A angústia da dúvida: a apreensão de quem tem sintomas mas não sabe se está com covid-19

CORREIO circulou por gripários e ouviu pessoas isoladas em casa mesmo sem saber o que têm de fato

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  • Alexandre Lyrio

Publicado em 6 de julho de 2020 às 06:00

- Atualizado há um ano

Danieli: há uma semana vive ansiedade por um teste (Foto: Tiago Caldas) Quem está doente quer saber o que tem. Fato! Mas, com a pandemia do novo coronavírus, os diagnósticos das chamadas doenças gripais se tornaram mais difíceis. Por isso, uma forte ansiedade entrou na lista de sintomas das pessoas que são acometidas com febres, dores de cabeça e no corpo, coriza, diarréia e tosse. É a angústia da dúvida. As pessoas não sabem se estão, por exemplo, com congestão nasal de uma "gripezinha" ou com falta de ar causada pela covid-19. Isso tem deixado muita gente apreensiva e levado pacientes para as portas das unidades de saúde. E ainda tem a dengue e a chikungunya para confundir ainda mais. 

Por isso, desde que começou com dores de cabeça e no corpo, além de uma febre que varia entre 38 e 39 graus, a supervisora Danieli Souza da Silva, 31 anos, pegou a casa de uma tia emprestada para se isolar. Por precaução, deixou de conviver com a filha de seis anos e com a mãe hipertensa. Neste domingo (5), no auge dos sintomas, tentava atendimento na UPA do Vale dos Barris. Nos últimos dias perdeu o olfato, o paladar e passou a sentir uma ardência no nariz. Esse tempo todo vive a angústia da dúvida se está realmente infectada. 

"A sorte é que minha tia viajou e pude ficar na casa dela sozinha. É muito angustiante não saber se você está com o coronavírus. Junta o medo da doença com o afastamento da família. É horrível", relata Danieli, que acordou com falta de ar e, por isso, buscou atendimento médico. Aí veio a luta para fazer o teste. Na UPA do Pau Miúdo, conta a supervisora, o médico lhe receitou um antinflamatório e remédios para dor. "Mas não tinha teste. Então resolvi vir pra cá", explica Danieli. Estava no lugar certo. A UPA do Vale dos Barris é um dos três locais em que a prefeitura instalou uma unidade anexa dedicada a tratamento de síndromes gripais, conhecida como gripário.

Danieli provavelmente seria encaminhada para o gripário, onde iria fazer o teste, além de outros exames. Ali, poderia saber se seu caso era de internamento ou de isolamento em casa. "Eu espero tirar logo essa dúvida da minha cabeça para saber a melhor forma de agir", disse a paciente. A mesma dúvida do carpinteiro Josenilton Dantas, 64 anos. Há quase uma semana não consegue ter forças para subir as escadas de casa. "Agora tenho dado dois passos e já canso", contou seu Josenilton, que também passou a manhã de domingo à espera de atendimento na UPA do Vale dos Barris. Seu Josenilton está assustado: 'quero saber o que tenho' (Foto: Tiago Caldas) Visivelmente ansioso, Josenilton só queria uma coisa: "Saber o que eu tenho". Ele também teve alguns episódios de febre e sentiu a boca seca, além da falta de apetite. "Mas tô sentindo gosto e cheiro, sim", afirmou. "Não sei porque eu tive isso. Se eu peguei esse vírus não sei como foi. Não tenho saído", garante o carpinteiro. "Mas ele às vezes fica conversando em rodas de amigos na porta de casa", entregou o genro, que o acompanhava e preferiu não se identificar. 

Gripários

Além do gripário do Vale dos Barris, que funciona desde maio, a prefeitura instalou mais duas unidades do gênero: em Paripe e em Pirajá/Santo Inácio. Esta última, também anexa à UPA, foi inaugurada na sexta-feira. Montada exclusivamente para atendimento a pacientes com síndrome gripal, inclusive a Covid-19, a estrutura vai funcionar diariamente em esquema 24h e possui 12 leitos no total, sendo dez de observação e dois de estabilização com respiradores. O local tem 75 profissionais, entre médicos intensivistas plantonistas, enfermeiros especializados em internação, técnicos de enfermagem, maqueiros e auxiliares de farmácia. O investimento foi de R$4 milhões.

Neste domingo, praticamente não havia pacientes no local. "É que as pessoas não estão sabendo ainda desse gripário de Santo Iácio. Hoje atendemos um paciente mais cedo. Não sabem que fazemos testes. Também temos dois leitos com respirador", informou uma enfermeira, que preferiu não se identificar. Estruturas semelhantes devem passar a funcionar também na UPA de Valéria, na Liberdade e na ilha de Bom Jesus dos Passos. No total, serão 89 leitos. Com o novo gripário, a UPA Pirajá Santo Inácio salta de 25 para 37 leitos, representando um aumento de 68% na capacidade de atendimento. Atualmente, a capital baiana possui taxa de ocupação em torno de 80% dos leitos existentes. A instalação dos gripários são uma tentativa de barrar o avanço da doença e das mortes ao menos em Salvador. 

Na última sexta-feira (3), ultrapassamos o número de 2 mil pessoas mortas pelo novo coronavírus no estado. O boletim divulgado naquele dia mostrava que, em um mês, o número de mortes na Bahia dobrou. O primeiro caso de coronavírus foi registrado no dia 6 de março, em Feira de Santana, enquanto a primeira morte foi registrada no dia 29 do mesmo mês, em Salvador. Cerca de três meses depois da chegada da pandemia, em 11 de junho, um recorde que ninguém queria: mil mortos. No dia 3 de julho o número avançou para 2 mil. Ou seja, em menos de um mês o número de mortes dobrou.

Ontem, o  número de   mortos pelo novo coronavírus chegou a 2.107 em todo o estado.  O boletim da Secretaria da Saúde da Bahia mostra ainda que, nas últimas 24 horas, foram registrados 1.563 casos de Covid-19 (taxa de crescimento de 1,8%) e novos 57 óbitos.

Ansiedade, dúvida e medo

Todo esse avanço só aumenta a apreensão de quem acredita que pode estar infectado. Isolada de verdade, a personal trainer Débora Leite, 37 anos, está confusa. Acordou na terça-feira sentindo dores no corpo. "Tenho artrite reumatoide, mas nesse dia estava acima do normal". Começou a sentir frio e aí veio a febre: 37.7. Depois chegou a 38.8. Rapidamente, Débora se isolou no quarto e deixou a filha de 5 anos com a mãe no resto da casa. "Aí só passa uma coisa na sua cabeça: 'é covid'!". A febre estava constante apesar dos antitérmicos que tomou. "Passei uma noite muito mal, mas ainda não tinha falta de ar". Assim que acordou, Débora fez exaustivas ligações para tentar arcar um teste de coronavírus.  "Plano de saúde, médico, requisições, relatórios". Enfim, conseguiu agendar o exame. "Você fica contando os dias para que o dia do teste chegue logo e depois conta de novo para que o resultado chegue logo". 

Foi aí que a ansiedade bateu pesado. "Ansiedade, medo, falta de ar. Será que a falta de ar é da ansiedade? A febre não baixava e também apareceram manchas pelo meu corpo". Débora não sabia se tinha covid, chicungunya, dengue ou zica. Chegou a ir para a emergência de um hospital particular. Após uma tomografia que não encontrou vestígios no seu pulmão, a personal foi liberada sem teste de nenhuma dessas doenças. O resultado do laboratório, que saiu nessa sexta-feira, deu negativo. Mas a dúvida permanece. "Será que deu um falso negativo porque fiz logo no início dos sintomas? Bom, continuo isolada e tensa". Ate que consiga fazer outro teste de covid e os resultados de outros exames saiam, vai ter que controlar ansiedade medo e a solidão, além de ficar de olho em uma possível piora do quadro.