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Maysa Polcri
Publicado em 21 de outubro de 2024 às 13:11
Valdirene dos Santos estava trabalhando na mercearia na frente de casa quando ouviu os primeiros disparos. Poucos segundos depois, viu que crianças e adolescentes fardados fugiam da única escola municipal do povoado de Serra dos Correias, na zona rural de Heliópolis. Uma das alunas é sua sobrinha, de 12 anos, que sobreviveu ao massacre de sexta-feira (18). No primeiro dia útil após a tragédia com quatro mortes, a comunidade parece respirar um ar carregado, que absorve o peso de um episódio jamais imaginado na localidade.
A Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental Dom Pedro I funciona como centro econômico e social do povoado de cerca de 1 mil habitantes. É a unidade de ensino que acolhe os alunos não só de Serra dos Correias, mas de outras comunidades rurais, como Farmácia e Viuveira. Muitos dos adultos trabalham na escola ou com atividades relacionadas a ela. O pai de uma das vítimas do atentado, por exemplo, faz transporte escolar.
Não é exagero dizer que quando um estudante de 14 anos abriu fogo em uma das salas de aula e matou três colegas, toda comunidade foi ferida. O luto é compartilhado por famílias de sobreviventes e conhecidos, que se sensibilizam com a dor de outros moradores. Na tarde de sábado (19), foi como se o sofrimento atingisse seu ápice. Os corpos de Jonathan Gama dos Santos, Fernanda Sousa Gama e Adriele Vitória Silva foram velados nas casas de familiares. O enterro do adolescente de 14 anos que atirou nos colegas também foi no sábado (19), em Heliópolis.
No cortejo até o velório, os caixões que guardavam os corpos das meninas, ambas de 15 anos, se encontraram. Uma comunidade entristecida e cheia de incógnitas sobre o atentado acompanhou o percurso. “Elas eram tão amigas que combinaram o enterro no mesmo horário para se encontrarem no meio do povoado. Foi uma cerimônia bonita, com muita gente e solidariedade”, diz uma moradora.
Ainda não há prazo para o retorno das atividades na Escola Municipal Dom Pedro I. Os cinco sobreviventes do massacre, que estavam na sala de aula durante os disparos, começaram a ser atendidos nesta segunda-feira (21). Uma equipe formada por psicólogos, psicopedagogos e assistentes sociais chegou na cidade para acolher os alunos. Enquanto isso, o silêncio impera nos horários em que os estudantes deveriam estar entrando e saindo do colégio.
Para a socióloga Miriam Abramovay, doutora em Ciências da Educação que pesquisa crimes escolares, chama atenção que o episódio tenha acontecido em uma comunidade do tamanho de Serra dos Correias. “Em geral, os atentados acontecem em locais com populações maiores. Mas não podemos esquecer que esse tipo de crime acontece por repetição e desejo de querer ser igual a outros casos”, analisa.
Em setembro de 2022, um caso similar foi registrado em Barreiras, no oeste da Bahia. Um aluno de 14 anos invadiu uma escola e atirou contra os colegas. A aluna Geane da Silva Brito, que tinha 14 anos e utilizava cadeira de rodas, morreu na ação.
A cidade de Heliópolis, de 12 mil habitantes, tem taxa de escolarização de 98,4% para a faixa etária de 6 a 14 anos. São 1.140 alunos matriculados no Ensino Fundamental da cidade e 126 docentes. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e se referem ao ano passado.
Acessar os moradores que compartilham o luto não é tarefa fácil. São muitos os que ainda estão abalados para contar o que viveram na última sexta-feira (18). Caso de uma mulher que trabalha na escola municipal há 27 anos e a mãe de um aluno que sobreviveu ao atentado. Contatadas pela reportagem, preferiram não conceder entrevistas. Para Valdirene dos Santos, que tem uma sobrinha que estuda no colégio, a comunidade está em choque.
“Eu vi todos esses meninos nascerem e crescerem. É um choque muito grande porque a gente pensa que essas coisas só acontecem em cidades grandes”, conta. Ela foi uma das pessoas que acionaram a polícia após os disparos. Além da comoção, os moradores ainda dividem a sensação de culpa, como revela Valdirene.
“A polícia demorou uns 40 minutos para chegar. Tem muita gente se culpando por não ter entrado na escola e parado ele [o atirador]. Talvez, se a gente tivesse juntado uma turma para entrar, a gente pudesse parar ele e salvar os meninos”, lamenta. O clima de pesar contrasta com a comunidade, conhecida por ser acolhedora.
Ainda existem aqueles que estão com medo de que o episódio se repita. “A gente se sente vulnerável. Não sabemos o que pode acontecer”, diz um morador. As motivações estão sendo investigadas pela polícia.
Em nota, a Secretaria da Educação do Estado (SEC) afirmou que está em articulação com o Ministério da Educação (MEC) e a prefeitura de Heliópolis para atender a comunidade escolar e famílias atingidas pela tragédia. O MEC, inclusive, disponibilizou uma equipe especializada em desastres, para lidar com situações traumáticas e violentas em espaços escolares.
Na tarde de sexta-feira (18), um aluno de 14 anos entrou na escola municipal e atirou contra três colegas, que morreram. As vítimas foram Jonathan Gama dos Santos, Adriele Vitória Silva Ferreira e Fernanda Sousa Gama - todos de 14 anos. Os corpos dos jovens foram velados nas casas de familiares. O atirador tirou a própria vida logo em seguida. As motivações do crime estão sendo investigadas pela polícia.
O promotor de Justiça Alison Andrade afirma que ainda não há prazo para retorno das aulas. No dia do ocorrido, o governador Jerônimo Rodrigues (PT) decretou três dias de luto no estado. Em situações desse tipo, é comum que a instituição de ensino seja reaberta para acolhimento de funcionários, inicialmente, e só depois para a volta dos estudantes.
“Não há como determinar quando as aulas vão retornar e como isso vai acontecer. O que podemos garantir é que, a partir de amanhã (21), vamos nos reunir para decidir, de forma conjunta, as soluções. Os alunos não podem ficar sem aula, afinal, estamos no final do ano”, explicou o promotor de Justiça.