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Odiar mulheres é um 'esporte nacional'

Muito mais antigo que o apreço pelo futebol, o desprezo pela vida feminina é um dos 'esportes nacionais' mais consolidados na estrutura social do nosso país

  • Foto do(a) author(a) Monique Lobo
  • Monique Lobo

Publicado em 24 de abril de 2025 às 05:00

Os 24 casos de feminicídio em pouco mais de 100 dias, na Bahia, são um sintoma doloroso de que o ódio às mulheres ainda é uma das manifestações mais corriqueiras. Muito mais antigo que o apreço pelo futebol, o desprezo pela vida feminina é um dos ‘esportes nacionais’ mais consolidados na estrutura social do nosso país.

A misoginia veio nas caravelas portuguesas e se fortaleceu com o aprimoramento das mais diversas formas de violência ao longo dos séculos. Por isso, a pilha de assassinatos de mulheres não surpreende mais. Já foram tantas.

Chega de feminicídio
Chega de feminicídio Crédito: Shutterstock

Quando eu era estudante de jornalismo, nos primeiros semestres da faculdade, isso em 2009 ou 2010, visitei o acervo de jornais baianos do final do século XIX e comecinho do século XX da Biblioteca Central do Estado da Bahia, nos Barris. Não foi difícil encontrar, passando as folhas já deterioradas pelo tempo, imagens de corpos de mulheres mortas a facadas ou a tiros de espingarda, por exemplo. A cena era sempre acompanhada por matérias que falavam sobre traição, sobre tentativas de encerrar um relacionamento ou desentendimentos. Em comum, também, essas histórias tinham sempre um homem vingado, livre e com a “honra” lavada.

O que eu não sabia naquela época era que nem mesmo eu, quase um século distante daquelas mulheres, estava a salvo do mesmo destino. Afinal, a tese de “legítima defesa da honra” só deixou de ser passível de utilização em 2021. Até ali, a sina de todo esse ódio era justificável.

Até 2006, também, quando foi sancionada a Lei Maria da Penha, as sessões de violência física, psicológica e financeira, e até mesmo as tentativas de assassinato, não eram suficientes para mantê-los presos. E, até 2015, quando o Crime de Feminicídio foi incorporado ao Código Penal, esses mesmos homens, quando eram julgados, respondiam por um homicídio simples e pena menor.

No entanto, apesar de todo esse aparato jurídico criado na última década, de lá pra cá, pouca coisa mudou. Eu, já profissional do jornalismo, sigo noticiando as mesmas mortes e o mesmo descaso. A história de Catarina de Souza Cerqueira, de 27 anos, por exemplo, poderia facilmente estampar as páginas amareladas dos jornais do século passado, mas é fresquinha. Há dez dias, foi morta a facadas em sua casa, na frente dos filhos, no Subúrbio de Salvador, pelo feminicida Paulo Sérgio Santos Cerqueira, seu ex-companheiro. Ele não aceitava o fim da relação.

Ela já tinha uma medida protetiva contra Paulo Sérgio, graças à Lei Maria da Penha, e ele, que já tinha sido preso por descumprimento dessa mesma medida protetiva, foi solto com o uso de uma tornozeleira eletrônica, equipamento que o próprio rompeu antes do crime. Só que isso não foi o bastante para que uma viatura da polícia fosse checá-la.

Depois de três dias foragido, se entregou e foi preso novamente, graças à Lei do Feminicídio, por um crime autônomo e com pena de 20 a 40 anos, devido a atualização da legislação no ano passado. Também não vai poder alegar defesa da honra, graças à extinção daquela tese abominável. Mas, Catarina está morta.

Nenhum desses marcos legais a protegeu, pois o ódio está institucionalizado. Não basta criar leis e não aplicá-las plenamente. De que adianta existir legislação específica e as mulheres enfrentarem dificuldades para registrar um boletim de ocorrência ou encontrarem resistência para realizar exames que comprovem a violência? Para quê serve uma medida protetiva se o descumprimento dela não dá em nada? Para quê equipamentos de monitoramento se não garantem a proteção efetiva da vítima?

Esse menosprezo com as nossas vidas pelo simples fato de sermos mulheres é o que alimenta o crescimento do ódio na internet e a audácia dos complexados da pílula vermelha e do retiro religioso em busca de “heróis caçadores”. É o que minimiza comportamentos agressivos, nos vulnerabiliza, nos acua em espaços públicos e em nossas próprias casas e, por fim, nos mata.