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Mais um ano de repressão policial ao maior espetáculo do São João baiano

As "guerras de espadas" resistem, são manifestações culturais legítimas e, para saírem da clandestinidade, precisam apenas de olhares mais inteligentes, menos preconceituosos e assustadoramente superficiais

  • Foto do(a) author(a) Flavia Azevedo
  • Flavia Azevedo

Publicado em 13 de junho de 2025 às 12:44

Esta sou eu, há muitos anos, me preparando para a
Esta sou eu, há muitos anos, me preparando para uma "guerra de espadas" Crédito: Acervo pessoal

“Espadas” são fogos de artifício comuns em algumas cidades do interior da Bahia. Elas são belíssimas, mas oferecem riscos. Em algumas localidades, as “espadas”, há muitas gerações, representam o São João mais do que fogueira, licor e forró. Acontece que o judiciário proibiu a queima desses fogos e a polícia trata como bandidos aqueles que fabricam, comercializam ou realizam “guerras”, que são os eventos em que várias pessoas “tocam espadas” ao mesmo tempo. Não adianta nada. A tradição continua forte. Agora, clandestina, de forma desorganizada, sem qualquer regulamentação. É “burrice” o nome disso, porque há solução.

É óbvio que tradições podem ser quebradas, que comportamentos devem ser revistos e que acho maravilhoso o fato de, por exemplo, estar proibido dirigir depois de beber, coisa que era comum antigamente. Entre avanços e recuos, a ideia é um dia alcançar nível suficiente de civilidade. Nesse contexto, é claro que entendo a preocupação com fogos de artifícios que oferecem riscos a terceiros e impedem o exercício do direito de ir e vir das pessoas que não querem participar da brincadeira.

A tradição das espadas por Reprodução

Esse é exatamente o caso das “espadas de São João”. A queima nas ruas, em qualquer dia e horário, faz com que muita gente se tranque em casa, por medo. Aquilo que acho maravilhoso, é motivo de pânico para outras pessoas e eu concordo inteiramente que medidas precisavam ser tomadas. Ainda que eu mesma tenha crescido “tocando espadas” - e que, ainda goste muito dessa folia - não acho normal que cidades inteiras fiquem reféns da diversão de um grupo específico. Ninguém é obrigado.

Só que não precisa ser assim. Associações organizadíssimas de “espadeiros” tentam, há muitos anos, dialogar com o legislativo e o judiciário sobre a regulamentação da fabricação, comercialização e queima de “espadas”. Essa é toda uma cadeia produtiva com imenso potencial para gerar empregos, incrementar o comércio e transformar cidades em destinos turísticos disputados, justamente bela beleza e pelo inusitado, num momento em que as festas de São João são cada vez mais parecidas entre si.

Veja que tanto faz estar em Amargosa, Cruz das Almas ou Santo Antônio de Jesus, por exemplo. São os mesmos grandes palcos, as mesmas atrações e os camarotes de sempre. Tudo bem, tem muita gente que gosta de mais do mesmo e tá certo também. Essas cidades movimentam muito dinheiro nesses eventos e não há nada errado com isso. O erro é fazer de conta que essa é a única possibilidade, apagar outras manifestações e, com isso, impedir que muitas cidades se beneficiem do que têm de único e original. As "guerras de espadas" resistem, são manifestações culturais legítimas e, para saírem da clandestinidade, precisam apenas de olhares mais inteligentes, menos preconceituosos e assustadoramente superficiais.

Por exemplo, imagine o potencial turístico de um espetáculo de luz e som desconhecidos para a imensa maioria das pessoas, em área delimitada e cercada por telas, com a possibilidade da venda de ingressos para quem quer assistir? Imagine pequenas cidades vendendo algo exclusivamente nosso, que não existe em nenhum outro lugar do planeta? Imagine as cidades divulgando suas festas com datas e horários desses espetáculos? Imagine os patrocinadores se estapeando porque tudo seria transmitido ao vivo? Imagine as emissoras comprando exclusividade? Imagine influenciadores participando, instrutores dando cursos e pessoas com todos os equipamentos de segurança, fazendo um evento organizado e seguro, sem mortos nem feridos?

Imagine milhares de pessoas trabalhando para que isso aconteça, também em segurança, durante o ano inteirinho? Imagine abrir fábricas em cidades nas quais trabalhadores imploram por empregos, mendigam vagas em prefeituras e precisam emigrar para conseguir sobreviver? Imagine inaugurar espaços regulamentados para a comercialização desses fogos? Imagine a imprensa mundial interessada em mostrar algo inusitado? Tudo isso é possível e há dezenas de pessoas tentando negociar. Imaginou? Pois é, mas o poder público não consegue pensar fora da caixa da mediocridade. Esse é o fato. Então, este será mais um ano de repressão policial ao maior espetáculo do São João baiano. Lidemos, mas registro que isso é uma vergonha.

Siga no Instagram: @flaviaazevedodealmeida