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Maysa Polcri
Publicado em 11 de abril de 2025 às 10:22
A informação de que alunos e professores da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia (Ufba), na Federação, bebiam água contaminada com fezes era de conhecimento da direção há, pelo menos, dois meses. Tudo começou quando alunos de uma disciplina decidiram analisar a água consumida na unidade em uma atividade prática. Assim que soube da contaminação, a professora Gemima Santos Arcanjo solicitou a interdição dos bebedouros, o que só foi feito nesta semana. >
A descoberta foi feita durante a disciplina Qualidade da Água. No semestre passado, a água dos bebedouros da Politécnica foi testada no Laboratório de Físico-Químico (Análise de Água), o Labdea, por escolha dos estudantes. Os resultados de diferentes amostras indicaram contaminação por Coliformes totais e Escherichia coli no 4º e 7º andar da faculdade. >
Segundo a professora Gemima Arcanjo, vice-coordenadora do Labdea e professora da disciplina, isso significa que a água consumida por estudantes e servidores foi contaminada por fezes de humanos ou animais. A docente explica que duas hipóteses mais prováveis indicam a origem da contaminação: o fato dos bebedouros estarem localizados próximos ao banheiro ou o reservatório de água da Politécnica estar contaminado. >
O consumo de água com essas bactérias pode causar doenças gastrointestinais, com sintomas que incluem diarréia, vômitos e infecções mais graves. Por isso, Gemima solicitou à direção a imediata interdição dos bebedouros e kits para que o laboratório, que fica dentro da universidade, testasse novas amostras. Mas nada foi feito em dois meses, como percebeu a docente quando as aulas retornaram, após o Carnaval. >
"Eu informei que era uma medida urgente identificar a fonte de contaminação. Pedi apoio da universidade para a compra de reagentes para que realizássemos mais análises. Fiz o orçamento e recebi o retorno de que a direção iria arcar com os custos", explica Gemima Arcanjo. >
Um pacote que permite a testagem de 20 amostras custa, em média, R$ 250. Dias depois, a professora foi informada que a universidade contrataria outro laboratório para fazer a testagem. Ou seja, os testes não seriam realizados pelo laboratório que exite dentro da própria Ufba. >
"Eu entendo que existe uma burocracia para a compra desses materiais, e disse que poderia comprar, devido à urgência, e que depois eles poderiam reembolsar o laboratório. Quando entrei em contato novamente, soube que havia sido cortada, e que iriam buscar outro laboratório para a análise", completa a professora. >
Enquanto o novo laboratório não era contratado, os bebedouros da Politécnica continuavam a funcionar normalmente. A exceção era o bebedouro do departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental, que foi interditado pela professora após os resultados. Gemima Arcanjo avalia que a direção da faculdade não fez o que deveria ser feito e colocou a saúde dos alunos e servidores em risco. >
Gemima Arcanjo
Docente da UfbaOs bebedouros só foram interditados, por determinação da direção, na terça-feira (8), depois que a professora disparou um e-mail geral sobre a situação. "Quero deixar claro que o objetivo desta mensagem não é criar alarde, mas informar a todos sobre a situação, uma vez que não houve divulgação e isto é do interesse de todos até mesmo por se tratar de uma questão de saúde pública", escreveu. >
No final da manhã de terça-feira (8), veio a resposta. A assessoria da diretoria da Escola Politécnica comunicou a interdição dos bebedouros, via e-mail. "Orientamos que os usuários tragam sua própria água para consumo. Estamos trabalhando para resolver o problema com breviedade", afirma. A reportagem entrou em contato com a diretoria e solicitou porta-voz para comentar o assunto, mas não obteve retorno até esta publicação. O espaço segue aberto. >
Em nota conjunta, a reitoria da Ufba e a direção da Escola Politécnica, informaram que estão providenciando a lavagem dos reservatórios o mais breve possível. "Testes nos sistemas de abastecimento de água das suas instalações são uma rotina preventiva realizada periodicamente e que, uma vez constatada qualquer eventual irregularidade, são tomadas as medidas corretivas necessárias para a solução do problema", afirmam (veja a nota completa abaixo). >
Apesar dos riscos da contaminação, a água consumida pelos alunos e professores tinha aparência normal. É o que diz a estudante Amanda Bastos. "A água em si está com aparência normal atualmente, tanto que os alunos não estavam sabendo de nada dessa situação até que a professora responsável pela análise divulgou a informação", conta. >
Os alunos começaram a cobrar medidas para a resolução do problema. "A análise foi feita no semestre passado, e os alunos só ficaram sabendo porque a professora não viu outra alternativa e divulgou. Aí começaram os movimentos internos de cobrança a cada colegiado e departamento", explica Amanda Barros. >
Agora, as torneiras dos bebedouros da Politécnica estão interditadas com sacos plásticos, para que os alunos e servidores não consumam a água. Eles precisam levar garrafas de casa ou comprar. Nas redes sociais, vídeos publicados pelos estudantes, em tom de humor, alertam para o risco de consumir água imprópria. Não se sabe se outros pontos da universidade possuem água contaminada. >
O engenheiro e mestre em Saneamento Jonatas Sodré ressalta que a água própria para o consumo humano não deve conter nenhum índice de bactérias do tipo Escherichia coli, presente nas fezes. Caso contrário, há risco para a saúde. >
"Os riscos para a saúde são, principalmente, doenças diarreicas, porque o coliforme está vinculado à água contaminada com fezes de animais de sangue quente. A água potável tem que estar livre de coliforme porque ele provoca doenças, como diarréia e problemas intestinais mais graves", avalia. Jonatas Sodré explica que os reservatórios de água devem passar por limpeza a cada seis meses ou, no máximo, um ano. >
Após a divulgação, para todos os alunos e professores, da contaminação dos bebedouros, o embate entre a professora e a direção se tornou público. Em uma audiência aberta realizada na quinta-feira (10), Gemima Arcanjo abordou o tema e disse que teve o microfone silenciado por membros da diretoria da Escola Politécnica. Episódio que considerou "assédio moral". >
O Diretório Acadêmico de Engenharia Sanitária e Ambiental da Ufba publicou uma nota em que repudia o ocorrido. "Esse ato [silenciamento da professora] é um insulto à ciência, à democracia e ao compromisso que toda instituição deve ter com a saúde da sua comunidade", diz. A Ufba e a Escola Politécnica não se manifestaram sobre o episódio. >
"A Reitoria da Ufba e a Direção da sua Escola Politécnica informam que, em função da suspeita de contaminação da água de um ou mais bebedouros desta unidade, a direção adotou, imediatamente após a recomendação da SUMAI, a medida de descontinuar o consumo humano desta água, já tendo anteriormente encaminhado a realização de investigação com empresa credenciada para os testes necessários. Estamos também providenciando a lavagem dos reservatórios, o mais breve possível. >
A Ufba esclarece ainda que testes nos sistemas de abastecimento de água das suas instalações são uma rotina preventiva realizada periodicamente e que, uma vez constatada qualquer eventual irregularidade, são tomadas as medidas corretivas necessárias para a solução do problema.">