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Aves de canto por R$ 80 mil: por que bicudos, curiós e azulões estão no topo do tráfico no Brasil?

Espécies valorizadas pelo canto e raridade movimentam milhões no mercado ilegal, mas turismo de observação mostra que a beleza está na natureza

  • M
  • Moyses Suzart

Publicado em 27 de setembro de 2025 às 05:00

Curió, um dos pássaros mais traficados
Curió, um dos pássaros mais traficados Crédito: Sérgio Amelin / Divulgação Polícia Federal

Afinal, porque os passeriformes, aves que não passam de 15 centímetros, estão no topo do tráfico de animais silvestres? Eles são uma combinação de beleza, raridade e habilidades vocais únicas. Espécies como o bicudo, curió e o azulão são valorizadas não apenas pela plumagem, mas principalmente pelo canto, que é usado em competições e considerado um símbolo de status entre criadores e aficionados.

A habilidade de reproduzir melodias complexas e longas notas torna essas aves extremamente desejadas, elevando seu preço no mercado negro. Um papa-capim, comum até em zonas urbanas, pode chegar a R$ 1,5 mil, dependendo do seu canto e melodia. Um bicudo, ameaçado de extinção no seu habitat, pode chegar a R$ 15 mil. O cardeal é possível encontrar por R$ 2 mil. Contudo, outras aves também são mais acessíveis, o que aumenta o nicho de compradores. O canário, a ave mais popular e mais traficada segundo o Ibama, pode chegar a R$ 500.

A gestão da quantidade de criadores, seus plantéis e movimentações de aves estabelece limites para o número de aves que um criador amador pode manter, inicialmente entre 1 e 100 aves; limita a reprodução e transferência a um máximo de 35 filhotes por ano. Além disso, restringe o número de transferências de aves, inicialmente para até 35 por ano e depois reduzido para 15, o que dificulta a movimentação ilegal de aves. A parte mais importante é a rastreabilidade, que acompanha desde a origem legal e transferência dos pássaros, até a compra de anilhas para uso nos filhotes.

“Essa gestão inibe o tráfico pelo controle da criação, desestimulando a captura ilegal de passeriformes de vida livre reduzindo a pressão sobre as populações silvestres e protege a biodiversidade contribuindo para a conservação das espécies listadas na portaria supracitada e manutenção do equilíbrio ecológico”, disse Aline Oliveira Machado, especialista em Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Inema. Ela ainda aponta que as aves apreendidas, sem possibilidade de serem devolvidas para a natureza, serão objeto de destinação para cativeiro em empreendimentos de fauna regulares como zoológicos, criadouros científicos, conservacionistas, mantenedores ou guarda provisória.

Jean Santos é um criador credenciado ao Inema. Ele tem atualmente dois casais de trinca-ferro, que podem chegar a R$ 5 mil, cada. Todos possuem seus anéis de identificação e são registrados. Ele alega que gasta, todo mês, cerca de R$ 200 com seus passarinhos, com alimentos e suplementos, além de manter uma rotina diária.

“Minha rotina começa antes de dormir. Tiro as frutas da geladeira e cozinho ovos e batata para poder servir às aves pela manhã. Aí acordo às 4 horas todos os dias para limpá-los, trocar água e comida e poder oferecer as frutas e legumes”, disse Jean, que também tem autorização para vender filhotes que nascem dos seus passarinhos.

“Mas só posso vender para outros credenciados ou registrados, já com o anel de identificação. É muito mais vantagem andar dentro da lei do que alimentar o tráfico. Apesar da venda clandestina vender mais barato, né? Muita gente não tem R$ 5 mil para dar num pássaro e busca meios ilegais, infelizmente”, conta Jean, que já criou outras espécies, como papa-capim e coleiro.

Jean também conta que participa de competições de canto. Os pássaros são avaliados pelas penas e melodia. Os jurados avaliam durante um determinado tempo. Para o criador, as premiações que participa podem ter um bom dinheiro, mas são apenas detalhes. O mais importante são os holofotes nas aves. Um vencedor pode ser valorizado e chegar a R$ 100 mil.

Aves em observatório natual, soltos na natureza
Aves em observatório natual, soltos na natureza Crédito: Divulgação

Livres

Apesar da forma regular de criação, o turismo ecológico prova que é muito mais proveitoso ver um passarinho ao ar livre, em plena natureza, do que preso em uma gaiola. Não apenas pelo aspecto cruel da prisão, mas porque é possível ouvir o canto desses pássaros in loco, no seu habitat natural, sem ferir o ecossistema e outros papéis das aves que vão além do seu lado musical.

“As gaiolas são altamente prejudiciais. Tirar uma ave da natureza é um crime ambiental, porque as aves prestam serviços ecossistêmicos essenciais, como a dispersão de sementes. Quando se retira a ave da natureza, perde-se esse serviço, além da beleza cênica e da conexão que ela proporciona", revela o biólogo Rafael Felix. Seu pai, Edson Felix, juntamente com Carlos Ribeiro e Pedro Lima, fundaram o Clube de Observação de Aves, em 1985. Rafael segue os mesmos passos.

"Eu nasci nesse meio. Meus pais sempre tiveram muito contato com a natureza e me estimularam a ter essa relação. Sempre busquei trabalhar em algo que pudesse contribuir positivamente para o meio ambiente e, ao mesmo tempo, me trazer um retorno profissional”, diz Félix.

Em Salvador, o Parque Vale Encantado, em Patamares, é um exemplo de espaço que aproxima o público da fauna sem necessidade de confinamento. Com mais de 100 hectares de Mata Atlântica preservada e cerca de uma centena de espécies registradas, o local oferece trilhas e atividades de observação, permitindo que o canto e o colorido das aves sejam apreciados em liberdade. Essa experiência desperta encantamento e, ao mesmo tempo, consciência sobre a importância da preservação.

Rafael lembra que a observação de aves transforma até antigos hábitos nocivos: “Muitos que antes eram caçadores se tornam observadores. Tiram a espingarda da mão e pegam a câmera. Em vez de ter a ave na gaiola, têm a experiência de ouvir o canto e registrar em imagens.” Para ele, esse contato é fundamental: “A observação de aves é efetiva no combate ao tráfico porque promove conscientização e gera denúncias”.

Com quase 900 espécies já descritas, a Bahia reúne uma das maiores diversidades de aves do Brasil, resultado da variedade de biomas como cerrado, mata atlântica, caatinga e Chapada Diamantina. Essa riqueza transforma o estado em destino privilegiado para o turismo de observação, valorizando a vida em liberdade e reforçando que o canto das aves é muito mais belo na natureza do que atrás das grades de uma gaiola.

O canto de um pássaro preso nunca será igual ao da ave em liberdade. Como cantou Luiz Gonzaga em Assum Preto, tirar a liberdade ou arrancar os olhos de um pássaro não apaga sua voz, mas rouba sua alegria. O tráfico faz o mesmo: deixa o canto sem vida. Proteger essas aves é garantir que a natureza continue tendo sua trilha sonora própria.

Curió por Polícia Federal / Divulgação