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Nelson Cadena
Publicado em 1 de setembro de 2022 às 05:00
Dom Pedro I fez a independência do Brasil no berro. Seu escrivão contou aos historiadores ter ouvido o grito “Independência ou morte”. Deve ter ouvido errado. Se estivesse mais próximo da mula que sua majestade montava, teria ouvido “Independência ou sorte”, me parece mais factível. Dom Pedro tirou a sorte grande, seu pai também. O povo brasileiro não teve essa sorte toda. Ficou mais pobre, viu o erário financiar uma guerra e algumas escaramuças Nordeste acima e o que ficou do erário, considerando as dívidas, deu para raspar o tacho e comprar a independência cartorialmente, de papel passado.>
Era independência ou sorte. Cara ou Coroa. Dom Pedro I nunca cogitou a morte, não tinha essa valentia toda, resoluto nunca foi, era indeciso e vacilante, imagino que foi desmamado cedo, não teve chocalho no berço, nem cavalinho de pau na primeira infância. Foi criado com vô, no Palácio de Queluz, “Maria vai com as outras”, que os historiadores sem muita cerimônia, carimbaram de “Maria, a Louca”. Enquanto viveu no Brasil, chamava Jesus de Genésio.>
O berro de Dom Pedro não foi ouvido na Bahia, nem nas províncias do Norte que pegaram em armas para expulsar os portugueses. Em Salvador e no Recôncavo, a parada foi mais dura e sofrida, uma gestação, nove meses após o grito de Ipiranga, quando supostamente conquistamos a nossa Independência, não foi bem isso. Dom Pedro I quis impor seu estilo absolutista no berro, após nosso 2 de julho. Não resistimos. Conseguiu. Nem independência, nem sorte tivemos. De fato.>
Mas como ia dizendo, quem tirou a sorte grande foi Dom Pedro I que, entronado Imperador, se livrou - entre aspas - da sombra do pai. Reinou oito anos, fez e desfez, até ser posto para correr, em 1830. Já foi tarde, segundo o sentimento das forças ocultas e transparentes que fizeram a sua cama. A imprensa forneceu a tinta, pegou no pé, após o assassinato do jornalista Libero Badaró.>
A Família Real também tirou a sorte grande. Pedrinho deu seu jeito, tomou um empréstimo e comprou a Independência de fato, de papel passado. Pagou 2 milhões de libras esterlinas a Portugal, seu pai reinava lá, uma fortuna para que o Brasil fosse reconhecido mundo afora como um país independente. O papel passado foi chamado cerimoniosamente de Tratado de Paz e Aliança, assinado em 29 de agosto de 1825. Pagou, levou. Além de Portugal, outros países na sequência reconheceram a nossa Independência. Era e é assim no mundo dos negócios.>
Sorte grande para os ingleses que emprestaram os recursos, a juros ingleses, para não chamar de juros de agiota e assim, no referido mês de agosto de 1825, três anos depois do berro em Ipiranga e quase dois anos após a retirada do General Madeira da Bahia, batemos no peito e nos intitulamos “independentes”. Por tanto, a efeméride da Independência do Brasil - o Bicentenário - deveria ser comemorada em 29 de agosto de 2025 e não na próxima semana.>
Se pagamos por ela e ainda pagamos, para termos o reconhecimento internacional e o perdão de nossa pátria mãe, Portugal, por que não honrarmos a sua memória na data carimbada cantando o hino-fado de Amália Rodrigues: “A alegria da pobreza/Está nesta grande riqueza/De dar e ficar contente/ Quatro paredes caiadas/Um cheirinho à alecrim/Um cacho de uvas doiradas/Duas rosas num jardim/Um São José de azulejo/Mais o sol da primavera/Uma promessa de beijos/Dois braços à minha espera/É uma casa portuguesa com certeza/É com certeza uma casa portuguesa”.>
Nelson Cadena é publicitário e jornalista, escreve às quintas-feiras>