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Carol Neves
Publicado em 18 de outubro de 2025 às 06:50
O assassinato brutal da estudante Liana Friedenbach, de 16 anos, e do namorado Felipe Caffé, de 19, em novembro de 2003, continua sendo um dos episódios mais marcantes da história criminal brasileira. A crueldade do crime, cometido por um grupo que incluía um adolescente, provocou comoção nacional e reacendeu o debate sobre a redução da maioridade penal. Vinte e dois anos depois, o caso ainda é lembrado como símbolo de impunidade e de impasse jurídico.>
Com cerca de dois meses de relacionamento, Liana e Felipe decidiram fazer uma viagem. Inicialmente, o plano era acampar na zona rural de São Paulo com amigos de Felipe, que tinham o hábito de acampar juntos. No entanto, os amigos foram desistindo do passeio, e o casal decidiu seguir sozinho. Felipe ocultou a viagem dos pais e Liana mentiu dizendo que viajaria à Ilhabela com um grupo de jovens da comunidade israelita. >
No dia 31 de outubro de 2003, o casal deixou o colégio à noite e pernoitou no vão do Museu de Arte de São Paulo (MASP), na Avenida Paulista. De madrugada, seguiram para a rodoviária com destino a Embu-Guaçu, comprando mantimentos e organizando a viagem. Caminharam pela estrada do Belvedere rumo ao sítio de um artista plástico português, que havia abandonado o local devido à criminalidade.>
Casal de namorados foi brutalmente morto em acampamento
Durante a caminhada, encontraram Paulo César da Silva Marques, o “Pernambuco”, de 32 anos, e Champinha, de 16 anos. Impressionados com a aparência do casal, decidiram abordá-los no fim da tarde de 1º de novembro, rendendo-os com faca e espingarda e levando-os a um barraco abandonado que funcionaria como cativeiro.>
Sequestro, tortura e morte>
Desde a primeira noite, Liana foi submetida a estupro contínuo pelos sequestradores. Primeiro Champinha e Pernambuco, depois outros comparsas: Agnaldo Pires, 40 anos, e Antônio Caetano da Silva, 50 anos, o caseiro que forneceu o local.>
No dia 3 de novembro, preocupados com o desaparecimento, os pais começaram a buscar pistas. O pai de Liana, Ari Friedenbach, tentou localizar a filha e descobriu que ela havia ido com Felipe para Embu-Guaçu. Famílias e polícia iniciaram buscas intensas, com participação do irmão de Felipe, soldado do COE, e de voluntários que ajudaram com um helicóptero para lançar panfletos.>
O bando manteve o casal refém, expondo Liana como sua “prima” ou “namorada” e oferecendo-a aos comparsas. No dia 6 de novembro, temendo a aproximação da polícia, Pernambuco matou Felipe com um tiro na nuca. Liana permaneceu com Champinha, caminhando por trilhas conhecidas apenas por ele, sofrendo ainda mais violência.>
Na manhã de 8 de novembro, Champinha atacou Liana com um facão próximo a um córrego, desferindo mais de 15 golpes em pescoço, peito, costas, braços e cabeça, causando traumatismo craniano e morte imediata. O corpo de Felipe já havia sido localizado por Champinha, que inicialmente mentiu sobre a situação de Liana. Os corpos foram encontrados em 10 de novembro de 2003.>
Condenações e a exceção de Champinha>
Em 2006, os adultos envolvidos foram julgados e condenados a penas que variaram de 6 a 124 anos de prisão pelos crimes de homicídio, sequestro e estupro.>
Antônio Caetano da Silva – 124 anos;>
Agnaldo Pires – 47 anos;>
Antônio Mathias de Barros – 6 anos;>
Paulo César da Silva Marques (“Pernambuco”) – 110 anos e 18 dias.>
Champinha, por ser menor de idade, não foi processado como adulto. Cumpriu três anos de medida socioeducativa na FEBEM (hoje Fundação CASA). Após avaliações psiquiátricas apontarem transtorno de personalidade e risco de reincidência, ele foi internado em regime de medida de segurança na Unidade Experimental de Saúde (UES), em São Paulo.>
Ao fim do período de internação, laudos psiquiátricos apontaram que ele apresentava transtorno de personalidade grave, incapacidade de conviver socialmente e alto risco de reincidência. A Justiça então determinou, em 2007, sua interdição civil e transferência para a Unidade Experimental de Saúde (UES), vinculada à Secretaria da Saúde de São Paulo.>
Desde então, Champinha permanece internado na unidade, sob medida de segurança, não como pena, mas como tratamento compulsório. O caso chegou ao STJ e ao STF, que mantiveram a decisão. Em sucessivas avaliações, peritos concluíram que ele ainda representa perigo para terceiros, o que impede a liberação. Assim, Champinha segue preso, sem previsão de soltura.>
Em 2023, o governo paulista criou um comitê interdisciplinar para acompanhar o tratamento de internos da UES, incluindo Champinha, em resposta a questionamentos da Defensoria Pública e de entidades de direitos humanos sobre o caráter da internação prolongada.>
Um debate que nunca terminou>
O assassinato de Liana e Felipe reacendeu com força o debate sobre a redução da maioridade penal no Brasil. O pai de Liana, Ari Friedenbach, tornou-se uma das principais vozes públicas em defesa da mudança constitucional que permitiria julgar adolescentes de 16 e 17 anos como adultos em casos de crimes hediondos. Ele chegou a se eleger vereador por São Paulo. >
O caso foi citado em audiências no Congresso Nacional, entrevistas e campanhas de mobilização. Desde então, diversos projetos de emenda constitucional foram apresentados com base no exemplo do crime de 2003, mas nenhum foi aprovado.>
O episódio também provocou reflexões sobre o sistema socioeducativo e o acompanhamento psicológico de jovens infratores. Juristas destacam que a legislação brasileira prioriza a recuperação e não a punição, enquanto parte da sociedade exige respostas mais duras diante de crimes de extrema violência.>