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Carol Neves
Publicado em 30 de julho de 2025 às 11:23
Uma fundação esotérica brasileira que diz conversar com espíritos, manipular o clima e evitar desastres naturais está, em 2025, envolvida em uma controvérsia internacional. A Fundação Cacique Cobra Coral (FCCC), famosa por alegar atuar em intervenções climáticas espirituais, anunciou a suspensão de metade de sua “assistência climática” aos Estados Unidos, uma retaliação simbólica às tarifas de importação de 50% impostas por Donald Trump a produtos brasileiros.>
O gesto, mais simbólico do que meteorológico, reacendeu o interesse - e a desconfiança - em torno da entidade fundada em 1931, que já esteve nos bastidores de eventos como o Rock in Rio, a Rio+20 e até na cerimônia de casamento do príncipe William. De acordo com a FCCC, sua missão é clara: intervir nos desequilíbrios ambientais provocados pelo homem. O método? Comunicação com entidades espirituais, em especial o Cacique Cobra Coral, espírito que, segundo seus representantes, teria encarnado em figuras como Galileu Galilei e Abraham Lincoln.>
História que mistura espiritismo, clima e política>
A origem da FCCC remonta a Ângelo Scritori, médium e fundador da entidade, que afirmou ter recebido a missão de interagir com o Cacique Cobra Coral após o nascimento de sua filha Adelaide, durante uma geada no interior do Paraná. Hoje, Adelaide Scritori lidera a fundação, comunicando-se com o espírito do cacique e coordenando as chamadas "operações climáticas" a partir de pontos estratégicos, geralmente hotéis, enquanto seu marido e porta-voz, Osmar Santos, atua no campo logístico e midiático.>
A atuação da fundação se tornou conhecida a partir dos anos 2000, quando passou a oferecer seus serviços para eventos públicos e privados, especialmente grandes festivais. O Rock in Rio é um dos casos mais emblemáticos: após sofrer com chuvas nos anos iniciais, o festival contratou a FCCC em 2001. Deu certo: pelo menos para os organizadores. A ausência de chuvas levou o criador do festival, Roberto Medina, a dizer que o “cacique já fazia parte da empresa”. A parceria, porém, foi encerrada em 2015 após um imbróglio envolvendo um carro sem credencial, atraso da médium e um temporal inesperado.>
As pessoas por trás do Cacique Cobra Coral
Como funciona a Fundação?>
A FCCC afirma operar por meio da chamada **intervenção climática espiritual**. Médiuns como Adelaide entrariam em contato com espíritos ligados à natureza, capazes de intervir em frentes frias, tempestades e períodos de seca. A fundação não divulga dados técnicos, não realiza previsões meteorológicas públicas e prefere atuar em silêncio, embora seus resultados sejam frequentemente publicados em redes sociais e, em alguns casos, reivindicados após chuvas não acontecerem.>
Em festivais, como o The Town, Fórmula 1, Olimpíadas e até visitas papais, a FCCC afirma já ter sido contratada para impedir chuvas. Quando chove mesmo assim, a justificativa costuma ser técnica ou espiritual: desde problemas logísticos até o “mau comportamento astral” das autoridades locais.>
A ajuda é paga?>
Apesar de alegar não cobrar de órgãos públicos, a FCCC exige contrapartidas em forma de relatórios ambientais anuais. Já em eventos privados, os valores variam. Estima-se que o Rock in Rio tenha pago de R$ 10 mil a até US$ 10 mil por edição, segundo reportagem do Estadão deste ano. Em 2012, uma produtora que contratou os serviços para festas relatou à revista Trip valores entre R$ 20 mil e R$ 25 mil, dependendo do porte do evento e da antecedência - na cotação atual, de R$ 41 mil a R$ 52 mil.>
Na época, esses contratos era, formalizados por meio de uma estrutura empresarial paralela, chamada Corporação Tunikito, que reúne dezenas de CNPJs ligados à FCCC, incluindo nomes como “El Niño Administração” e “TWX Capas de Chuva”. Osmar explicou que os rendimentos dessas empresas subsidiam as atividades da fundação.>
Parceria com Thatcher?>
A FCCC já se envolveu em histórias quase mitológicas: o jornal The Guardian teria apelidado seus membros de “interceptadores de catástrofes”, e há quem diga que Margaret Thatcher teria pedido ajuda da fundação em um inverno rigoroso. No entanto, essa última não se confirma: o que realmente ocorreu foi uma oferta de serviços à então primeira-ministra britânica, mas não há registros que a Dama de Ferro aceitou. >
Entre os momentos mais icônicos está a atuação da fundação na Rio+20, em 2012. Acionada pela Prefeitura do Rio de Janeiro, a FCCC teria “isolado” as nuvens carregadas dos pontos principais da conferência, mantendo o céu aberto nas áreas estratégicas. Em outros episódios, como o casamento de William e Kate, membros da fundação dizem ter atuado de forma discreta, “a convite da produção”.>
'Ultimato' a Donald Trump>
A Fundação Cacique Cobra Coral anunciou a suspensão de 50% da sua assistência climática aos Estados Unidos, em resposta à tarifa de 50% aplicada pelo governo Donald Trump sobre produtos importados do Brasil. A medida foi comunicada pelas redes sociais da fundação, em princípio da reciprocidade e atinge várias regiões dos EUA, incluindo Califórnia, Chicago, Nova Iorque e Flórida. >
Horas antes de um alerta de tsunami ser emitido para o Havaí, Alasca e Costa do Pacífico dos Estados Unidos, nesta quarta (30), a fundação publicou um "ultimato" ao governo Trump, afirmando que está na "contagem regressiva para zerar a assistência climática" ao país. O texto criticava as tarifas impostas e mencionava que não renovariam vistos para os EUA nem dariam mais assistência climática, lembrando ainda a ajuda dada durante o furacão Milton que atingiu a Flórida.>
A postagem destacava que, com cortes recentes nas verbas para meteorologia e previsão do tempo nos EUA, o país estaria por sua conta e risco diante do maior desafio climático de sua história, especialmente próximo à temporada de furacões e tornados. O comunicado finalizou com a mensagem "Adeus, América".>