PANDEMIA

Delação de empresária liga Rui Costa à fraude na compra de respiradores na Bahia

O governo baiano pagou R$ 48 milhões em um contrato para compra de 300 respiradores que nunca foram entregues

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Publicado em 3 de abril de 2024 às 09:56

Ministro chefe da Casa Civil, Rui Costa
Ministro chefe da Casa Civil, Rui Costa Crédito: Agência Brasil

O nome do ministro-chefe da Casa Civil e ex-governador da Bahia, Rui Costa (PT), foi citado na delação premiada da empresária responsável pela venda de 300 respiradores durante a pandemia, segundo reportagem do Uol publicada nesta quarta-feira (3). O governo baiano pagou R$ 48 milhões em um contrato, mas os respiradores nunca foram entregues.

A reportagem teve acesso ao acordo de delação premiada firmado pela empresária Cristiana Taddeo, da Hempcare, responsável pela venda dos respiradores, com a PGR (Procuradoria-Geral da República). Ela afirma que o negócio foi intermediado por um empresário que se apresentou como sendo amigo de Rui Costa e da então primeira-dama Aline Peixoto.

Aline era funcionária da secretaria estadual de Saúde, e, em 2023, foi nomeada para o cargo vitalício de conselheira do Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia.

Taddeo revela que pagou R$ 11 milhões em comissões aos intermediários, entre eles, o empresário Cleber Isaac, que teriam facilitado o contato entre a empresa Hempcare junto ao Consórcio Nordeste. Isaac seria amigo de Rui Costa e de Aline Peixoto.

Rui Costa negou envolvimento com irregularidades e disse nunca ter tratado "com nenhum preposto ou intermediário sobre a questão das compras deste e de qualquer outro equipamento de saúde", em nota enviada à publicação.

'Durante a pandemia, as compras realizadas por estados e municípios no Brasil e no mundo inteiro foram feitas com pagamento antecipado. Esta era a condição vigente naquele momento', afirmou em nota.

Em depoimento ainda em 2020, à Polícia Civil, a empresária dona da Hempcare disse que o ex-secretário da Casa Civil ddo governo da Bahia, Bruno Dauster, sugeriu um aditivo contratual para que fosse aumentado o valor dos equipamentos. O ex-chefe da pasta pediu demissão após o escândalo.

No depoimento ao qual o CORREIO teve acesso, Cristiana Taddeo contou que não conhecia Dauster pessoalmente e tratou a venda de R$ 48,7 milhões através de ligações e mensagens via WhatsApp. Após a assinatura do contrato, esse montante teria sido depositado integralmente apenas dois dias depois. Ela disse ainda que sua empresa, com sede em São Paulo, não é fabricante de respiradores e que agiu como importadora dos produtos, que viriam da cidade de Guangzhou, na China.

Presa junto com outras duas pessoas pela Operação Ragnarok, que investiga suposta fraude na compra das máquinas, Cristiana Taddeo descreveu a Hempcare como uma empresa de fabricação, distribuição e representação de medicamentos à base de canabidiol. A oportunidade de fazer a importação de respiradores teria surgido após um grupo de empresários se reunir pelo WhatsApp para entender como poderiam mediar essas compras.

A empresária disse que tratou das transações quase exclusivamente com Dauster e que o Consórcio Nordeste "teve pouca autonomia no processo de compra dos ventiladores pulmonares". O consórcio, presidido pelo governador Rui Costa, é uma articulação formada pelos nove estados nordestinos para projetos econômicos, políticos, infraestrutural e social.

À polícia, a empresária Cristiana Taddeo disse que não tinha ideia do porquê a sua empresa foi contratada, já que era pequena e dispensável no processo, uma vez que "Bruno Dauster possui muitos contatos e poderia contratar diretamente com o fabricante chinês".

Ainda no processo da compra frustrada com a China, a empresária relatou que chegou a transferir R$ 400 mil para um homem como uma espécie de comissão por ele ter ajudado a agenciar os contatos com a empresa chinesa, a MCC8. 

Plano B: compra de respirador brasileiro

Segundo Cristiana, o contrato feito com o Consórcio Nordeste não exigia nenhum tipo de garantia por parte de sua empresa, sendo estipulada apenas uma multa por atraso na entrega. A Hempcare ficaria responsável pela entrega de respiradores que teriam sido aprovados pela Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab). Como a compra com a empresa chinesa foi mal sucedida, Cristiana contou que pensou num “plano B”: a compra de equipamentos nacionais através de outra empresa, a Biogeoenergy, fabricadora do modelo BR2, que não tem aprovação da Anvisa.

No depoimento, ela disse que enviou as especificações do modelo brasileiro para Dauster e que este aparelho também teria sido aprovado pela Sesab. O valor de cada peça importada no contrato original era de US$ 28,9 mil dólares, o equivalente a cerca de R$ 155 mil reais à época, contra R$ 100 mil dos aparelhos nacionais.

Com o orçamento inicial, seria possível subir a compra de 300 para 480 aparelhos se comprados os respiradores brasileiros — proposta que teria sido aceita tanto por Dauster quanto por Carlos Garbas, secretário-executivo do Consórcio Nordeste. Depoimento de Cristiana, em que ela diz que Dauster sugeriu aditivo no contrato de respiradores. 

Segundo ela, na mesma noite do dia em que concordou com a aquisição dos produtos da brasileiros da Biogeoenergy, o ex-secretário teria enviado a mensagem: "Amiga, errei! O BR2 não foi aprovado!". No entanto, a empresária já tinha feito a transferência de uma parcela de R$ 19 milhões à fabricante nacional. Em comunicado público, a Biogeoenergy disse que desenvolveu um respirador de última geração, que atende às especificações da Anvisa. No entanto, até hoje o produto não foi aprovado pelo órgão e, portanto, nem mesmo começou a ser produzido em larga escala.

A empresa brasileira disse que a Hempcare é a única responsável pelo descumprimento do contrato com o Consórcio Nordeste e que não pretende devolver o valor recebido. “Nesse momento a Biogeoenergy se comprometeu a vender os respiradores para a Hempcare. O destino desses equipamentos é uma decisão da empresa e não nossa”, alega. Segundo a fabricante, a Hempcare sempre esteve ciente do tempo que seria necessário para vencer os trâmites burocráticos com a Anvisa para o início da produção dos aparelhos.