A Dama do Clima: ‘A sustentabilidade é um bom negócio’

Uma conversa com a presidenta do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), Marina Grossi

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  • Alexandre Lyrio

Publicado em 6 de outubro de 2019 às 06:24

- Atualizado há um ano

Marina Grossi: 'A sustentabilidade é boa para todos' (Foto: Betto Jr.) Ela teve uma infância com quintal, árvores e cavalo. Nascida em Goiânia, cresceu nas fazendas da família. “Tive o privilégio de ter uma infância dos sonhos, como toda criança gostaria de ter”.  O trabalho que desenvolve hoje teria total relação com aquela época não fosse uma curiosa ironia. Filha de deputado e fazendeiro, desde pequena Marina Grossi via o pai mexer com gado. Justamente gado, atividade que, anos depois, ela descobriria se tratar de um dos grandes fatores de emissão de gases tóxicos à camada de ozônio.    Depois que o pai morreu, recebeu a fazenda de herança e, antes de se desfazer dela, mudou completamente as práticas de produção na propriedade. E assim ela faz até hoje. Não com as fazendas da família, mas com os governos e, mais recentemente, com as empresas do país. Presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), Marina, 58 anos, é uma espécie de Dama do Clima. Tem a função de convencer as grandes companhias de que as mudanças climáticas mundiais são uma ameaça. E que a sustentabilidade não só é algo urgente como lucrativa. “É preciso entender que a sustentabilidade é um bom negócio”.    Uma das maiores conhecedoras do mundo em clima e as consequências da emissão de gases tóxicos na atmosfera, em 2018 Marina passou a integrar o Steering Committee da Carbon Price Leadership Coalition (CPLC), ou seja, ela é a única representante brasileira integrante do conselho diretivo da coalizão voltada para a precificação de carbono. No CEBDS desde 2005, atuou como diretora-executiva e coordenadora das Câmaras Temáticas de Mudança do Clima e Energia, Construção Sustentável e Finanças Sustentáveis.   Atuou também como negociadora do Brasil na Conferência das Partes (COP) da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP do Clima), de 1997 a 2001, e como coordenadora do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, entre 2001 e 2003. Participou das negociações do Protocolo de Kyoto e representou o Grupo dos 77 (G77) + China na área de Mecanismo Financeiro na COP 6 ½ (segunda fase da COP 6) que ocorreu em Bonn, Alemanha. Em 2003, fundou e presidiu a empresa de consultoria em Sustentabilidade Fábrica Éthica Brasil (FEB), prestando assessoria para governos e empresas.

Na Semana Internacional do Clima, que aconteceu em agosto em Salvador, Marina ajudou a elaborar um documento entregue ao governo brasileiro com um posicionamento do setor empresarial sobre o Artigo 6 do chamado Acordo de Paris, do qual Marina é entusiasta. O acordo prevê o desenvolvimento de mecanismos de cooperação entre países para atingir metas como a diminuição na emissão de gases. Principal porta-voz do setor empresarial brasileiro para a agenda do desenvolvimento sustentável, a missão de Marina e de seu conselho de empresas falhou na COP-24, na Polônia, quando o governo brasileiro não contribuiu para a conclusão do Livro de Regras do Acordo de Paris. Agora, o objetivo é convencer esse mesmo governo a fazer diferente na COP-25, no Chile, em dezembro. Confira a entrevista:

- Tem gente que não acredita em mudanças climáticas? O que você diria para essas pessoas?

Atualmente 97% dos cientistas dizem que existe e é uma ação causada pelo homem. Se for 100% vira dogma, né? Aí vira religião. Acho que 97% tá de bom tamanho. Vai esperar chegar a 100% para fazer alguma coisa? Tem coisas que a gente não pode esperar porque o risco é muito grande. Quando o risco é muito grande, tem que ter ações de prevenção a esse risco. Imagina se você tivesse em um carro e alguém dissesse: ‘Olha, você tem aquele muro ali, mas você tem 3% de chance de não bater no muro com seu carro. Você vai continuar no carro na direção do muro ou vai mudar de rota? Tá na hora de mudar de rota”.  

- Há um discurso de que a sustentabilidade é cara...

Esse é um discurso ultrapassado,. Não faz sentido. É cada vez mais barato. O Brasil é protagonista global nas mudanças climáticas. A gente tem matrizes limpas, uma grande biodiversidade e, no caso dos transportes, temos o etanol. Uma série de fatores que permitem a gente estar na frente nessa largada. A gente está no Nordeste, né? Por que a energia eólica hoje é a mais competitiva? Porque é a mais barata. O vento tá aí de graça! O Nordeste tá cheio de exemplos de que isso é uma grande oportunidade. Por que a energia solar vai ser a mais competitiva? Não é porque as pessoas gostam de sol. É o preço! É mais barato! A solar vai permitir que as pessoas tenham conforto em suas casas a um preço muito mais baixo. Olha, não é à toa que o Nordeste está crescendo mais do que as outras regiões. No Brasil, o lugar onde a gente tem menos incidência solar é melhor do que o lugar onde se tem mais incidência solar na Alemanha.   

- Então é possível ganhar dinheiro combatendo as mudanças climáticas?

Eu, que tinha uma visão mais tradicionalista de economia, e prezava pelo crescimento de qualquer jeito, percebi que é possível harmonizar tudo. Meio-ambiente, sociedade e empresas. Percebi que a mudança do clima poderia fazer o Brasil dar um salto econômico. Podemos ser protagonistas globais de uma economia de baixo carbono. Pensei: “tá aí uma coisa para meu país sair na frente, apresentar soluções e com isso captar recursos. A gente tem florestas, a gente tem biodiversidade e a nossa agricultura pode ser de baixo carbono, as nossas indústrias são mais limpas e os nosso produtos e serviços são mais limpos. Eu como economista vejo a mudança do clima como uma oportunidade de os outros países comprarem créditos de carbono do Brasil

- O setor privado já consegue perceber que isso é um bom negócio?

O setor privado tá farejando. Tem várias empresas com o compromisso de ser renovável em 100% de suas ações em pouco tempo. Tanto que nas 60 grandes empresas que estão ligadas ao nosso conselho têm crescido muito mais o portfólio ambiental do que o portfólio tradicional. Entre 2015 e 2017, 36 grandes empresas brasileiras investiram 85 bilhões de dólares em iniciativas para diminuir a emissão de gases de efeito estufa. Não tem nada de ideologia nisso. Não é uma questão sobre derrubar florestas ou não. Tem que desfrutar da floresta e lucrar com ela. Não é “o campo ou a cidade”, mas “o campo e a cidade”. Não tem oposição. É uma interdependência. 

- Tem algumas iniciativas de empresas?

Algumas empresas já se atentaram pra isso. Não só as empresas como as pessoas. Porque no futuro você é que vai gerar sua própria energia.  A Votorantin Cimentos usa energia por meio das sementes e do bagaço do açaí. A energia utilizada em seus fornos de cimento. Há outros tantos exemplos na produção de fármacos e cosméticos que nos deixa muito orgulhosos. 

- As pessoas podem fazer muito também? 

Já estão fazendo. A juventude está preocupada com o que gente tá consumindo. Tá cada vez mais preocupada de onde vem os produtos. ‘Do berço ao túmulo’, como a gente fala. Os jovens de hoje pagam mais caro pelo produto que tem toda a cadeia sustentável do que um outro que não tem. 

- E as cidades? Como podem se proteger das mudanças climáticas?

O padrão das chuvas mudou e está mudando cada vez mais. As mudanças climáticas influenciam diretamente o funcionamento das cidades. Elas precisam se comportar como empresas que planejam o regime de chuvas e secas. Você pode planejar o funcionamento da cidade de acordo com as mudanças climáticas. Não dá pra fazer isso olhando para a média histórica de 20 anos atrás. Isso mudou! Tem que fazer novos planos e cálculos. Isso é hoje! Não é amanhã! Quanto mais você adia isso, fica mais oneroso.    

- Qual o grande vilão da mudança climática?

No resto do mundo é o combustível fóssil usado nos transportes e nas indústrias. Petróleo! Isso na grande maioria dos países. Mas, o Brasil tem uma matriz diferente, invertida. O nosso vilão é o uso da terra. O desmatamento ilegal é o nosso grande vilão. Mas ao mesmo tempo é mais fácil de combater. Imagine diminuir a emissão em uma empresa que já tem tecnologia avançada. Você tem que investir muito dinheiro! No caso do desmatamento basta criar condições e alternativas, além de fiscalizar. Só temos a ganhar com isso. Se por um lado o gado brasileiro emite muito metano, por outro lado você tem no Brasil formas de estar melhorando muito isso. Então, eu tenho muito orgulho da nossa agropecuária, que sustenta a nossa balança comercial, mas falta agregar valor econômico às formas de alternativas para a menor emissão de gases.    

- E os desmatamentos? Como você vê a situação da Amazônia?

A maior parte do desmatamento da Amazônia é ilegal. Tem que fiscalizar. Desmatamento não é um bom negócio pra gente.  A gente perde muito com o desmatamento ilegal. Você tá permitindo que algo que está lhe rendendo zero de valor atrapalhe toda uma indústria florestal que o Brasil hoje é campeão. A Suzano, por exemplo, é uma grande empresa brasileira e do mundo. Ela exporta os produtos dela. Se for feito de forma sustentável todo mundo ganha. O agrobusiness sério, sustentável, é importantíssimo para a economia. Não é pensar em vender commodities pura e simplesmente. É vender com valor agregado. 

- No COP 24, na Polônia, o posicionamento do Brasil impediu a conclusão do livro de regras do Acordo de Paris. Como fazer para que isso ocorra em dezembro, no COP-25, no Chile? 

A gente não tem dúvida de que precisa ter o acordo. É preciso que haja um mercado justo para que o Brasil possa vender seus produtos. A gente tá aqui debruçado para que a gente leve ao governo algumas preocupações nossas quanto a essa situação. A gente tá abrindo um canal de diálogo com os técnicos do governo para mostrar que a gente quer estar grande nesse mercado da mudança climáticas.