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Raquel Brito
Publicado em 25 de junho de 2024 às 06:45
Em 5 de maio deste ano, mais um fuzil foi apreendido por policiais militares na localidade conhecida como Vila Verde, no bairro de São Cristóvão, em Salvador. A região é palco de uma disputa entre facções rivais, e tiroteios constantes costumam interromper a circulação de ônibus e suspender as atividades escolares. No dia 14 de abril, também na capital, outro fuzil foi apreendido por PMs em Mirantes de Periperi, no Subúrbio Ferroviário.>
Não são casos isolados: nos cinco primeiros meses deste ano, 33 armas desse tipo foram localizadas na Bahia. Os dados são do Mapa da Segurança, levantamento do Ministério da Justiça e Segurança Pública. >
O número de fuzis apreendidos no estado vem apresentando aumentos exponenciais. De 2020 a 2024, considerando os meses de janeiro a maio, a quantidade confiscada desse tipo de armamento saltou 1000%: de três armas em 2020 para as 33 deste ano. >
O armamento de grosso calibre, de uso restrito das Forças Armadas, tem se tornado item comum nas ruas e vielas baianas, graças ao avanço do crime organizado no estado. Tanto que todo o número apreendido nos cinco primeiros meses de 2020 (três) foi ultrapassado ainda em janeiro deste ano, que terminou com 11 apreensões. >
Antônio Jorge Melo, especialista em segurança pública, coordenador do curso de Direito da Estácio e coronel reformado da Polícia Militar da Bahia, explica que esse aumento está relacionado ao redesenho organizacional e geopolítico das organizações criminosas ligadas ao narcotráfico no estado. >
“As organizações de cunho nacional, como o Comando Vermelho, o PCC [Primeiro Comando da Capital] e, agora, o Terceiro Comando Puro, que é rival do Comando Vermelho no Rio de Janeiro, estão fazendo alianças com as facções locais para ampliação do seu domínio territorial e do campo de negócios do narcotráfico. Nesse processo de expansão, está ocorrendo uma disputa territorial, em que essas organizações criminosas precisam conquistar novos territórios e manter os que já conquistaram. E eles fazem isso através do tráfico de armas. Fornecem um armamento para essas facções locais, para que elas possam conquistar e manter os territórios do tráfico de drogas ligados a cada organização”, explica ele.>
Segundo o especialista, a maior parte dessas armas vem de fora do país, importadas da Europa até o Paraguai, e entram no Brasil por via marítima ou terrestre. No caso específico da Bahia, ele cita a divisa com oito estados e a extensão do litoral como outros fatores favoráveis para o tráfico de armas. >
“Como o Brasil é um país com extensão de fronteira seca muito grande, ou seja, nós temos divisas com vários países aqui da América do Sul, é muito difícil manter o controle total dessas fronteiras. Isso, de certa forma, facilita o ingresso de drogas em geral e desse armamento, que não é fabricado aqui”, diz Melo.>
No fim de 2023, uma apuração do Grupo de Investigações Sensíveis da Polícia Federal na Bahia desvendou um esquema multimilionário do tráfico ilícito de armas de fogo da Europa para a América do Sul. Segundo a Polícia Federal, uma empresa sediada em Assunção, no Paraguai, foi responsável pela importação de milhares de pistolas, fuzis e munições de vários fabricantes europeus na Croácia, Turquia, República Tcheca e Eslovênia. >
As armas eram importadas da Europa para o país sul-americano, onde eram raspadas e vendidas ilegalmente a grupos de intermediários que atuavam na fronteira do Brasil com o Paraguai, para serem revendidas às principais facções criminosas no Brasil.>
Até dezembro, a empresa investigada importou cerca de 43 mil armas para o Paraguai, movimentando em três anos cerca de R$ 1,2 bilhão. Nesse período foram realizadas 67 apreensões que totalizam 659 armas apreendidas no território brasileiro, em dez estados da federação: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia e Ceará.>
Em fevereiro deste ano, três policiais militares e um penal, além de uma quinta pessoa que não é policial, foram presos sob investigação de tráfico de drogas em um grupo de WhatsApp formado por PMs. Os armamentos eram oferecidos pelo valor de R$ 70 mil cada.>
O caso levanta a discussão sobre a participação de policiais no aumento do poder bélico das organizações criminosas. Apesar de desconhecer a situação, Sandro Cabral, professor de Estratégia e Gestão Pública do Instituto de Ensino e Pesquisa Insper e professor licenciado da Escola de Administração da Ufba, afirma que não é surpreendente. >
“Tem diversos exemplos de maus policiais envolvidos com criminosos, tudo quanto é tipo de contravenção. O grande problema é ter muitas armas em circulação. Quanto mais armas em circulação, maior a chance desse tipo de malfeito acontecer”, avalia.>
*Com orientação da subeditora Monique Lôbo.>