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Maysa Polcri
Publicado em 17 de julho de 2025 às 19:44
Um dos quatro edifícios atingidos por um incêndio na noite de quarta-feira (16) no bairro do Comércio, em Salvador, está no centro de uma disputa judicial há dois anos. Em 2023, uma ação civil pública foi instaurada para que fosse realizado o restauro do prédio onde funcionava a tradicional loja A Lâmpada. Uma decisão da Justiça, em dezembro daquele ano, determinou que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) arcasse com os custos do restauro, o que não foi cumprido. >
Todos os edifícios impactados pelo incêndio integram a região de tombamento do Conjunto Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico da Cidade Baixa de Salvador, protegido desde 2009 pelo instituto. A proteção, no entanto, não foi suficiente para evitar que o prédio amargasse os danos do tempo. Nesta semana, o descaso atingiu o ponto máximo: um incêndio danificou um dos edifícios, e as chamas se espalharam para outros três prédios vizinhos. Na noite desta quinta (17), bombeiros ainda atuavam no rescaldo. >
O edifício localizado na esquina das ruas Pinto Martins e Conselheiro Dantas foi um dos mais afetados pelas chamas. Lá, funcionava a famosa loja A Lâmpada, fundada em 1925 para comercialização de equipamentos elétricos e de iluminação. O Comércio era outro, naquela época, e a efervescência comercial foi dissipada para outras regiões da capital, deixando o Centro Histórico cada vez mais de lado. O proprietário do edifício, Roberto Bastos, ficou sem dinheiro para arcar com os custos das manutenções. >
Em 2023, uma ação civil pública foi ajuizada para tentar reverter esse quadro. Em dezembro daquele ano, uma decisão da Justiça determinou que a União e o Iphan elaborassem e executassem um projeto técnico de preservação do imóvel no prazo de 120 dias. O prazo nunca foi cumprido. As ações do instituto limitaram-se a estudos administrativos iniciados em outubro de 2024. >
Incêndio no Comércio atinge quatro prédios
Em decisão judicial mais recente, o juiz federal Cristiano Miranda de Santana concedeu novo prazo de 60 dias para que União e Iphan comprovem ações efetivas para mitigar os riscos do imóvel. A sentença foi proferida no dia 9 de junho. "Os processos administrativos permanecem em fase de estudos e levantamentos preliminares, sem cronograma definido ou contratação de serviços técnicos, conforme reconhecido pelas próprias rés", pontuou o magistrado. >
A reportagem questionou o Iphan, nesta quinta-feira (17), sobre o descumprimento da determinação judicial. O órgão não mencionou quais reparos foram realizados nos prédios desde 2023 e nem informou porque não cumpriu a ordem. Em nota, o Iphan disse apenas que o instituto e a Defesa Civil (Codesal) "acompanham os trabalhos para avaliar a extensão dos danos nos imóveis históricos atingidos e orientar a prefeitura municipal acerca da necessidade de eventual remoção de escombros e demolições parciais necessárias". >
O advogado Rodolfo Araújo, que representa o proprietário do prédio onde funcionava a loja de lâmpadas, explica que a decisão mais recente da Justiça Federal foi tomada após o cumprimento provisório da sentença. "Conseguimos a decisão, que atribui a responsabilidade dos reparos ao Iphan, demonstrando que o proprietário não tem condições de arcar com os custos das reformas do imóvel", pontua. >
O imóvel já estava interditado e isolado com tapumes justamente pelos riscos que a condição precária oferece. A rua Pinto Martins, está bloqueada para a circulação de automóveis desde o início deste ano por conta do risco de queda da estrutura do edifício. "O imóvel foi vistoriado pela Codesal sucessivas vezes entre 2014 a 2025. A responsabilidade pelos reparos é do proprietário e, quando ele não consegue arcar, a legislação federal prevê que a União seja responsabilizada", explica Sosthenes Macêdo, diretor-geral da Defesa Civil de Salvador. >
O prédio onde o incêndio começou também foi alvo de atenção da pasta. A última vistoria aconteceu em maio deste ano, quando foi identifica o risco de desprendimento do revestimento da fachada, após o desabamento de um elemento decorativo de uma das varandas. A reportagem não identificou o proprietário deste imóvel. >
A suspeita inicial é que o incêndio tenha sido iniciado por queima de materiais dentro de um dos imóveis. Segundo moradores e funcionários da região, o local é alvo de frequentes invasões e utilizado para queima de materiais como fiações, além do uso de entorpecentes. Os laudos periciais deverão indicar as causas do incêndio. Ao menos 20 prédios precisaram ser interditados na região após o incêndio. >