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Thais Borges
Publicado em 4 de outubro de 2025 às 05:00
Aos 38 anos, o caminhoneiro autônomo Jalber Rodrigues tem duas décadas de experiência. Começou com a influência da família: na infância, andava sempre na cabine do pai, que conduziu caminhões por 52 anos, até se aposentar em 2023. Os pais, inclusive, não queriam que ele seguisse a carreira, mas Jalber acredita que estava "no sangue". >
Jalber mora em Feira com a esposa, a filha de 11 anos e um filho de três anos. "Não é o que eu quero para o meu filho hoje, porque a gente sofre muito na estrada", diz ele, que falava com a reportagem enquanto esperava para descarregar o caminhão em Porto Velho (RO).>
Só 4% dos caminhoneiros têm menos de 30 anos no Brasil hoje
Mesmo com agendamento para o dia anterior, não tinha conseguido fazer o processo. "Estou à mercê, numa cidade onde não conheço ninguém. Quem for para a profissão por falta de opção ou visando dinheiro não fica. Só fica quem tem no sangue mesmo".>
Sem novos profissionais, estudos feitos por especialistas no setor de transporte têm apontado para um cenário alarmante: a possível escassez de caminhoneiros. Esse eventual futuro apreende pesquisadores e técnicos porque o modal rodoviário é o responsável pelo transporte de mais de 60% das cargas no Brasil, segundo a Confederação Nacional dos Transportes. No ano passado, um levantamento da Confederação Nacional dos Transportes Autônomos (CNTA) mostrou que apenas 2% dos profissionais autônomos - ou seja, que têm seu próprio caminhão - têm menos de 25 anos. Entre 26 e 35 anos, são apenas 17%. A média de idade é de 46 anos. Leia a reportagem na íntegra aqui>
Jalber roda o Brasil com carga seca - ou seja, materiais que não precisam ser refrigerados. Ele acredita que o salário não é ruim, já que a média dos que conhecem é de R$ 5 mil a R$ 6 mil. O problema é um aspecto repetido por todas as fontes ouvidas pela reportagem: o frete é caro para quem paga, mas baixo para quem faz, devido aos altos custos de manutenção.>
Para ele, ainda há jovens que querem dirigir caminhão, mas é uma juventude ‘iludida’ pela internet. Assim como todas as profissões têm TikTokers, caminhoneiros não seriam diferentes. Não é difícil encontrar influencers que mostram sua rotina em caminhões nas plataformas digitais. "Mas não mostram contratempo, humilhação de guarda, empresa que não descarrega. Os jovens veem na internet e acham que é bom, por isso não vejo segurança nesses novos profissionais. Não vejo durarem na profissão".>
O percurso do caminhoneiro Márcio Teixeira, 47, também teve origens na família. "Acho que quase todo caminhoneiro é uma coisa que passou de pai para filho. É o meu caso também", afirma ele, lembrando de uma trajetória de profissionais na família que remonta a um tio de seu avô. A carreira foi seguindo pelas gerações. "Acho que de mim não passa mais. Só tenho uma filha de cinco anos e não pretendo que ela siga, porque é muito complicado". Dos primos de primeiro grau, nenhum acompanhou.>
Para Márcio, a escolha da profissão atualmente leva mais em conta aspectos como reconhecimento, estrutura e remuneração adequada. Passar parte da vida distante da família e as dificuldades da rotina, contudo, afastam os colegas. "Tem também aquilo de ser uma profissão que não é bem vista por alguns. Quando comecei a namorar minha esposa, fui conhecer as tias dela e até brincaram: ‘pensei que ia ser um homem barrigudo sem camisa’. Tem um estereótipo de como seria um caminhoneiro".>
Atualmente, as viagens de Márcio são para estados do Nordeste - na maior parte das vezes, a carga é de material de construção. Num mês, costuma passar 10 dias em casa e 20 dias na estrada. "Já fui para São Paulo e outros estados, mas agora é menos cansativo. Viajo mais perto e, em termos financeiros, é quase a mesma coisa", explica.>