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Esther Morais
Publicado em 12 de maio de 2025 às 05:30
Em milhares de lares baianos, a maternidade começa sozinha. A Bahia é o segundo estado brasileiro com o maior número de crianças sem o nome do pai na identidade. O estado teve, nos últimos cinco anos, 69.814 bebês registrados apenas com o nome da mãe. O número só é superado por São Paulo, que tem 146 mil casos. >
Para o presidente da Associação dos Notários e Registradores da Bahia (Anoreg/Ba), Daniel Sampaio, a liderança reflete as desigualdades enfrentadas no estado. >
“A Bahia tem uma população majoritariamente negra e também altos índices de pobreza. Então, o que a gente vê é que essa ausência do nome do pai atinge principalmente famílias chefiadas por mulheres negras e periféricas. É um reflexo da falta de políticas públicas, do racismo estrutural, da ausência do Estado em vários territórios. E isso não é só um nome que falta na certidão, é uma ausência que atravessa gerações e reforça o ciclo de exclusão”, afirma.>
Em um recorte menor, a capital baiana, por exemplo, sofreu um aumento no número de crianças sem pais. O município registrou 1.926 crianças sem o nome do pai em 2020, 1.917 em 2021, 2.073 em 2022, 2.579 em 2023 e 3.304 no ano passado. Até maio deste ano, já são mais de 700 recém-nascidos registrados apenas com o nome da mãe. Os dados são dos Cartórios de Registro Civil de Salvador evidenciam. >
Na soma, desde 2020, esse número chega a mais de 12 mil. Com um número expressivo de recém-nascidos sem a paternidade registrada em 2024, o município apresentou uma alta de aproximadamente 32% em relação a 2023, quando foram registrados 2.579 casos.>
Essa falta, além do impacto emocional na criança, pode também prejudicar sua vida civil. Sem o nome do pai, não dá para pedir pensão, herança ou benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), reforça Sampaio. >
É o caso de Maria* (nome fictício para preservação da imagem), que luta para que sua filha, de 2 anos, tenha o reconhecimento do pai na identidade. “É muito complicado, porque o genitor não quer assumir, mas ele é o pai e tem deveres a cumprir”, reclama. A jovem de 22 anos entrou na Justiça para reaver a questão. >
Os dados estão disponíveis na página "Pais Ausentes", no Portal da Transparência do Registro Civil, plataforma nacional administrada pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), que reúne informações sobre nascimentos, casamentos e óbitos registrados nos 7.654 Cartórios de Registro Civil em todo o país, presentes em todos os municípios e distritos brasileiros.>
O procedimento de reconhecimento de paternidade pode ser feito diretamente em qualquer Cartório de Registro Civil do país desde 2012, quando foi regulamentado pelo Provimento nº 16 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Assim, não é mais necessária decisão judicial nos casos em que todas as partes concordam com a resolução. >
Nos casos em que iniciativa seja do próprio pai, basta que ele compareça ao cartório com a cópia da certidão de nascimento do filho, sendo necessária a anuência da mãe ou do próprio filho, caso este seja maior de idade. Em caso de filho menor, é necessário a anuência da mãe. Caso o pai não queira reconhecer o filho, a mãe pode fazer a indicação do suposto pai no próprio Cartório, que comunicará aos órgãos competentes para que seja iniciado o processo de investigação de paternidade.>
Desde 2017 também é possível realizar em Cartório o reconhecimento de paternidade socioafetiva, aquele onde os pais criam uma criança mediante uma relação de afeto, sem nenhum vínculo biológico, desde que haja a concordância da mãe e do pai biológico e que a criança tenha 12 anos ou mais. >
Neste procedimento, caberá ao registrador civil atestar a existência do vínculo afetivo da paternidade ou maternidade mediante apuração objetiva por intermédio da verificação de elementos concretos: inscrição do pretenso filho em plano de saúde ou em órgão de previdência; registro oficial de que residem na mesma unidade domiciliar; vínculo de conjugalidade – casamento ou união estável – com o ascendente biológico; entre outros.>