Julho do medo: oito bairros cercados pela violência em Salvador

Disputas entre facções e ações policiais suspenderam aulas, interromperam transporte e afetaram rotina dos moradores

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  • Wendel de Novais

Publicado em 2 de agosto de 2023 às 05:00

Viatura em Cosme de Farias nessa terça-feira Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Sem aulas para estudantes, transporte para os trabalhadores e segurança para os moradores. Esses são alguns dos problemas que ao menos oito bairros de Salvador enfrentaram durante o mês de julho, de acordo com dados da Secretaria Municipal de Educação (Smed), da Secretaria de Mobilidade de Salvador (Semob), do Instituto Fogo Cruzado e também de um levantamento feito pela reportagem em matérias publicadas na imprensa.

Até o fim do primeiro semestre, Salvador e região metropolitana (RMS) registraram 792 tiroteios, com uma média mensal de 132 ocorrências. Só em julho, houve 175 registros de violência armada, segundo o Fogo Cruzado. Um salto que fez o número de tiroteios no ano chegar a 967 e causou pânico em algumas áreas de Salvador. 

Com o aumento das troca de tiros, os bairros de São Gonçalo, Santa Cruz, Costa Azul, Tancredo Neves, Sussuarana, Mata Escura, Novo Horizonte e Cosme de Farias ficaram cercados pela violência e tiveram sua rotina afetada pela interrupção de serviços. Juntos, segundo a Smed, esses bairros somam 19 escolas que tiveram aulas suspensas na tentativa de proteger estudantes, professores e servidores. 

Três dessas instituições municipais ficam no bairro de Cosme de Farias que, nessa terça-feira (1º), amanheceu com as escolas fechadas e cerca de 1.100 alunos prejudicados nos três turnos. Além disso, o Colégio Estadual Cosme de Farias abriu, mas teve baixa frequência entre os 866 estudantes matriculados. O problema se deu após quatro homens morrerem em troca de tiros com agentes da Polícia Militar na Rua Jaguarari, na tarde dessa segunda-feira (31). Os quatro estariam traficando no local e teriam respondido à chegada dos policiais com tiros, segundo a PM. 

Uma fonte da polícia, que prefere não se identificar, conta que a Rua Jaguarari é conhecida pela ação contínua de venda de drogas e presença de traficantes. "O pessoal, que morreu trafica drogas ali o dia inteiro. Além de ser estreita, é uma via sem saída. Você chega pela Bonocô, mas, lá no fim, só tem escadaria, que é por onde os criminosos fogem e os veículos da polícia não conseguem seguir", explica.

Apesar das mortes e da suspensão das aulas, os ônibus circularam pelo bairro na manhã dessa terça, inclusive no fim de linha. Outros bairros com registro de violência armada ao longo de julho, no entanto, não tiveram a mesma sorte. Em Sussuarana, por exemplo, os ônibus pararam de circular depois que um coletivo foi queimado por dois suspeitos por volta das 5h30 de sexta-feira (28). Ao longo do dia, quem trabalha ou estuda precisou caminhar até o Centro Administrativo da Bahia (CAB) para pegar um ônibus.

O prejuízo foi imediato. "Saí de casa às 7h para ir no centro resolver umas coisas. Moro antes de onde botaram fogo e vou ter que caminhar até o CAB para ir ao metrô, sendo que o ônibus daqui ia direto", reclamou o aposentado Mário Souza, 68 anos. Com o episódio de sexta- feira, Sussuarana chegou ao terceiro ônibus queimado em 2023, o que já rendeu um prejuízo de R$ 2,2 milhões para as empresas de transporte da cidade, já que cada um destes veículos custa R$ 751 mil, de acordo com a Semob. O bairro de Mata Escura, que fica ao lado de Sussuarana, sofreu com a suspensão de aulas por conta do episódio de queima de ônibus.

Em outros pontos da cidade, mesmo sem queima de ônibus, o transporte coletivo foi afetado por questões ligadas à violência. Em Tancredo Neves, além da suspensão de aulas, os ônibus que circulam pelo bairro foram remanejados na tarde do dia 18 de julho depois que um suspeito armado em fuga invadiu uma casa e manteve duas pessoas como reféns dentro do imóvel. Na ocasião, o final de linha do bairro, onde os veículos ficam estacionados, foi transferido para a região do conjunto Arvoredo. O bairro de Novo Horizonte, que faz divisa com Tancredo Neves, também foi afetado com a suspensão das aulas por conta da mesma situação. 

No bairro de São Gonçalo do Retiro, a ausência dos ônibus durou dois dias, de 6 a 8 de julho. Segundo a Semob, a paralisação ocorreu em razão de uma manifestação realizada por moradores do bairro por conta da morte do pedreiro Antônio Cesar Caldas de Assis, que foi baleado na Rua 8 de Dezembro, durante uma operação policial. Ele estava após um dia de trabalho quando foi atingido a 50 metros de casa, com vários tiros.

"Éramos uma família de 12 irmãos, todos vivos. Perdemos um após uma grande negligência desses policiais mal preparados, que entram nas ruas atirando, tirando vidas de inocentes, pais de família. Um absurdo, foi morto com vários tiros, vi pelo menos quatro [marcas de bala]", denunciou, na época, Luciana Assis, irmã da vítima.

Em nota, a Polícia Militar informou que agentes da 23ª CIPM realizavam patrulhamento em São Gonçalo, quando foram acionados com a denúncia da presença de homens armados nas proximidades do final de linha do bairro. No local, os policiais encontraram um grupo suspeito, que começou a atirar. Ninguém foi preso na ação.

O caso de Antônio, inclusive, é mais um entre os que consolidaram o aumento da letalidade policial em 2023. Até aqui, de acordo com o Fogo Cruzado, houve 350 tiroteios em ações policiais que resultaram em 271 mortos e 55 feridos, No segundo semestre de 2022, para efeito de comparação, foram registrados 244 tiroteios nessas ações, com 172 mortos e 48 feridos.

A Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) foi procurada para falar sobre a letalidade das ações, como avalia os números e se há alguma medida para reduzir o registro de mortes durante operações da PM, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.

16 mil alunos prejudicados

Com as portas fechadas das escolas municipais Lélis Piedade, Saturnino Cabral e Olga Figueiredo, em Cosme de Farias, Salvador já soma 48 escolas com atividades por um ou até quatro dias em decorrência da violência armada. Ao todo, considerando essas instituições, 16.108 alunos foram prejudicados pelo problema do dia 1° de janeiro até essa terça (1º).

O mês de agosto começou com tiroteio no Complexo do Nordeste de Amaralina, onde cerca de 700 alunos também ficaram sem aulas nessa terça-feira (1º).

O problema também atinge bairros considerados nobres na cidade. A Escola Municipal Padre Confa, no bairro do Costa Azul, teve as aulas suspensas no dia 12 de julho por conta de um tiroteio que aconteceu na frente da instituição. Cerca de 250 alunos foram afetados com a suspensão, de acordo com a Smed.

Segundo a Polícia Militar, agentes foram até o local após uma denúncia de disparo de arma de fogo na Travessa Isaías Alves de Almeida. Apesar disso, nenhum suspeito foi encontrado e o policiamento foi reforçado. Mesmo assim, o colégio seguiu com atividades suspensas também no dia seguinte, em 13 de julho.

Nesta terça-feira (1°), a Secretaria de Educação do Estado da Bahia (SEC) foi procurada para informar se, assim como a Smed, tinha instituições com suspensão de aulas por conta da violência e informou que o Colégio Estadual Cosme de Farias teve atividades, mas registrou baixa frequência.

Em frente ao colégio nessa terça, um morador, que prefere não dizer o nome, contou que os estudantes que apareceram foram orientados a retornar para casa.

"Veio até alguns desavisados, mas precisaram voltar porque não teve aula. Eles suspendem sempre que acontece esse tipo de coisa porque o medo é de que haja resposta por parte dos criminosos. Então, é até melhor mesmo porque boa parte já não iria comparecer. Eu, se sou pai, não deixo filho meu ir estudar nesse risco", falou.