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Flavia Azevedo
Publicado em 16 de junho de 2025 às 12:19
Na semana passada, o professor Gabriel Oláńrewájú Swahili, da Universidade Federal da Bahia, divulgou na imprensa o fato de que vive, com três esposas, um casamento "baseado em princípios ancestrais africanos". Perfeito, se não fosse por um detalhe que o acadêmico esqueceu, na exaltação do modelo escolhido por ele: essa mesma ancestralidade (e boa parte da história mundial) também está repleta de exemplos de... poliandria! Pois é, o leque das tradições amorosas é muito amplo e o protagonismo nem sempre é - ou foi - masculino. Então, que tal a gente conhecer um pouquinho das relações entre uma mulher e vários homens, que já foram comuns em países como Nigéria, Quênia e Tanzânia, além de muitos outros cantos do planeta? Afinal, pensar sobre isso - e, quem sabe, reproduzir essas relações - também é "desafiar o mito do amor ocidental", né não?>
Por exemplo, se a ideia é revolucionar a vida amorosa - com embasamento teórico, assim como o professor - e sua ancestralidade for Grega, há fontes para inspirar. Na Grécia antiga, a poliandria florescia em Esparta, onde um homem mais velho e bem-intencionado podia oferecer um jovem educado à sua esposa para garantir filhos saudáveis. Também era permitido que um homem respeitável dormisse com a esposa alheia com o objetivo de enobrecer a prole. Até Júlio César, o famoso conquistador, registrou a prática entre os antigos bretões, onde irmãos – e às vezes pais e filhos – compartilhavam esposas na maior naturalidade. >
Saltando para o outro lado do mundo, o Tibete e o Himalaia se destacam como os maiores (e mais prósperos, segundo as pesquisas) redutos poliândricos, incluindo povos de língua tibetana e minorias como os Naxi, Menba e Lhoba. Dados de 1959 e 1996 mostram que as famílias poliândricas representavam uma parcela significativa dos casamentos em várias áreas tibetanas, chegando a quase 50% em Nyinba. A prática era tão comum que até os Sakya - uma das quatro principais escolas do budismo tibetano - era poliândrica. Olha que interessante!>
Já na Índia, a poliandria tem uma longa história em regiões como Himachal Pradesh e Rajastão, e entre o povo Toda. O texto épico Mahabharata, faz referência à poliandria com Draupadi se casando com cinco irmãos Pandava. Ou seja, a gente nem sabia, mas a sociedade hindu antiga não era de fazer cara feia para mulheres que decidissem ter seus próprios haréns.>
E na Ásia, minha gente? Pois a poliandria era praticada na antiga Arábia do Sul antes do Islã, e entre os Hoa-tun (Heftalitas), onde as mulheres desfilavam com chapéus de chifres – um para cada marido! A prática é também difundida entre os sherpas, e no Butão era esse "o traje doméstico predominante" em 1914. No Sri Lanka, a poliandria era permitida por lei até que os britânicos decidissem acabar com a festa, em 1859.>
Atravessando o oceano, a América do Norte do século XIX viu os povos Aleútes e as comunidades Inuit praticando a poliandria. E na Oceania, entre os Kanak da Nova Caledônia, as mulheres tinham vários maridos e viviam todos felizes na mesma cabana. Os marquesanos também tinham suas famílias poliândricas, e nas Novas Hébridas, dois viúvos viviam com uma viúva só.>
Também aqui, na nossa querida América do Sul, os exemplos não faltam. As tribos Bororos, Tupi-Kawahib e Zo'e, no Brasil, são uma prova viva de que a pluralidade sempre esteve perto de nós. No passado, pasme, até 70% das culturas amazônicas podem ter acreditado na paternidade múltipla. Ou seja, comuníssimo.>
Voltando à África, onde o professor Gabriel foi buscar a própria ancestralidade, a poliandria foi encontrada na região dos lagos da África Central, entre os Irigwe do norte da Nigéria (onde as mulheres tradicionais adquiriram numerosos "co-maridos") e entre o povo Maasai no Quênia e no norte da Tanzânia. Em 2013, inclusive, dois homens quenianos fizeram um acordo para se casarem com uma única mulher. Quer dizer, não é só coisa de livro antigo, não. A poliandria está viva na África contemporânea.>
Mas não é apenas isso, amizade! De uma perspectiva puramente biológica, a poliandria em animais é cada vez mais reconhecida como uma estratégia de acasalamento que pode oferecer benefícios à fêmea, protegendo contra a incompatibilidade genética. Isso sugere que, embora a poliandria em humanos seja cultural, podem existir fundamentos evolutivos para que as mulheres tenham parceiros múltiplos. Sim, toda história tem, pelo menos, dois lados. Agora, é simples: você escolhe a sua versão e vai buscar a sua ancestralidade nela. No mundo existe argumento pra tudo. É só pesquisar com carinho que encontramos precedentes. Pegou a visão? Pois pegue e assuma seu protagonismo. É como dizia Bezerra da Silva: “malandro é malandro, mané é mané”. Pode crer que é. >
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