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  • Horacio Hastenreiter Filho

Publicado em 26 de maio de 2021 às 05:41

- Atualizado há um ano

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Qualquer olhar para o orçamento público federal e para a arrecadação fiscal do país não deve prescindir da compreensão de que somos uma nação relativamente pobre que fez a opção na sua constituição por um Estado de bem-estar social amplo, com oferta de serviços universais. Não são raros, no entanto, artigos e matérias na imprensa nacional que comparam a arrecadação do país, em termos de percentual do Produto Interno Bruto (PIB), com a de outros países mais desenvolvidos, com a intenção de apontar o que julgam, ora uma carga tributária elevada, ora o excessivo gasto com funcionários públicos.

Obviamente que, quando é feito um juízo de valor sobre os gastos públicos, está em jogo não somente os custos, mas igualmente os benefícios auferidos. É fato que o país tem sérios problemas em relação às demandas prioritárias que devem ser atendidas pelo Estado. O Brasil tem um dos maiores índices de violência do mundo, uma educação pública de baixa qualidade, sobretudo nos ensinos fundamental e médio, e, na área de saúde, apesar da abrangência do Sistema Único, também apresenta severas dificuldades, destacadamente em termos de tempo de espera e oferta de leitos. Há de se observar, no entanto, que comparado a outros países com PIB per capta semelhante, o país se diferencia positivamente em termos de cobertura de serviços, o que exige, sob a pena de negligenciamento dos direitos mais básicos a parte da população, mais arrecadação e mais gastos com os funcionários públicos. Entre os países mais ricos, membros da OCDE, o Brasil, segundo o FMI, em 2017, ocupava a sétima posição no ranking dos 37 países para o indicador percentual do PIB gasto com funcionários públicos, superando Estados-nações como a França e a Bélgica. No entanto, quando o gasto com funcionários públicos é avaliado como percentual da arrecadação, o Brasil ocupa apenas a 32ª posição e, quando se avalia o custo do funcionalismo por habitante, figura em 30º lugar no ranking. A forma como se estabelecem os custos das atividades desenvolvidas pelo Estado indicam que o último indicador pode ser mais adequado, porém, entre os apoiadores da agenda neoliberal, há a opção pelo uso do primeiro indicador. Essa questão, porém, foge ao escopo do presente artigo.

Os supostos gastos elevados com os servidores ensejam, ainda, a comparação dos salários praticados nos setores público e privado. Importante observar que a “estocolmização” de parte dos trabalhadores da iniciativa privada, os leva, antes de brigar pelos direitos perdidos com as recentes reformas legislativas que lhe subtraíram direitos, pela isonomia no sentido inverso. Ou seja, os trabalhadores do setor público também deveriam ter a sua situação de trabalho precarizada, de modo que a vergonhosa participação dos juros e amortização da dívida no orçamento público permaneça encoberta e que mais uma reforma salvadora, dessa vez a administrativa, venha redimir o país do desemprego e do baixo crescimento.

A situação que envolve salários dos setores público e privado não se assemelha a de um cobertor curto. A retirada de dinheiro do primeiro não escoa para os salários do último. Na verdade, a deterioração dos salários do setor privado continua em curso, a partir de novas e indecentes mudanças legislativas. Os fiéis à crença neoliberal de Estado mínimo e subtração de direitos trabalhistas, entretanto, se assemelham à Shahriar, o esposo de Sherazade: convencem-se que o melhor está sempre no porvir. Os adeptos da seita acreditam e ficam à espera de que a terra prometida lhes chegue no próximo corte de direitos trabalhistas, na próxima reforma da previdência ou na prometida reforma administrativa e, assim, seguem desposando os contadores de estórias.

Horacio Nelson Hastenreiter Filho é professor associado da Escola de Administração da UFBA