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Carolina Cerqueira
Publicado em 26 de abril de 2025 às 05:00
Foi durante o velório do pai que a administradora Carol Nogueira percebeu pela primeira vez o tremor. Na época, com 37 anos e diante da situação, culpou o estresse emocional. Não passava pela cabeça a palavra ‘Parkinson’. Os tremores continuaram, ela buscou diversos médicos até que, dois anos depois, recebeu o diagnóstico. >
Carol, que hoje tem 44 anos, não está sozinha no grupo dos que tiveram a doença muito cedo. Luiz Castelo Branco e Bruno Leal foram diagnosticados aos 40. Luiz sentiu o primeiro tremor quando derrubou café durante uma reunião de trabalho. Bruno ignorou uma sequência de pequenos tremores durante dois anos, até notar que não conseguia mais escrever. >
A neurologista Flávia Rolim, do Departamento Científico de Transtornos do Movimento da Associação Brasileira de Neurologia (ABN), diz que o principal fator de risco para o Parkinson continua sendo o envelhecimento, mas a doença já é vista em todas as idades, sendo cada vez mais comum o chamado Parkinson precoce. >
Um dos casos mais conhecidos é o do ator Michael J Fox, hoje com 63 anos e diagnosticado aos 29. No início de abril, a repórter da Globo Renata Capucci, que tem 51 anos, revelou que descobriu que tinha Parkinson há sete anos.>
Diagnóstico >
A administradora Carol Nogueira passou dois anos em consultas com diferentes neurologistas antes de receber o diagnóstico de Parkinson. Primeiro, ela foi informada de que tinha tremor essencial, outra doença neurológica, e até recebeu medicação. Já Bruno Leal, hoje com 47 anos, ignorou os sintomas por dois anos antes de procurar um médico. >
A neurologista Flávia Rolim explica que o diagnóstico é clínico e os exames são complementares. A doença se manifesta de formas diferentes em cada paciente. Justamente por isso, ela alerta que há o estabelecimento de uma janela de cerca de cinco anos após o diagnóstico até a obtenção da certeza de descarte de outras possibilidades de doenças similares ao Parkinson. >
“Só é possível identificar a doença quando o comprometimento motor começa a aparecer. Quando essa fase chega, a doença já está no corpo há cerca de cinco a dez anos. Por enquanto, só em caráter de pesquisa seria possível identificar antes dessa fase”, diz Flávia. >
Psicológico >
Depois do diagnóstico, todos os três entrevistados contaram ter passado por um momento de tristeza, desespero e isolamento. “O chão se abriu, meu mundo desmoronou. Eu não conhecia muito sobre a doença e, pelo que conhecia, as perspectivas não eram boas, então me assustei muito”, lembra Luiz Carlos. >
Carol passou pela fase da negação, sem acreditar no que estava acontecendo. “Fiquei pesquisando muito, tentando encontrar outras saídas. Geralmente, o Parkinson não tem só um sintoma e eu só tinha os tremores, então fiquei me apegando nisso para negar que era Parkinson”, descreve. >
Bruno diz que achava que iria morrer. “A cabeça dá uma pirada, eu fiquei pensando em aonde a doença ia me levar e até os medicamentos mexiam muito com o meu psicológico. Precisei de muita terapia para entender que era uma condição minha e para focar no presente”, relata. >
Além de lidarem com os próprios pensamentos, eles precisam lidar com os olhares e as falas de outras pessoas nas ruas. “Eu sou produtor, estava a semana inteira na rua, muito conhecido por todo mundo. De repente, tenho tremores visíveis. Tive muita vergonha de aparecer”, diz Bruno. Hoje, a estratégia que adota é revelar o Parkinson assim que os tremores aparecem. >
“Eu quebro o gelo e isso me acalma. Se não, a pessoa vai perguntar se eu estou nervoso, se eu estou com frio. Mesmo assim, depois de dizer, a gente ainda tem que lidar com o preconceito, com a ignorância sobre o assunto. Parkinson ainda é visto como uma coisa depreciativa e isso precisa mudar”, acrescenta. >
Luiz Carlos diz que não quer que Parkinson vire seu sobrenome, mas também não esconde mais a doença. “Eu me escondi por muito tempo, evitei encontrar pessoas. Até que virei uma chave depois que li que muitas pessoas com Parkinson possuem depressão. Eu já estava sendo obrigado a brigar com o Parkinson, não queria arranjar mais uma briga”, explica ele, que hoje lida com a doença com humor e leveza, sem romantizá-la. >
Projetos >
Luiz criou o perfil no Instagram @sigaprojeto15 para compartilhar sua rotina de tratamento, que inclui muita atividade física, como um projeto e uma forma de motivação. O perfil atraiu outras pessoas que foram diagnosticadas antes dos 50 e, hoje, tem 11 mil seguidores de diversos lugares do país. >
“Na dose de suor e dopamina, até a valsa” é a descrição que aparece no perfil. O grande objetivo de Luiz é dançar valsa nos 15 anos da filha Malu, que hoje tem 8. “Ela sabe que é uma doença que não tem cura. Eu explico tudo para ela. Talvez, Malu ainda associe muito à morte, mas eu faço de tudo para quebrar isso”, diz o pai. >
Bruno é pai de Ananda, de 11 anos. Ele usa a literatura para dialogar com ela. Depois de lançar seu primeiro livro infantil em agosto do ano passado sobre bullying, o segundo já está no forno e vai fala, justamente, sobre Parkinson. Seu outro projeto é ainda mais ambicioso: a criação de uma fundação. >
“Eu percebi o quão privilegiado eu sou. Eu tenho dinheiro para o tratamento, eu vou buscar meus remédios dentro de um carro, com ar-condicionado. Foi aí que surgiu o pensamento voltado para o coletivo. Eu estou tirando dinheiro do meu bolso para reunir médicos e portadores de Parkinson na Fundação Bem de Parkinson. É um trocadilho com a expressão ‘mal de Parkinson’, que usavam muito, mas não é correta”, compartilha. >
A Fundação vai atender pessoas com Parkinson que precisem de assistência, disseminar conhecimentos sobre a doença e lutar contra o preconceito. As iniciativas não param por aí. Na lista de tarefas, ainda está a corrida Corro Pelo Parkinson, prevista para acontecer em novembro.>