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Carolina Cerqueira
Publicado em 16 de junho de 2025 às 05:00
Mesmo 10 anos depois, as famílias de crianças afetadas pela síndrome congênita causada pelo zika vírus seguem sem indenização. Em 2015, os primeiros casos do país da doença que provocou o nascimento de crianças com microcefalia foram identificados em Camaçari, Região Metropolitana de Salvador. Na Justiça, ações de reparação ainda não têm martelo batido. >
Uma Medida Provisória (1287/25) estabelecida pelo presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, estabelecida no dia 8 de janeiro deste ano, finalmente autorizou uma indenização no valor de 60 mil reais. A portaria que dispõe sobre as condições para recebimento do valor foi publicada no Diário Oficial da União somente no dia 20 de maio. >
No entanto, uma MP, como o nome diz, tem prazo de vigência e precisa ser votada pelo Congresso Nacional para virar lei. Isso não aconteceu. O documento teve prazo de 60 dias. Houve prorrogação pelo mesmo período, mas, no dia 2 de junho, a medida perdeu a eficácia. No “toma lá, dá cá” da Justiça, uma iniciativa do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino oficializada na sexta (13) reacendeu as esperanças das famílias afetadas. >
Ele decidiu que o direito ao benefício criado em janeiro para vítimas do zika vírus será atendido mesmo no caso de perda de vigência da Medida Provisória que o criou. A decisão foi tomada no Mandado de Segurança (MS) 40297. Mais uma vez, no entanto, a decisão acontece em caráter provisório. >
Enquanto outra decisão não o derruba, o MS segue valendo e, portanto, também o que diz a MP. O benefício de 60 mil reais será pago em parcela única pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para crianças nascidas entre 1º de janeiro de 2015 e 31 de dezembro de 2024. Segundo o instituto, a quantidade de beneficiários prevista é de 1.828 pessoas. >
Na Bahia, a presidente da Associação de Microcefalia Acolhimento e Empatia (Amae), Eulina Farias, de 44 anos, estima que 700 famílias podem ser beneficiadas. Ela é mãe de Deividy, de 9 anos, que tem microcefalia causada pelo vírus zika durante a gravidez. Ao saber da MP, Eulina solicitou a indenização ao INSS e aguarda marcação da perícia no município de Coração de Maria por não ter encontrado o serviço em Salvador. >
“É uma reparação porque a gente foi acometido pela negligência do Governo”, opina. Com o valor a ser recebido, ela diz que pagará as dívidas que acumulou ao longo desses nove anos, principalmente, com compras de equipamentos e medicamentos para o filho. >
“Do que sobrar do pagamento das dívidas, a gente vai continuar comprando equipamentos e medicamentos porque é algo para a vida toda. As crianças crescem e precisam de novas camas, novas cadeiras de rodas. Isso tudo é caro, uma cama adaptada às necessidades de uma criança com microcefalia custa ao menos cinco mil reais”, relata. >
Segundo a MP, as famílias têm até 31 de outubro para pedir o benefício no aplicativo Meu INSS ou em outros canais de atendimento do órgão, que tem até dezembro de 2025 para analisar os pedidos. Não foi estabelecido prazo para o pagamento. >
Reparações >
Eulina reconhece que o valor não vai ser capaz de suprir todas as necessidades. É o que também acredita Joana Passos, mãe de Gabriela, que, assim como o filho de Eulina, é uma criança de 9 anos com microcefalia causa pelo zika vírus. Joana, de 44 anos, optou por não solicitar a indenização de 60 mil reais oferecida pelo Governo para poder continuar elegível para lutar por outras reparações que considera mais justas. >
“Luto pela derrubada do veto do PL 6064. O presidente vetou e apresentou essa indenização de 60 mil, mas isso não cobre os custos que as famílias têm, que são muitos, de uma vida inteira”, explica Joana. >
Ela se refere ao Projeto de Lei que foi proposto ainda em 2015 pela então Deputada Federal Mara Gabrilli (PSDB/SP). Ele foi aprovado pelo Congresso, mas vetado pelo presidente Lula no início deste ano. A ação foi seguida da proposição da Medida Provisória 1287, como uma substituição. >
O texto previa indenização única por danos morais de R$ 50 mil e uma pensão paga mensalmente até o fim da vida de R$ 7.786,02, o que equivale ao teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Os valores seriam corrigidos pela inflação (pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor) e livres de Imposto de Renda. >
As famílias em questão já têm uma pensão mensal assegurada, prevista na Lei 13.985/2020. No entanto, a pensão é de um salário mínimo (R$ 1.518,00) e só vale para crianças nascidas até 31 de dezembro de 2019. Joana diz que seguirá um movimento nacional que quer pressionar o Congresso a derrubar o veto do presidente ao PL 6064. >
Famílias x União >
Para que cada família possa saber ao que tem direito e qual caminho é mais justo para cada caso, o professor e advogado Eddie Parish, Secretário-Geral da Comissão Especial de Direito Previdenciário da OAB-Bahia e sócio do escritório Parish & Zenandro Advogados, recomenda que um advogado seja procurado para estabelecer orientações. >
Ele destaca que, de modo geral, famílias que recebem a pensão podem solicitar a indenização, mas famílias que já tenham sido indenizadas não poderão receber os 60 mil reais e as que estão com ações em curso precisarão optar por qual caminho seguir. O parágrafo dois do primeiro artigo da MP diz que “a pensão especial não poderá ser acumulada com indenizações pagas pela União em razão de decisão judicial sobre os mesmos fatos.” >
“Pode ser que a família tenha expectativa de receber mais, que ache pouco esse valor, então ela pode continuar com a ação judicial que já tinha ou iniciar uma”, diz o advogado. >
Esta não é a primeira indenização do tipo concedida pela União. A Lei 12.190, de 2010, concede indenização por dano moral a partir de 50 mil reais às pessoas com deficiência física decorrente do uso da talidomida. O medicamento, que foi usado comumente como sedativo, causou má-formação em fetos. >
Segundo Parish, a responsabilização da União existe, no caso do zika vírus, porque “houve uma crise sanitária em que ela, como responsável por essa proteção, falhou em relação ao controle”. Sobre a demora para a decisão sobre a indenização, ele explica que, em casos como esse, isso não é incomum. >
“Geralmente acontece após a crise. Durante a crise, é muito difícil estabelecer os limites dessa reparação e dimensionar os valores desse pagamento com base na quantidade de beneficiários elegíveis. Hoje, a crise sanitária da zika foi superada e já existem estatísticas que permitem que a União faça um planejamento de pagamento”, avalia o advogado. >
A solicitação deve ser feita ao INSS, através dos canais de atendimento do instituto, preferencialmente o aplicativo Meu INSS. Lá, o responsável legal da criança deverá anexar ao requerimento de apoio financeiro os seguintes comprovantes:>
Caso não haja possibilidade de o requerimento ser protocolado pelos pais da criança, deverá ser anexado ao pedido um documento que comprove a condição de responsável legal pelo menor. Após a solicitação, a relação entre a síndrome congênita, a contaminação da genitora pelo vírus Zika durante a gestação e a deficiência da criança será avaliada em exame a cargo da Previdência Social. >
Confira neste link a Portaria publicada no Diário Oficial da União no dia 20 de maio que estabelece definições sobre o requerimento da indenização, conforme a MP nº 1.287, de 8 de janeiro. >