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Flavia Azevedo
Publicado em 12 de agosto de 2025 às 06:00
A exigência de frequência obrigatória às autoescolas para quem quer tirar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) é uma regra que vigora no Brasil desde 1998, quando o atual Código de Trânsito Brasileiro (CTB), instituído pela Lei nº 9.503, entrou em vigor. Antes disso, bastava passar por exame teórico e prático, no DETRAN, sem mediação de autoescola. A mudança, apresentada como avanço em segurança e modernização, transformou-se em um sistema caro, burocrático e ineficiente, que agora começa a ser questionado pelo próprio Ministério dos Transportes. A proposta de acabar com a obrigatoriedade está na Casa Civil e pode representar não apenas economia para indivíduos, mas também um ganho de liberdade e justiça no acesso à habilitação. >
O argumento mais urgente para rever essa exigência é o custo proibitivo para muitas pessoas. Hoje, dependendo do estado, o processo para tirar a CNH pode custar de R$ 3.000 a R$ 5.000. Em Salvador, por exemplo, as categorias A e B somadas ultrapassam R$ 4.500, sendo que apenas o pacote da autoescola gira em torno de R$ 4.000. Desse valor, cerca de R$ 2.500 vão para a própria autoescola e mais R$ 700 para taxas diversas. A proposta do governo prevê reduzir o custo total para algo entre R$ 750 e R$ 1.000, ou seja, uma economia de até 80%. De acordo com o Ministério dos Transportes, cerca de 20 milhões de brasileiros dirigem hoje sem carteira, e o preço é apontado como a principal barreira para que tenham habilitação. >
(Vamos lembrar que, para muitas vagas de emprego, ter CNH é fundamental.)>
Outro ponto e ser pensado é a eficácia - ou a falta dela – dos cursos. Na prática, todo mundo sabe que esse curso básico das autoescolas não ensina a dirigir, mas a passar na prova do Detran. E olhe lá. A formação é limitada a cumprir carga horária e decorar respostas para o teste teórico. No volante, o aluno aprende a se comportar no trajeto da prova e a fazer baliza nos carros “marcados”, mas não a lidar com situações reais de trânsito. Pesquisa realizada pelo Instituto de Segurança no Trânsito (IST) em 2022 revelou que 67% dos motoristas recém-habilitados não se sentem seguros para dirigir em condições adversas, como chuva ou tráfego intenso. Ou seja, paga-se caro por um serviço que não entrega o combinado.>
Além disso, há relatos recorrentes de irregularidades no processo. Um comentário que circula em fóruns de candidatos afirma que “se você tiver R$ 800 no dia do teste, você fará a prova com calma”, como referência a supostos pagamentos a examinadores, mediados pelas autoescolas. Embora não existam investigações oficiais que comprovem essas práticas, essa percepção alimenta a desconfiança em relação ao sistema. Segundo o Ministério Público de São Paulo, casos de corrupção envolvendo exames de direção são difíceis de comprovar, mas não são inéditos. Sim, a gente sabe.>
Defensores da obrigatoriedade citam países como Suécia, Japão e Alemanha, que têm formação rigorosa para motoristas iniciantes. Contudo, esquecem que em nações como Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Paraguai e Uruguai o modelo é muito mais flexível. Nesses países, não há carga horária mínima obrigatória, e o foco está na avaliação final. O candidato pode aprender com um instrutor particular, familiar ou até de forma autodidata, desde que prove competência na prova prática. Essa abordagem mais aberta era exatamente o sistema brasileiro até 1998.>
Importante destacar que a profissionalização das autoescolas, com veículos adaptados, salas de aula e áreas de treinamento, não precisa desaparecer. Elas poderiam continuar existindo como opção para quem deseja ou precisa de aulas formais, mas sem que todos sejam obrigados a pagar por elas. Isso abriria espaço para um mercado mais competitivo e diversificado, no qual o próprio candidato escolheria a melhor forma de se preparar.>
Defender o fim da obrigatoriedade não significa abrir mão da segurança, mas entender que o papel do Estado é avaliar competências, não ditar métodos. Significa reduzir custos, combater irregularidades e democratizar o acesso à habilitação. A proposta na Casa Civil é uma oportunidade de corrigir um modelo que, há décadas, pesa no bolso do brasileiro e pouco contribui para formar motoristas realmente preparados.>