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Agência Einstein
Publicado em 14 de novembro de 2024 às 08:44
Quem vive com um aneurisma cerebral não roto — isto é, que não rompeu — e tem sua condição apenas monitorada está mais propenso a desenvolver problemas de saúde mental como ansiedade e depressão. É o que sugere um novo estudo, realizado por pesquisadores da Coreia do Sul e publicado no periódico Stroke. Segundo a pesquisa, o risco é especialmente alto entre pessoas com menos de 40 anos. A investigação se baseou em um banco de dados nacional sul-coreano. Ao longo de dez anos, 85 mil indivíduos diagnosticados com aneurisma não roto foram monitorados e comparados a 331 mil pessoas de um grupo controle. >
Os autores também mediram a incidência de doenças mentais durante esse período usando códigos da CID-10 (Classificação Internacional de Doenças) para ansiedade, estresse, depressão, transtornos bipolares e alimentares, insônia e uso indevido de álcool ou drogas. Os autores encontraram uma taxa de incidência de doença mental maior na turma com aneurisma não roto em comparação ao grupo controle: 113,07 casos a cada 1.000 pessoas versus 90,41 a cada 1.000 pessoas.>
“Os resultados do estudo evidenciam que médicos que tratam aneurismas cerebrais devem estar cientes de que a carga psicológica causada pelo diagnóstico de um aneurisma pode contribuir para doenças mentais e devem se esforçar para proporcionar um atendimento direcionado também com essa abordagem para esses pacientes”, comenta a neurologista Polyana Piza, do Hospital Israelita Albert Einstein de Goiânia. >
O que é aneurisma?>
Um aneurisma cerebral é uma dilatação anormal da parede de um vaso sanguíneo no cérebro, que ocorre como consequência da fraqueza dessa parede. Frequentemente, o problema está relacionado a alterações genéticas que modificam a constituição do colágeno da parede do vaso sanguíneo ou mesmo por exposição a fatores de risco que agridem essa estrutura, como hipertensão arterial e tabagismo. É considerada uma condição potencialmente grave, uma vez que pode levar à ruptura do vaso sanguíneo e causar hemorragia intracraniana. >
O diagnóstico do aneurisma pode se dar por acaso, quando a pessoa faz um exame de imagem da cabeça (como tomografia ou ressonância magnética) para investigar outras doenças – nesses casos, ele é chamado de aneurisma “não roto” ou aneurisma “incidental”. Outra forma de diagnosticar o problema é quando o paciente apresenta a ruptura desse aneurisma e os sintomas provocados por esse evento motivam a realização dos exames de imagem cerebrais. >
Segundo Piza, o tratamento do aneurisma pode variar dependendo do tamanho, da localização, do estado geral do paciente, da idade e de outras comorbidades. “Alguns aneurismas não rotos pequenos, que não apresentam sintomas, podem apenas ser monitorados, pois o risco de ruptura é estatisticamente menor quando comparado ao risco da abordagem cirúrgica ou intervencionista”, diz a médica.>
Quando são identificados riscos aumentados para ruptura do aneurisma, as opções de tratamento incluem neurocirurgia aberta para clipagem do aneurisma ou intervenções menos invasivas, como a embolização. Nesse procedimento, um cateter é utilizado para chegar ao aneurisma e colocar fios chamados de “molas” para bloquear o fluxo sanguíneo que chega à região. Outra opção é aplicar um stent difusor de fluxo para normalizar a circulação do sangue naquele vaso.>
“A decisão sobre o tratamento é baseada na avaliação clínica do paciente e em características específicas do aneurisma. O paciente exposto a um diagnóstico de aneurisma lida frequentemente com sintomas complexos como angústia, medo e incerteza. A existência desses sentimentos pode desencadear um ciclo de estresse, ansiedade e depressão que levam a desequilíbrios psicológicos com impacto na qualidade de vida”, observa Piza.>
“Sentar e esperar”>
Foi o que aconteceu com a consultora de relações internacionais Marcela Santos* (nome trocado a pedido da entrevistada), hoje com 33 anos. Ela mora nos Estados Unidos e descobriu ter um aneurisma por acaso, após sentir uma parestesia no braço. Esse é o nome da sensação de picadas, formigamento ou dormência em partes do corpo, que pode ser transitória ou persistente. No caso dela, também se espalhou pelo resto do corpo. >
Vários exames foram realizados para descartar danos nas terminações nervosas, entre eles, uma tomografia de cabeça e pescoço. “Nessa bateria de exames, os médicos encontraram o aneurisma. Quando você é tão jovem [na época, Marcela estava com 32 anos] e descobre que tem um aneurisma na cabeça, a primeira coisa que pensa é que vai morrer a qualquer momento. E o plano de ação de tratamento do aneurisma em uma paciente jovem como eu era sentar e esperar. Isso é muito difícil”, conta.>
Como o aneurisma era pequeno e ela não tinha outros fatores de risco ou comorbidades associadas, os médicos avaliaram que não havia risco de rompimento e a conduta foi monitorar e acompanhar a evolução a cada seis meses. Ela até refez a tomografia no prazo indicado, mas, nesse período, teve que voltar ao Brasil às pressas para cuidar de uma emergência familiar. Por isso, não se atentou aos resultados do segundo exame.>
Quando voltou para os Estados Unidos, retornou ao neurologista e, ao abrir o laudo, o médico observou que no período de seis meses o aneurisma tinha dobrado de tamanho e as dimensões também haviam mudado: ele estava disforme, o que aumenta o risco de ruptura. Foi então necessário colocar um stent para normalizar o fluxo sanguíneo naquela região. >
“O meu aneurisma estava num local muito crítico, atrás dos olhos, e tinha aumentado muito de tamanho num curto espaço de tempo. Se rompesse, eu corria muitos riscos, inclusive de morte. Mas deu tudo certo e nos primeiros três meses após a intervenção tudo normalizou e estou com uma qualidade de vida muito melhor”, comemora.>
Apesar do estresse de ficar monitorando o aneurisma, ela lembra que é melhor descobrir o problema e evitar um acidente vascular cerebral (AVC). “Monitorar é o único caminho e é o melhor que podemos fazer. Mas esse é um diagnóstico muito incerto e a gente fica em dúvida sobre o nosso futuro”.>