria extrapolou o poder de regulamentar a lei, ao impor aos estabelecimentos de saúde a obrigação de fornecer dados sensíveis e detalhados dos pacientes que necessitem de hospitalização involuntária a uma comissão externa sem previsão legal, desrespeitando os direitos fundamentais dos pacientes, o sigilo profissional e o ato médicos.>
A decisão atendeu a uma ação promovida pela Clínica Holiste Psiquiatria, em 2018, que já havia vencido em primeira instância em 2019, com parecer favorável do Ministério Público Federal, e foi confirmada agora após o TRF-1 negar o recurso apresentado pela União.>
Na sentença, proferida pela Relatora da ação, a Desembargadora Federal do TRF-1 Rosana Noya Alves Weibel Kaufmann, além de declarar a ilegalidade da portaria e suspender os seus efeitos, determinou que se cumpra estritamente o que diz a lei 10.216/2001, ou seja, a comunicação das internações psiquiátricas involuntárias deve restringir-se ao Ministério Público Estadual, contendo apenas o nome do paciente, data do internamento e data da alta médica, em até 72 horas de cada ocorrência, sem acréscimo de dados adicionais.>
Na sentença, ela diz que a portaria afronta o princípio constitucional da legalidade e viola o sigilo profissional médico, garantido pela Constituição Federal e pelo Conselho Federal de Medicina, além do respeito aos direitos do paciente, com o risco de lhes causar danos irreparáveis à sua privacidade.>
Em outro trecho, ela cita um trecho da decisão de primeira instância, do juiz federal da 12ª Vara, Ávio Mozar José Ferraz de Novaes, que diz “a portaria constitui espécie jurídica de caráter secundário, cuja validade e eficácia resulta, imediatamente, de sua estrita observância à lei e a outras normas hierarquicamente superiores”.>
A decisão judicial foi comemorada pela Clínica HolistePsiquiatria, referência no serviço de assistência à saúde mental em Salvador, que foi a única do país que contestou a validade da portaria em uma ação contra a União ingressada em 2018. >
“A Holiste, de forma pioneira e exclusiva, lutou durante sete anos e obteve sucesso em manter o seu direito de informar apenas o que a Lei 10.216/2001 determina, ou seja, o nome dos pacientes e as datas de suas internações involuntárias, e exclusivamente ao Ministério Público Estadual”, celebrou o advogado Marcus Vinícius Alcântara Kalil. >
Ele lembra que nem o MP e nem a comissão têm competência para julgar ou questionar o ato privativo do médico psiquiatra do ponto de vista técnico.>
Para o diretor técnico da Holiste Psiquiatria, Luiz Fernando Pedroso, foram garantidos o respeito e a liberdade aos profissionais médicos no exercício da medicina, a preservação da privacidade do paciente e o estabelecimento de limites à invasão estatal no tratamento psiquiátrico dirigido pelo médico - que segue critérios técnicos discutidos na comunidade científica e que visa exclusivamente o bem-estar do paciente. >
Ele explica que a internação involuntária só é feita quando o paciente é considerado mentalmente incapaz de se autodeterminar ou está adotando comportamento de risco contra si e contra terceiros, e só ocorre mediante autorização de um familiar ou responsável. >
“A hospitalização não é um encarceramento, mas uma libertação da doença, pois o doente está privado de razão e prisioneiro de seus impulsos patológicos incontroláveis”.>
A decisão abre um importante precedente para todas as instituições de assistência à saúde mental se verem desobrigadas de cumprir a referida portaria do Ministério da Saúde, fazendo prevalecer a lei que protege os direitos das pessoas em sofrimento mental.>