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Fim do Centro de Parto Mansão do Caminho, legado de Divaldo Franco, deixa lacuna aberta até hoje

Líder espírita faleceu, aos 89 anos, na noite desta terça-feira (13), em Salvador

  • Foto do(a) author(a) Maysa Polcri
  • Maysa Polcri

Publicado em 14 de maio de 2025 às 05:30

Centro de Parto Normal da Mansão do Caminho
Centro de Parto Normal da Mansão do Caminho Crédito: Divulgação

Com o bebê recém-nascido no colo, Débora Albuquerque sentia-se em casa, mesmo a quilômetros de distância de onde vive. A vista para o jardim e as árvores da Mansão do Caminho eram acalanto para a mãe de primeira viagem após o parto. Ao longo de 12 anos, o principal legado material do médium Divaldo Franco, que faleceu, aos 89 anos, na noite desta terça-feira (13), em Salvador, acolheu milhares de grávidas, com média de 48 partos mensais. O fechamento da unidade, em 2023, abriu uma lacuna que nunca foi totalmente preenchida.

A gravidez sempre vem acompanhada de dúvidas. Enquanto o bebê se desenvolve, as preocupações rondam as cabeças das mães. Onde e como será o parto talvez seja a mais dura delas. Quem buscava dar à luz de maneira humanizada, longe dos corredores frios dos hospitais, encontrava refúgio no Centro de Parto Normal (CPN) Marieta de Souza Pereira, uma das mais de 40 edificações da Mansão do Caminho, no bairro Pau da Lima.

O centro de parto nasceu de uma visão espírita de Divaldo Franco e da necessidade da própria população, que buscava a Mansão do Caminho mesmo antes da especialidade, como conta Mário Sérgio, atual presidente do Centro Espírita Caminho da Redenção.  Nilson de Souza Pereira, que fundou a Mansão junto com Divaldo, realizou partos de emergência no local. 

"Quem pediu para fazer o centro de parto foi Joanna de Ângelis [mentora espiritual de Divaldo] porque o tio Nilson, há 15 anos, chegou a fazer dois partos na porta da Mansão. As mulheres não tinham para onde ir, buscavam ajuda aqui, e ele fez os dois partos dentro de uma kombi", conta o presidente. Nilson Pereira faleceu em 2013, aos 89 anos. 

Débora Albuquerque, 30, soube que o centro socioassistencial realizava partos normais quando estava grávida do primeiro filho, em 2018. O tratamento humanizado, através do Sistema Único de Saúde (SUS), chamou atenção da professora de artes, que enfrentava o período de carência do plano de saúde.

“Tive receio de sofrer violência durante o parto e, de forma alguma, isso aconteceu comigo na Mansão do Caminho. Ouço mães que foram obrigadas a ficar deitadas nos hospitais, e comigo foi ao contrário. Me ofereceram várias opções de posições e fui muito respeitada”, conta Débora. Apesar de ser um direito de toda gestante, não são todas que têm acesso aos partos humanizados.

Débora Albuquerque deu à luz ao primeiro filho em 2019
Débora Albuquerque deu à luz ao primeiro filho em 2019 Crédito: Ana Lúcia Albuquerque/Divulgação

Os anos de funcionamento do CPN tornaram a Mansão do Caminho referência na área e mais de 11 mil partos foram realizados ao longo dos anos. Diferente dos procedimentos em hospitais tradicionais, o parto humanizado coloca a mulher e suas escolhas como protagonistas. A cartilha prevê, por exemplo, que a equipe médica só interfira em caso de intercorrências.

No Brasil, esses estabelecimentos são regulados pela resolução nº 920/2024 do Ministério da Saúde. Os centros de parto normal devem seguir uma série de normas como: estar localizado nas imediações de hospitais de referência, transporte seguro para a mãe e o recém nascido, além de garantir a permanência de ambos antes, durante e depois do parto. 

História

Antes de ocupar a área de 78 mil m² no bairro de Pau da Lima, a obra de fraternidade criada por Divaldo Franco e o amigo Nilson de Souza Pereira funcionou no bairro da Calçada, em Salvador. O terreno foi adquirido em 1955, quando o centro foi transferido. Tão logo foi inaugurada a obra social, seus fundadores viram nascer as experiências dos “lares-famílias”, sob a máxima do espiritismo: “fora da caridade não há salvação”.

Mulheres escolhidas por Divaldo cuidavam de até cinco crianças dentro de residências construídas na Mansão. Foi o caso de Dilma Correia, 90. Aos 30 anos, ela recebeu a missão de cuidar de uma dessas casas e, hoje, mora na Mansão do Caminho, onde também recebe cuidados. Ao longo de anos, cuidou de diversos "filhos", que a chamavam carinhosamente de "tia". 

"Eu vim para cá logo depois que me formei e agradeço muito a Deus por isso. Aprendi muita coisa com Divaldo e vi o que os espíritos são capaz de fazer. Você olha para a magnitude dessa obra e entende que, só com eles, foi possível dois jovens [Divaldo e Nilson] construírem tudo isso em só uma encarnação", diz Dilma. 

A mediunidade de Divaldo e as ações de caridade atraiam pessoas que buscavam auxílio material, educacional e espiritual. Foram diversas as vezes em que bebês foram abandonados no local por famílias que não tinham condições de cuidar. Todos foram acolhidos. Ao longo dos anos, foram construídas creche, escola, centro médico, laboratório, biblioteca, entre outros espaços. São 44 edificações espalhadas na área verde de grandes proporções, que recebem cerca de cinco mil pessoas diariamente. 

O CPN aumentou ainda mais a popularidade da Mansão do Caminho e funcionou até setembro de 2013, após a realização de mais de 11 mil partos. Foi o primeiro Centro de Parto Normal da Rede Cegonha, estratégia do Ministério da Saúde que estrutura e organiza a atenção materno-infantil do país. A criação do espaço era um desejo de Divaldo Franco.

A decisão de encerrar as atividades partiu da direção, que afirmou, na época, não ter recebido recursos suficientes dos órgãos públicos. Mas não só isso. Assim como a mentora espiritual de Divaldo Franco sugeriu a criação do centro, ela também teria dito que estava no momento do ciclo chegar ao fim. 

"Ela disse assim: se encerrou um ciclo e vamos iniciar outro. Hoje, a humanidade tem a necessidade de um equilíbrio mental. Então, nós desviamos o foco e os recursos para aplicar em saúde mental", detalha Mário Sérgio. O espaço onde funcionou o centro de parto será transformado em uma policlínica e a direção planeja a construção de um prédio para atender questões relacionadas à saúde mental. 

A família da fisioterapeuta Fernanda Deise Oliveira, 28, tentou a todo custo fazer com que ela desistisse da ideia de parir em um centro de parto normal. O medo era que a mãe e o bebê passassem por algum problema e não tivessem a assistência médica devida. “Pouco antes do parto, minha mãe chegou a oferecer o cartão de crédito para pagar a cesariana”, relembra.

Fernanda visitou a Mansão do Caminho uma vez antes do parto
Fernanda visitou a Mansão do Caminho uma vez antes do parto Crédito: Acervo pessoal

Fernanda enfrentou as críticas e preocupações, e deixou a cidade natal, Ribeira do Pombal, para dar à luz no lugar que escolheu. Ela chegou na Mansão do Caminho com dez centímetros de dilatação e muita apreensão. A pequena Ana Julia veio ao mundo em 28 de maio de 2023, em plena pandemia.

“Eu e meu marido fomos super bem acolhidos. Eles me ensinaram o jeito correto de amamentar e a dar banho nela", relembra. O ambiente bucólico, com vegetação a se perder de vista, contribuíam para a escolha das mães que queriam fugir dos padrões convencionais dos hospitais públicos ou privados. 

Apesar da Mansão do Caminho ser vinculada à doutrina espírita, que tem Divaldo Franco como um de seus principais expoentes, nunca houve restrições por crenças religiosas durante os atendimentos. Mesmo sem seguir à risca a religião, Débora Albuquerque escolheu o centro para dar à luz em 2018. “Tenho alguma ligação com o espiritismo, apesar de não saber ao certo qual. Me considero uma pessoa espiritualizada, com fé. Mas não tenho religião”, diz.

Em entrevista concedida ao CORREIO, após o anúncio de fechamento da unidade, uma obstetra aposentada que trabalhou no local contou que havia desentendimentos entre a gestão do Centro Espírita e do Centro de Parto Normal. “A gestão do CPN e a gestão geral da instituição possuem formas diferentes de ver as coisas. Nunca houveram falas sobre fechamento, mas o relacionamento sempre foi muito conflituoso”, contou Marilene Pereira.

Questionado sobre os supostos conflitos, Mário Sérgio explica que cada prédio da Mansão do Caminho possui gestão própria. "Todas as gestões são independentes. No centro de parto normal havia um médico responsável, que tinha independência para tocar as atividades", afirma. 

Lacuna aberta

O fim do CPN deixou uma lacuna aberta e a comoção frente à notícia de fechamento foi grande. Em menos de dois dias, a petição “Não fechem o CPN Mansão do Caminho” reuniu 17 mil assinaturas. Em 2023, a Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab) chegou a divulgar a criação de um grupo de trabalho que formularia estratégias para a continuidade do centro, o que não se concretizou.

Mesmo sem realizar partos, a Mansão do Caminho ainda presta assistência às gestantes com consultas de pré-natal, consultoria de amamentação, além de grupos de psicologia, aulas de yoga e doação de cestas básicas (veja todos os serviços abaixo). Atualmente, cerca de 480 gestantes são acompanhadas por médicos e outros profissionais voluntários. 

Em Salvador, apenas as maternidades Albert Sabin e Maria da Conceição de Jesus possuem centros de partos normais através do SUS atualmente, segundo a pasta estadual. São cinco leitos em cada uma das unidades, que seguem os parâmetros hospitalares tradicionais. 

Fernanda Deise, que deu à luz durante a pandemia, lamenta que outras mães não possam ter experiências como a que ela teve no CPN. "Eu, até hoje, não entendo como fecharam uma instituição tão boa como aquela. Eu trabalho com atendimento às gestantes e, com certeza, indicaria que elas dessem à luz na Mansão do Caminho. Muitas mulheres buscam o parto humanizado, com profissionais que pensam mais na paciente e é algo muito difícil de achar", aponta. 

O acolhimento de crianças em situação de vulnerabilidade continua sendo uma das principais vertentes do centro. Quase dois mil alunos estão distribuídos nas unidades Creche A Manjedoura, Jardim de Infância Esperança, Escola Alvorada Nova, Escolas Jesus Cristo e Allan Kardec e Colégio Nilson de Souza Pereira. Ainda há atendimento médico para 21 especialidades e cerca de 800 atendimentos de saúde são realizados por mês por profissionais exclusivamente voluntários. 

Atendimento para Gestantes realizados na Mansão do Caminho 

Consultas ambulatoriais de pré-natal com enfermeiras obstétricas - De segunda à sexta;

Yoga para gestantes - Quintas, às 8h30 e 9h30;

Consultoria de amamentação - Sempre nas duas primeiras segundas-feiras do mês;

Grupo de psicologia para gestantes - Quintas, às 13h;

Doação de cesta básica após o bebê nascer - Até 4 meses de gestação, sem renda, com dificuldade financeira, sem condições de trabalhar;

Para mais informações, entre em contato através do telefone (71) 3409-8303.