Mortes de alunos geram traumas e prejudicam o aprendizado de colegas

Colégio Estadual Rubén Dario teve 116 jovens assassinados em 10 anos

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  • Bruno Wendel

Publicado em 10 de agosto de 2024 às 05:00

Insegurança: 116 estudantes do Colégio Rubén Dario foram mortos pela violência urbana de Salvador
Insegurança: 116 estudantes do Colégio Estadual Rubén Dario foram mortos pela violência urbana de Salvador Crédito: Maria Silva/CORREIO

O CORREIO esteve no último dia de julho, uma quarta-feira (31), no Colégio Rubén Dario, na Avenida San Martin, que, ao longo de 10 anos, perdeu 116 estudantes para a guerra do tráfico. Um vídeo que a reportagem teve acesso mostra o “arquivo morto” numa produção da Secretaria Estadual do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (Setre). Ao chegar, a equipe encontrou com a professora Débora Oliveira. Questionada sobre a sua participação no vídeo e a temática, o reflexo da violência urbana no ambiente escolar, Oliveira esquivou. “É um assunto muito delicado, prefiro não falar”.

Em seguida, a reportagem foi recebida pelo vice-diretor, Sérgio Cabral, que por sua vez, disse que “a gente não está autorizado a falar pelo Estado”. Já o diretor, Antônio Pimenta, está afastado da função porque é candidato à Câmara de Vereadores nesta eleição. Os demais docentes que aparecem na gravação também foram procurados neste dia, mas um funcionário informou que “nenhum deles quer falar”.

Apesar de a direção proibir a entrevista com estudantes dentro do Rubén Dario, a reportagem falou com alguns deles fora da unidade. Ninguém tinha noção da quantidade de alunos que foram assassinados ao longo desses 10 anos. “Isso é terrível! Quer queira, quer não, estudavam com a gente, eram jovens como nós”, diz uma aluna do Ensino Médio.

“Estou chocada. A gente fica sabendo de um e outro, mas nunca paramos para refletir sobre quantidade”, emenda a amiga. Um rapaz disse que os óbitos são “reflexo de uma sociedade falida”. “Estão exterminando o futuro desta cidade. Eram pessoas envolvidas, mas estavam na escola em busca de um novo destino, que não fosse a morte”, diz ele. “Esses casos nos deixam abalados. Quando a notícia chega, da morte de um colega, penso logo: amanhã pode ser eu, um irmão, um primo, um vizinho. A gente sabe que, em tese, estamos seguros lá dentro, na sala, mas aqui fora, não”, complementa a amiga.

Mas nem sempre é assim. A reportagem conversou com uma aluna que relatou o seguinte: há dois anos, um homem baleado morreu dentro da escola. “Ele já tinha sido atingido, quando pulou o muro e caiu sem vida”, relata a jovem, que em seguida, aponta outras ocorrências. “O fundo da escola dá para uma comunidade. Quando há troca de tiros, eles fazem isso direto, pulam para fugir”, conta. A insegurança dentro da escola já foi denunciada pelo CORREIO. Somente neste ano, traficantes do Comando Vermelho já acessaram a escola pelo menos cinco vezes.

Para o psicólogo Gustavo Bicaia, o quantitativo das mortes é “impactante” e “sufocante”, quando “a gente pensa o que fazer diante disso, a sensação de impotência social que cada vez mais aumenta diante desses casos”. Segundo ele, a violência urbana dentro e fora da escola “pode ser uma fonte de uma experiência traumática”.

“E quando isso não é cuidado, acaba gerando uma série de implicações. Um dos primeiros impactos, a gente pode pensar no desempenho escolar, na expectativa da aprendizagem, então a gente não pode exigir ou pensar que aquela criança ou adolescente vai seguir ou manter o desempenho de alguém que está aprendendo em um lugar seguro”, explica.

Um outro impacto gerado é a falta de sensação de segurança. “Fortalecimento do medo e que isso cada vez mais vai desorganizando o emocional, podendo desenvolver transtornos, como ansiedade, depressão, estresse pós-traumático”, pontua Bicaia. Para ele, é importante que as escolas tenham uma equipe de atendimento psicossocial.

“Um psicólogo e uma assistente social para que possam fazer um acompanhamento durante o ano, fazer atividades e intervenções para todos que compõem a escola e de quem faz parte deste convívio, com a família e a comunidade. Quando a violência adentra o ambiente escolar, a gente não está falando só deste ambiente adoecido, mas sim de uma sociedade”, aponta.

Rubén Dario tem 116 estudantes assassinados pela violência urbana de Salvador
Rubén Dario tem 116 estudantes assassinados pela violência urbana de Salvador Crédito: Mariana Silva/CORREIO

Especialistas

Para o pesquisador Bruno Manso, do Núcleo de Estudo da Violência da USP (NEV-USP), essas mortes “muitas vezes estão ligadas nesse ciclo de vingança e conflitos entre bairros, que uma morte produz um efeito multiplicador e eles (jovens) passam a entrar em conflitos com grupos vizinhos e a enxergar sentido na própria vida a partir dessas guerras, que passam a travar com pessoas e grupos de territórios vistos como inimigos”.

Manso citou um caso semelhante ao do Rubén Dario em São Paulo. “Então eu acompanhei um colégio no Jardim Angela, que a diretora já tinha contabilizado mais de 100 mortos no trabalho dela”, conta Manso, que também é especialista no estudo das maiores organizações criminosas do país, o CV e o PCC (Primeiro Comando da Capital).

Ele destaca que a maioria das vítimas é do sexo masculino. “É uma forma que atiça a masculinidade, que puxa para esse espírito guerreiro, de confronto, de jogo e de disputa, que faz presente nesses contextos, desequilibrados de conflitos com muitas mortes. É um processo meio autodestrutivo e quem está no foco são jovens nessa fase de 15, 20 anos, que não ligam muito para as consequências”, diz Manso.

Dudu Ribeiro diz que é “importante a gente pensar a educação como fator protetivo da vida”. “Como a gente consegue garantir a parte de uma boa educação, a continuidade dos estudos e a reconstrução de perspectivas de vida, já que é também necessário investir na formação dentro da educação básica, da educação pública, sobretudo, a gente faz de que ela seja de fato uma possibilidade para esses meninos prospectarem possibilidades de vida”, pontua.

Procurado, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia (APLB) informa que o problema não é exclusivo do Rubén Dario e destaca o caso dos estudantes que são mortos por causa da rixa entre bairros. “Se um aluno mora no Alto do Cabrito e é matriculado no Lobato, ele vai ter problema. Se sai da Fazenda Grande do Retiro e vai para o Bom Juá, da mesma forma. De Brotas para Engenho Velho de Brotas e Cosme de Farias é a mesma coisa. O Tororó, que era tido como um lugar tranquilo, está assim. E não é só em Salvador. É na Bahia toda”, diz o coordenador-geral da APLB, Rui Oliveira. Segundo ele, a saída está nas aulas integrais. “Os alunos entrariam pela manhã e só sairiam à noite, assim evitaria o cooptação e parte dela pelo tráfico”, declara.

Posicionamentos:

O CORREIO cobrou o posicionamentos de alguns órgãos sobre a mortes de estudantes na violência urbana de Salvador. Em nota, o Ministério Público do Estado disse que “lamenta profundamente e vê com preocupação os impactos de ações criminosas na sociedade e, sobretudo, em relação a crianças e adolescentes”.

O MPBA disse também que tem atuado “firmemente na repressão contra organizações criminosas”. Ainda de acordo com a instituição, desde 2020, foram quase 150 operações, sendo mais de 30 apenas neste ano.

O Conselho Estadual de Educação da Bahia (CEE-BA) disse que lastimou “profundamente as trágicas mortes dos 116 estudantes do Colégio Estadual Rubén Dario”. “Estamos cientes do impacto devastador que a violência urbana tem sobre nossos jovens e sobre a comunidade escolar como um todo”, diz a nota. O CEE-BA informou que está atento “às questões que afetam diretamente a vida e a segurança dos nossos estudantes e buscamos, por meio de nossas ações de normatização pedagógica, mitigar os impactos da violência no ambiente escolar”. Em uma das ações, o órgão citou a criação do Programa de Atenção à Saúde e Valorização do Professor (PASVAP), “com o objetivo de promover o bem-estar físico e emocional dos educadores, servidores e estudantes”.

A reportagem enviou e-mails na quinta (1), sexta-feira (2), terça-feira (6) e quarta-feira (7) para a Secretaria de Educação do Estado (SEC), a Polícia Militar (PMBA) e a Secretaria de Segurança Pública (SSPBA) . Até o fechamento desta edição, na sexta-feira (9), não há resposta.