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Nelson Cadena
Publicado em 23 de abril de 2020 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
Imagine você leitor a reação de um jovem de 19 anos, cheio de brios, orgulho de ver sair do prelo o seu primeiro romance, ao ler na “Vida Literária”, conceituada seção de O Jornal do Rio de Janeiro, a opinião de um dos mais respeitados críticos do gênero do país, Tristão de Athaide, membro da Academia Brasileira de Letras: “O livro tem todos os defeitos. É pessimamente escrito”. O crítico se referia ao romance “Zaratustra me contou”, impresso na Tipografia Naval, da autoria de Wilson Lins, cujo centenário de nascimento transcorre sábado próximo.>
Tristão de Athaide carregou nas tintas com um certo ar de arrogância: “Imitação em grão ínfimo de Pirandello, ou, de Nietzche. Improvisado. Desbocado. Delirante. Pretencioso. Típico da obra de adolescência cheia de gás, que julga ter descoberto o mundo e quer começar a sua carreira literária, em pleno sensacionalismo...Como se vê um típico acesso de intoxicação literária e livresca. Um pesadelo, nada mais”. Ainda bem que concluiu temperando a acidez de seu comentário: “Este jovem mostra que virá a ser alguma coisa, um dia. Pois o seu livro tem todos os defeitos, exceto um, a mediocridade”.>
O que parece ter incomodado o crítico, fora o tema orientalista (Tristão de Athaide era um católico radical), é o trecho “Malditos todos os livros que às minhas mãos caíram...malditos todos os livros! Todos os escritores! A fogueira do esquecimento que os consuma a todos. Malditos, mil vezes malditos, os destruidores de minha felicidade, de minha paz interior”. Irônico, o cronista de O Jornal sentencia: “Só Mallarmé, ou os meninos de 18 anos, é que leram todos os Livros”. Nem toda a crítica foi tão contundente. Emo Duarte no jornal literário Dom Casmurro, aprovou: “Wilson Lins, ainda muito jovem, publicou um romance...que mereceu da crítica palavras de elogio e de entusiasmo. Pena é que o romance tenha sido publicado na província”.>
Sete anos se passaram antes de Wilson Lins publicar o seu segundo e terceiro livros: “Doze Ensaios de Nietzche” e “A Infância do Mundo”, ambos editados em 1946, pela Editora do jornal O Imparcial, de propriedade da família, seu pai o Coronel Franklin Lins de Albuquerque, já era falecido. Desde 1940 Wilson Lins era o redator chefe. Há um hiato entre a publicação do primeiro romance e o segundo livro, podemos creditar isso a sua intensa atividade jornalística no período, a sua militância política e o engajamento no esforço de guerra contra o eixo nazifascista, a partir de 1942, quando os submarinos alemães bombardearam a costa da Bahia.>
Wilson Lins Liderou comícios em Salvador e viajou com Simões Filho aos Estados Unidos, junto com outros representantes da imprensa brasileira, Casper Libero era um dos notáveis dessa embaixada, para acertar o alinhamento com a causa aliada. Na terra do Tio Sam declarou: “A juventude de minha pátria está ansiosa por entrar em combate contra o fascismo o mais cedo possível. A existência de muitas organizações antifascistas na Bahia é uma prova evidente do ódio de seu povo para com o nazismo e seus ideais”.>
Tristão de Athaide tinha razão quando enxergou no adolescente cheio de gás alguém que “um dia virá a ser alguma coisa”. A partir da década de 50 a sua obra literária ganha fôlego e destaque. Escreveu entre romances, ensaios e crônicas mais de 15 livros. E deixou um considerável acervo de crítica literária, crônicas e artigos publicados em O Imparcial, Diário da Bahia, Diário de Notícias, A Tarde, Jornal da Bahia e, no sul do país, na revista Diretrizes e no vespertino O Mundo onde escreveu a crônica diária “Uma pedra no mundo”. Em 1943 cogitou lançar uma editora com seu amigo Jorge Amado. Esse projeto, infelizmente, não vingou.>
Nelson Cadena é publicitário e jornalista, escreve às quintas-feiras.>