Piti Canella: ‘Não saí a pedido. O secretário me tirou’

Em entrevista ao CORREIO, ex-diretora da Funceb fala sobre sua exoneração do cargo e faz críticas ao secretário Bruno Monteiro

  • Foto do(a) author(a) Roberto Midlej
  • Roberto Midlej

Publicado em 19 de abril de 2024 às 06:00

Piti Canella
Piti Canella Crédito: Acervo pessoal

A exoneração de Piti Canella do cargo de diretora geral da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb), publicada nesta quinta-feira (18) no Diário Oficial, não foi exatamente uma surpresa. A saída já vinha sendo especulada e ela mesma já sentia que era uma questão de tempo. “Ele [Bruno Monteiro, secretário de cultura a quem era subordinada] nunca conversou comigo para me tirar da pasta, mas fez movimentos internos. Não sou burra e entendi!”, disse Piti ao CORREIO poucas horas após saber de sua exoneração.

No entanto, o que mais a incomodou foi que, de acordo com a publicação no D.O., a exoneração teria acontecido “a pedido”. Mas, ao contrário do que foi divulgado pela Secretaria de Cultura, o afastamento não ocorreu por iniciativa da própria Piti: “Não foi ‘a pedido’. O secretário me tirou. Ele é dono da pasta, faz a gestão, a escolha é dele e esse é o caminho. Mas reclamei com a governadoria pedindo uma retificação. Gostaria que saísse a verdade”.

A gestora, que estava no cargo desde janeiro de 2023, diz que lhe foram oferecidos outros cargos no Estado antes da exoneração, mas ela não aceitou, porque não se identificava com as funções. “Não caberia”, afirma. À Rádio Metrópole, ela disse que uma das opções seria ir para a gestão de algum museu. “Não sou pessoa de museu, mas de produção de exposições”, disse a ex-diretora, que afirma ter sido convidada para o lugar de Marília Gil no Museu de Arte Moderna (MAM).

Piti diz que, antes da exoneração, o secretário Bruno Monteiro já havia “pedido a cabeça” dela - a Diogo Medrado, diretor-superintendente da Superintendência de Fomento ao Turismo do Estado da Bahia ( Sufotur), que a havia indicado para o cargo: “Não sei se ele [Bruno Monteiro] achou que eu não compactuava com a forma dele de trabalhar. Ele tinha sinalizado a troca a Diogo”.

Apesar do baque da exoneração, Piti estava descontraída na conversa com o CORREIO. Parecia conformada: “Triste, mas faz parte do jogo”. Só lamentava mesmo perder a companhia de artistas que enfeitavam as paredes de seu gabinete, em belas fotos emolduradas: “Aqui, você tá vendo os Doces Bárbaros”, disse. “Aqui, Lazzo Matumbi novinho, gatinho... Vou sentir saudades de meus companheiros”.

A exoneração da senhora fui publicada ontem, no Diário Oficial. Você já esperava? E como era sua relação com o secretário Bruno Monteiro?

Eu não tinha sinalização [de minha saída].

"Tínhamos embates e diferentes opiniões sobre alguns assuntos. Eu recebia orientações do secretário e, mesmo não concordando, cumpria todas elas. "

Piti Canella
ex-diretora da Funceb

Ele me orientava e dizia: ‘politicamente, para mim, isso aqui é importante’ ou ‘as cidades que a gente vai atender são essas aqui’. Sou uma pessoa muito respeitosa e respeito muito a hierarquia e, mesmo às vezes não concordando, cumpri missões que não devia ou deixei de fazer planos nossos que deviam ser feitos porque o secretário não concordava. Mas ele é o chefe da pasta.

A gestão de Bruno Monteiro é muito centralizadora?

O que existia era um desejo de muito protagonismo da Secretaria de Cultura. Havia um desejo de centralização muito grande por parte da Secult e uma orientação nesse sentido.

Acha que faltou autonomia à sua gestão na Funceb?

[Faltou] Muito! Porque a Funceb é uma autarquia e eu, enquanto diretora do órgão, posso assinar um decreto, uma portaria. Nós abrimos processos administrativos e acompanhamos editais porque somos técnicos especialistas. Tenho uma equipe que acompanha os editais e cobra prestação de contas. E se não pagar, alguém vai dizer que ele não fez direito o projeto, que não usou o dinheiro direito e o responsável por dizer isso é a Funceb. Quando a pessoa não devolve o dinheiro, a gente tem que abrir processo administrativo.

A sua gestão foi interrompida bruscamente depois de um ano e quatro meses. Ontem, a senhora disse ao CORREIO que “sai triste” da Funceb. Ficou uma sensação de frustração?

Sou uma produtora executiva e trabalho com projetos que têm começo, meio e fim. Por isso, não gosto de sair no meio de projetos e isso me deixa muito frustrada. Eu tive um compromisso com a classe de ficar quatro anos na gestão e estávamos determinados a alcançar os 417 municípios da Bahia. Mas só alcançamos 108 municípios, que era o número de 2023. Ainda tínhamos mais 300 para alcançar. Seriam cento e poucos municípios por ano, para chegar a todos [após a gestão de quatro anos]. 

"Minha frustração e não ter chegado a todos os municípios, terminar a gestão no meio. E este ano conseguimos dobrar o orçamento, que chegou a R$ 2,5 milhões"

Piti Canella
ex-diretora da Funceb

Como avalia a gestão de Bruno Monteiro na Secretaria de Cultura nestes 16 meses?

Acho que ele podia ter confiado mais nas pessoas técnicas que entendem do negócio. Devia conciliar as vontades dele com os desejos da classe artística. Se conciliasse também com a inteligência do capital humano técnico que temos na Secretaria, talvez a Secretaria estivesse mais bem-sucedida. Ano passado, não houve editais setoriais das linguagens, que são quase obrigatórios. Eles que sustentam o artista. É onde o artista pode concorrer a um edital de R$ 200 mil ou R$ 300 mil para fazer uma ação de música ou teatro.

Qual a importância desses editais que não ocorreram?

Esses editais permitem que grandes projetos aconteçam, como o Festival da Sanfona de 2019, que ganhou um dos editais. Ele dura seis meses e sustenta o artista, o produtor... Até o festival acontecer, existe uma planilha para pagar os profissionais da cadeia produtiva, como assessores de imprensa, músicos, técnicos de som... e quando você consegue fazer editoriais, muita gente passa o ano vivendo daquilo e assim a vida segue para o artista. A política das artes é a comida na mesa do trabalhador da cultura, como disse no artigo que escrevi no CORREIO.

Faltou, então, ao secretário, um equilíbrio entre a gestão técnica e os interesses políticos inerentes ao cargo?

Eu acho que faltou. O secretário tinha comigo um discurso muito ‘da política política’ ou ‘não é essa a política que quero alcançar’, ou ‘não é essa a política que o governo quer’. Também dizia para mim que o povo fica reclamando [a ele]: ‘qual sua política para as artes?’ ou ‘qual sua política para literatura?’. E, do mesmo jeito que ele não entendia um pouco da ‘política das artes’, eu também não entendia da ‘política política’. Talvez tenha acontecido um pouco essa discordância entre nós. Acho que [buscar] o voto é importante. Mas acho que se a gente fizer a política para a literatura sem estar 100% conectada à política eleitoral, talvez a gente alcance [o voto] do mesmo jeito.

Você é produtora executiva na iniciativa privada e foi empresária de artistas. Chegou a ser assessora especial de Arany Santana, antecessora de Bruno Monteiro na Secult. Como você foi para a Funceb?

Fui indicada por Diogo Medrado [diretor-superintendente da Superintendência de Fomento ao Turismo do Estado da Bahia], que é uma pessoa do governo do PT há dez anos. O convite veio dele porque quando Jerônimo [Rodrigues] assumiu o governo, houve repercussão enorme sobre Diogo vir para a Funceb, porque a Bahiatursa [da qual ele era gestor] ia fechar. Mas Diogo achou que ele próprio não deveria vir para a Funceb. Ele então me convidou e conversou comigo. Fui reticente e disse ‘não’, que estava na gestão pública com Arany Santana desde 2019 porque tínhamos um projeto juntas. Quando Bruno Monteiro foi nomeado secretário, entreguei meu cargo de assessora. No mesmo período, Diogo Medrado me sinalizou e, depois dos acertos políticos, Bruno me convidou para ser diretora geral da Funceb. Aceitei, já tinha estudado a Funceb e conhecia o estatuto do órgão.

Há muitas queixas sobre baixo orçamento destinado à cultura. Como é o orçamento da Funceb?

O orçamento de finalística, que posso investir em projetos, é muito pequeno para atender os 417 municípios do Estado. O orçamento do ano passado foi de apenas R$ 1,3 milhão. Mas conseguimos suplementação no ano passado, por causa do Bicentenário da Independência. Então, construímos um edital de R$ 3,3 milhões que aumentou bastante o orçamento. Todo ano, temos algumas suplementações e o orçamento total [de 2023] foi de R$ 6 milhões. Conseguimos executar 98% do orçamento, que foi a melhor execução dentro da Secretaria de Cultura.

Quais são as atribuições da Fundação Cultural?

A Funceb é a ‘casa dos artistas’, nós cuidamos de todos os eixos da cadeia produtiva. Tem que fomentar produção, difusão, circulação... a missão é estar presente nos municípios fazendo isso. Não cuidamos, por exemplo, de cinema. No entanto, cuidamos dos artistas do audiovisual. A Funceb tem o complexo do TCA; um centro gratuito de formação em artes; diretoria do audiovisual; Cinemateca da Bahia... e tem a Sala Walter da Silveira.