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Bahia acumula mais de 800 mortes de mulheres nos dez anos da Lei de Feminícidio

Só neste ano, 24 mulheres foram vítimas de feminicídio no estado

  • Foto do(a) author(a) Larissa Almeida
  • Foto do(a) author(a) Gilberto Barbosa
  • Larissa Almeida

  • Gilberto Barbosa

Publicado em 24 de abril de 2025 às 05:00

Violência contra a mulher Crédito: Shutterstock

Desde a entrada em vigor da Lei do Feminicídio, há dez anos, a Bahia somou 810 assassinatos de mulheres motivados por ódio. A legislação, que passou a valer em março de 2015, estabeleceu esse tipo de crime como uma circunstância qualificadora do homicídio. Em 2023, a norma passou por uma mudança importante ao reconhecer o feminicídio como crime com pena própria. Ainda assim, a violência persiste: só neste ano, ao menos 24 mulheres já foram mortas por motivação de gênero, o que indica, mais uma vez, que a lei não é suficiente para resguardá-las.

Os números dos feminicídios - disponibilizados no Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp), pasta vinculada ao Ministério de Justiça e Segurança Pública - não representam a totalidade do problema. Isso porque durante dois anos houve subnotificações de casos, pois, os dados só começaram a ser computados a partir de 2017.

Para Irna Verena Silva Pereira, advogada especialista em Direito Civil, a subnotificação de casos reflete tanto a falta de preparo do Estado para aplicar corretamente a lei quanto a ausência de políticas de capacitação e de coleta de dados com recorte de gênero. “Além disso, muitas mulheres deixam de denunciar porque ainda têm receio de serem desacreditadas e revitimizadas dentro desses espaços em que deveriam se sentir acolhidas. Isso é reflexo direto do despreparo institucional, e a consequência imediata é a subnotificação”, pontua a advogada.

A criação da Lei do Feminicídio marcou um ponto de inflexão: quando entrou em vigor, o Brasil ocupava o 5º lugar mundial em assassinatos de mulheres, segundo o Mapa da Violência. A principal mudança se deu no endurecimento das penas. “Por muitos anos, matar uma mulher, especialmente no contexto doméstico, era tratado com brandura pelo sistema de justiça”, afirma Irna Verena.

“Antes do feminicídio ser tipificado, um homicídio podia ter penas entre seis e 20 anos. Já crimes contra o patrimônio, como roubo com morte (latrocínio), podiam ser punidos com até 30 anos. O recado era claro: a vida de uma mulher valia menos. Além disso, havia o uso recorrente da chamada ‘legítima defesa da honra’, uma tese ultrapassada, machista e inconstitucional, que buscava justificar o assassinato de mulheres sob o argumento de ciúme, traição ou ‘desonra’ masculina. A lei veio corrigir, pelo menos no papel, essa distorção histórica e jurídica”, ressalta a especialista.

Nos primeiros anos de vigência da Lei do Feminicídio, a Bahia registrava, em média, 70 casos anuais. Após 2019, porém, a violência contra a mulher escalou no estado, superando a marca de 100 ocorrências por ano e atingindo o pico de 115 em 2023. No ano passado, foram contabilizadas 107 mortes. Em 2025, até o fim de março, já se somam 24 vítimas - ritmo comparável com o observado nos últimos anos e que sinaliza a possibilidade de o total anual repetir a tendência recente. Fevereiro desponta, por enquanto, como o mês mais letal de 2025, com 11 assassinatos.

No recorte geográfico, Salvador concentra o maior número de feminicídios no decênio analisado, com 128 vítimas. Em seguida aparecem Feira de Santana (29), Juazeiro (21), Porto Seguro (20) e Teixeira de Freitas (15).

Vítimas de feminicídio por cidade
Salvador é a cidade com mais vítimas Crédito: Thainá Dayube/CORREIO

Perfil das vítimas

A desembargadora Nágila Brito, do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), diz que há um padrão nas vítimas de feminicídio no estado. “Fizemos um levantamento entre as comarcas o qual apontou que 86,26% das vítimas de violência doméstica são mulheres negras, com idade entre 20 e 39 anos. Os crimes são praticados por seus companheiros, geralmente pela noite. Isso gera uma preocupação, porque o lar deveria ser o lugar onde elas estariam mais seguras”, afirmou.

A Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) afirmou, em nota, que vem ampliando a rede de proteção: criou o Departamento de Proteção à Mulher, Cidadania e Pessoas Vulneráveis (DPMCV) na Polícia Civil e transformou a Operação Ronda Maria da Penha em Batalhão de Proteção à Mulher, para aumentar o alcance do atendimento.

Atualmente, segundo a SSP-BA, o estado dispõe de 15 Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) e 13 Núcleos Especiais de Atendimento à Mulher (NEAMs), voltados à prisão de agressores. A Polícia Militar também informou realizar visitas periódicas às mulheres que contam com medida protetiva. De acordo com a PM, elas têm contato direto com as patrulhas e, caso a ordem judicial seja descumprida, o agressor é preso imediatamente.

Persistência do risco à vida das mulheres

Apesar dos avanços, o problema persiste. Em apenas cinco dias, entre os dias 12 e 16 de abril deste ano, três mulheres foram vítimas de feminicídio no estado. No dia 12, Maura Santos de Jesus, 45 anos, foi morta a tiros em Conceição do Jacuípe, no centro norte da Bahia, na frente do filho de 11 anos. O suspeito de efetuar os disparos, identificado como Mário Pereira de Brito, tirou a própria vida após cometer o crime.

No dia 14 de abril, Catarine de Souza Cerqueira, 27, foi morta a facadas na Rua Barbacena, em São João do Cabrito, no Subúrbio de Salvador. A vítima foi assassinada na frente dos filhos de 3 e 7 anos. O suspeito do crime é ex-companheiro dela, identificado como Paulo Sérgio Santos Cerqueira, que foi preso dois dias depois.

No dia 16 de abril, a manicure Jaqueline Viana Moura, 43, foi encontrada morta com sinais de estrangulamento dentro da própria casa, no Bairro da Paz, em Salvador. O namorado de Jaqueline, que não teve a identidade revelada, era o principal suspeito. Ele foi espancado pela população, socorrido para uma unidade hospitalar, mas não resistiu e morreu.

Outros casos marcantes foram registrados desde o início do ano. Em janeiro, Lindiane Rufino Soares foi morta a facadas no bairro de São Marcos, em Salvador. O principal suspeito do crime é Gilmar Correia, com quem a vítima tinha um relacionamento de 19 anos. Em fevereiro, Terezinha Pires dos Santos, 43, foi morta com um tiro no pescoço em Santa Maria da Vitória, no Oeste da Bahia. A suspeita é que o crime tenha sido cometido pelo companheiro, que deixou uma carta que dizia "meu bem, vai trair o capeta, o satanás e o demônio, sua desgraçada. Nunca mais você me deixa no vácuo. Ingrata".

Vítimas de feminicídio por ano
2023 registrou recorde de casos Crédito: Thainá Dayube/CORREIO

Por que as leis não têm sido eficazes?

Crimes de ódio contra as mulheres, como os citados acima, demonstram que as iniciativas do estado e da Justiça para coibir violência de gênero ainda são insuficientes. Para Flávia Nogueira Gomes e Gabriela Lins Vergolino, pesquisadoras do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher da Universidade Federal da Bahia (PPGNEIM/Ufba), esse cenário se deve a estruturas que ainda prevalecem na sociedade.

“Entre as causas mais apontadas para a não efetividade legal plena, está a própria divisão organizacional das sociedades, que atribui privilégios para os homens e subordinação para as mulheres. A consolidação de instituições e processos sociais e educativos levam tempo e são observados ao longo das últimas décadas”, aponta a dupla, em texto enviado ao CORREIO.

Elas percebem ainda a limitação dos alcances das leis, que confrontam inúmeras fragilidades, como a ausência de uniformização de metodologia fiável para levantamento de dados sobre os casos de violências contra mulheres entre os estados brasileiros, especialmente sobre crimes praticados na esfera privada e familiar. “Isso dificulta a efetivação da criação e organização de redes e programas nacionais de apoio às vítimas, seja psicológico, jurídico ou de saúde, mesmo após a criação das leis”, alertam.

Diante da conjuntura, Flávia Nogueira e Gabriela Lins destacam a importância da educação, que tem papel fundamental na prevenção e combate à violência. “[Esse papel é exercido] ao promover a conscientização sobre o problema e desconstruindo estereótipos, [ao] promover relações saudáveis e igualitárias, ajudando a identificar os sinais da escalada de violência e a compreender as suas causas e consequências, através da informação e do diálogo, já que muitas dessas manifestações refletem uma sociedade cujas relações são pautadas pelo poder”, finalizam.

Na avaliação da desembargadora Nágila Brito, é preciso haver uma atuação integrada em três frentes para conter o avanço desses crimes. “Temos que imaginar a proteção da mulher em alguns eixos. O eixo do Judiciário, que precisa julgar com perspectiva de gênero, garantindo mais medidas protetivas e uma maior fiscalização do cumprimento delas. O eixo policial que precisa estar a posto para se deslocar rapidamente quando recebe um chamado", analisou.

"Os inquéritos precisam ser mais céleres para que não prescrevam. Além do eixo comunitário, que precisa denunciar os casos de violência. Quando um desses eixos falha, aumenta as chances que uma mulher possa vir a óbito”, completou a desembargadora.

Bahia é o quarto estado com mais vítimas
Bahia é o quarto estado com mais vítimas Crédito: Thainá Dayube/CORREIO