Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Larissa Almeida
Publicado em 28 de abril de 2025 às 05:00
A notícia de que a Universidade Federal da Bahia (Ufba) determinou uma série de medidas para contenção de despesas repercutiu negativamente entre alunos e professores. A instituição anunciou, por meio de portaria, medidas como economia de água, delimitação do uso de ar-condicionado e suspensão de ligações pelo celular. As medidas foram tomadas devido à crise financeira enfrentada pela instituição. >
Em documento divulgado no último dia 14 de abril, a Reitoria da Ufba disse que os valores repassados para a universidade – após a aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA) 2025 – não acompanharam o aumento dos gastos resultante do crescimento da instituição e dos custos da gestão dos contratos. Na semana passada, a universidade tinha detalhado a situação por meio de nota pública. >
“A UFBA tinha recebido 4/12 do orçamento de custeio, para pagamento de despesas inadiáveis referentes ao período de janeiro a abril. Com o novo decreto, o valor liberado foi de 5/18 do orçamento para o período de janeiro a maio, o que reduziu a disponibilidade. Isto é, tínhamos recebido 33,3% do orçamento que foi reduzido para 27,8%, e para um período maior, até o final de maio”, disse a instituição. >
Na portaria, a Ufba ressaltou que cortes, contingenciamentos e imposição de limites orçamentários “dificultam o planejamento de ações, impedem pagamentos em dia, podendo resultar em descontinuidade de serviços, supressão de postos de trabalho e balanço de contas deficitário”, escreveu. >
Reconhecendo que as ações descritas poderiam sacrificar as condições de trabalho e estudo para a comunidade de 61 mil pessoas – considerando alunado, servidores e terceirizados –, a Ufba estabeleceu as medidas de monitoramento e contenção de despesas. Ao total, são 15 pontos que devem ser cumpridos pelas pró-reitorias, superintendências, diretorias, coordenações, membros, servidores e colaboradores terceirizados da instituição. >
Os pontos principais são os seguintes: economia de água; suspensão de ligações de telefone fixo para telefone móvel, e restrição de ligações interurbanas e internacionais; restrição de ligação via celular, exceto para os casos estritamente necessários e devidamente justificados; suspensão de eventos na Ufba a partir das 17h ou nos finais de semana e feriados; redução do uso de aparelhos de ar-condicionado, ficando seu funcionamento restrito aos espaços que não possuam ventilação natural (janelas). >
Com as restrições ao uso do ar-condicionado, as unidades administrativas da Ufba só poderão utilizar o equipamento das 8h às 16h. Isso impacta diretamente os trabalhadores e alunos dos campi que têm funcionamento de aulas a partir das 7h – caso do campus São Lázaro – até as 22h – como ocorre no campus Ondina. Afeta ainda os servidores que trabalham em sistema de plantão, como é o caso dos seguranças. >
Pelo período que valer a portaria, a Ufba também prevê a suspensão de acréscimos contratuais e aditivos que impliquem em aumento de valor no contrato de obras e serviços de engenharia. Com isso, a reforma da Faculdade de Odontologia para instalação do Laboratório de Prótese, que tinha licitação prevista ainda para este ano, não deve apresentar avanço enquanto não houver revogação das medidas. A obra foi licitada, inicialmente, em 2017, no valor de R$ 174.229,47, mas não foi concluída no prazo por solicitação da empresa de suspensão do contrato por incompatibilidade nos projetos. >
Em nota, o Ministério da Educação (MEC) disse que está em diálogo constante com a Reitoria da Ufba sobre as demandas da comunidade acadêmica e que vem fazendo, desde 2023, um esforço consistente para recuperar o orçamento das universidades federais. “Esse esforço foi materializado nas suplementações ocorridas nos anos de 2023 e 2024. A recuperação é necessária em função das grandes perdas que as universidades federais sofreram, principalmente nos anos de 2020, 2021 e 2022”, escreveu. >
“Conforme informado na quinta-feira (24) na 179ª Reunião Extraordinária da Andifes, pelo secretário de Educação Superior do MEC, a pasta está trabalhando para garantir a recomposição do orçamento das instituições federais de ensino superior de 2025 reduzido quando da aprovação pelo Congresso Nacional”, completou o MEC em resposta ao CORREIO.>
Preocupação>
Raquel Nery, presidente da Associação dos Professores Universitários da Bahia (Apub Sindicato) afirmou que acompanha com atenção e muita preocupação a situação orçamentária da Ufba e dos demais institutos de ensino superior na Bahia. Ela apontou a existência de uma crise institucional, na qual os recursos que deveriam ser repassados para as universidades foram 'sequestrados’ pelo legislativo, e mostrou compreensão às atitudes tomadas pela universidade. >
“A Apub reconhece a necessidade de que a Administração Central notifique a comunidade de que há essa dificuldade, de que há uma limitação orçamentária e que ela é ainda pior do que já se anunciava. Vamos continuar acompanhando e continuar na luta para discutir com a sociedade, dialogar com o parlamento e com o governo para a necessidade de recomposição dos nossos orçamentos de custeio, investimentos e das obras”, destacou. >
A reportagem entrou em contato com a Ufba para se posicionar sobre as medidas de contenção adotadas e o prazo que elas se manterão em vigor. Além disso, foi perguntado se a universidade outras maneiras de sustento que não impacte negativamente a comunidade acadêmica. A universidade não respondeu. >
Também foi tentado contato com o Sindicato dos Trabalhadores Técnico-Administrativos da Universidade Federal da Bahia (Assufba) para se posicionar sobre a portaria, mas não houve retorno. >
Os alunos que integram o Diretório Central de Estudantes (DCE/Ufba) se manifestaram, por meio de nota, repudiando a portaria na manhã da última sexta-feira (25). Segundo eles, a portaria não resolve a crise e “ataca diretamente as condições de trabalho, estudo e permanência na universidade, penalizando comunidade acadêmica e fragilizando o ensino público”. >
Eles defendem que a crise orçamentária é, na verdade, uma crise política. “A escassez de recursos é resultado de anos de subfinanciamento das universidades federais, somado a cortes sistemáticos e à falta de priorização da educação pública. [...] Enquanto o congresso sucateia a educação, privilegia o pagamento de dívidas financeiras e benefícios a grandes corporações, deixando as universidades à míngua”, afirmam. >
Para o DCE, em vez de enfrentar a crise política, a Ufba estaria naturalizando o que chamam de ‘austericídio’, ao transferir para a comunidade acadêmica o ônus de um problema que, na perspectiva dos estudantes, exige mobilização e luta por mais verbas. Eles apontam que as contenções precarizam a infraestrutura, afetando especialmente pessoas com deficiência e quem depende de condições mínimas para estudar e trabalhar, limita o acesso à cultura e ao conhecimento, e fere a autonomia universitária ao centralizar decisões sem diálogo com a comunidade. >
“Cortar gastos com ar-condicionado, eventos, viagens e manutenção predial não é ‘racionalização’, é um ataque à dignidade do ensino público. As medidas são um retrocesso, [...] não economizam recursos significativos, mas aprofundam a degradação da universidade. Para nós, a solução não está no ajuste fiscal, mas na reforma universitária democrática e no aumento do orçamento público para educação”, completa o DCE. >
A publicação da portaria acontece em meio a um período turbulento enfrentado pela Ufba. No mesmo dia em que a Lei do Orçamento Anual foi sancionada, o Restaurante Universitário (RU) de Ondina suspendeu as atividades de forma temporária pela falta de pagamentos. O local voltou a funcionar no dia 14 de abril, após o valor ser pago. Nesse dia, a Reitoria divulgou as contenções. >
Na última semana, o CORREIO trouxe à tona que nove obras na Ufba estão paralisadas – algumas delas, em estado de abandono – após vencimento de prazos, suspensão de contratos e problemas com empresas contratadas. Somadas, as construções são da ordem de R$ 54,6 milhões. >
Há duas semana, outra polêmica sobre a Ufba veio a público. Os bebedouros da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia (Ufba), na Federação, foram interditados depois que análises da água contaminadas com fezes foram identificadas. >