A decisão pela cesariana deve ser apenas da mulher?

A legitimidade da "cesariana a pedido da gestante" é motivo de discussões acaloradas. Planos de saúde devem cobrir? O SUS deve autorizar?

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  • Da Redação

Publicado em 7 de julho de 2019 às 05:20

- Atualizado há um ano

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Por que a mulher pede cesárea?

Primeira coisa a se questionar é: por que uma mulher pede uma cesariana?

Uma cirurgia de médio a grande porte, com riscos muito maiores de infecção, hemorragia, lesão de outros órgãos, riscos relacionados à anestesia, estes a curto prazo. A longo prazo, temos os riscos de aderências dos órgãos internos, entre outros. Em gestações futuras, placenta prévia (quando a placenta se implanta cobrindo o colo uterino, com risco de hemorragia e nascimento prematuro), acretismo placentário em diversos graus (quando a placenta invade as camadas profundas do útero, podendo levar a hemorragia, lesão de bexiga e até à perda do útero), rotura uterina, etc.

Para o bebê, há risco de prematuridade (nenhum método é 100% confiável para calcular a idade gestacional), desconforto respiratório, admissão em UTI.

A longo prazo, estudos mostram risco aumentado de alergias, obesidade, síndrome metabólica. Estes são apenas alguns dos riscos associados à operação cesariana.

Quando esta é realizada por uma indicação médica, é uma cirurgia salvadora, maravilhosa, e estes riscos são assumidos porque os benefícios são maiores.

Nós, que lutamos em defesa das boas práticas na assistência obstétrica, acreditamos que uma mulher bem informada, com acesso a uma atenção respeitosa, segura, com suporte emocional, familiar e da equipe que a assiste, dificilmente escolheria uma cesariana.

Segundo a pesquisa da Fiocruz- Nascer no Brasil- cerca de 70% das mulheres iniciam o pré natal desejando um parto normal e este desejo vai sendo modificado ao longo da gestação, fazendo com que no final da gestação muitas já desejam uma cesariana.

O que acontece no Brasil, muito mais que nos países desenvolvidos, é que nossa assistência obstétrica ainda está distante do que seria o ideal.

Nossas mulheres ainda sofrem vários tipos de abuso, maus tratos e intervenções desnecessárias e inadequadas. Seja porque a rede de assistência está sobrecarregada, seja porque os profissionais estão também sobrecarregados ou não conseguem modificar suas práticas, levando a partos sofridos, violentos, sem o cuidado adequado.

Por muitas décadas isto vem acontecendo e as mulheres das gerações atuais crescem ouvindo que parto é sofrimento. Os próprios profissionais, em sua maioria, também acreditam nesta ideia. A formação médica não valoriza o ensino da fisiologia do parto, focando basicamente nas patologias obstétricas e no ensino das intervenções.

Nós acreditamos que o que precisa mudar é este paradigma de parto sofrido, centrado nas necessidades das instituições ou dos profissionais.

Acreditamos que o parto pode ser bonito, respeitoso, íntimo, em que a dor vai existir, mas não associada a sofrimento. Que os bebês merecem vir ao mundo no momento em que estão realmente prontos e serem recebidos de forma suave, ficar todo o tempo ao lado de sua mãe, que estará apta a recebê-lo em seus braços logo ao nascer.

O empenho de todos- governos, profissionais e de toda a sociedade- deveria ser voltado a modificar este cenário, para que as mulheres parem de escolher uma cesariana, se colocando em risco, para fugir de partos sofridos e violentos.

Marilena Pereira, médica obstetra, coordenadora do Centro de Parto Normal da Mansão do Caminho A mulher é dona do seu corpo

Como obstetra, já fui muito mais “ativista” em relação ao parto normal até que, infelizmente e por necessidade, eu tive que me submeter a uma cesariana.

Hoje respeito muito mais a opção da mulher, que chega ao consultório com escolha pronta de parto cesárea. Realmente acho que a mulher é dona do seu corpo ( a história do “meu corpo, minhas regras”), mas a obrigação do obstetra é orientar muito bem a sua cliente, explicando detalhadamente os tipos de partos, seu riscos e benefícios tanto para a mãe quanto para o bebê, respeitando suas respectivas indicações e contraindicações. Temos obrigação de explicar, por exemplo, que a morbimortalidade (riscos de complicações e morte) dobra na cesariana em relação ao parto normal.

É inegável que o parto normal é melhor e mais fisiológico, não é à toa que países de primeiro mundo como Noruega e França tem índices muito baixos de cesarianas (17 e 21% respectivamente).

Ao invés de não respeitar a escolha da mulher pelo parto cesárea, temos que tentar mudar a cultura brasileira em relação ao tipo de parto; a cesariana no Brasil é cultural: é mais chique, é o parto dos “ricos”, é mais confortável (pro obstetra também!), dói menos, escolhe-se o mapa astral dos filhos (!!!), protege e é melhor para o bebê (não é!!). Mas quando falo que a mudança deve ser cultural, falo de orientar melhor essas mulheres com informações reais, preparar a mulher durante o pré-natal, formar melhor os obstetras, melhorar a remuneração médica em relação aos partos, dentre outras medidas.

Então hoje, no atual cenário, respeito sim e acato a escolha da mulher pela cesariana, mas oriento detalhadamente sobre os partos, já na primeira consulta.

Alessandra Fernandez, Ginecologista e Obstetra formada pela UFBA, Residência médica e Mestrado pela USP Essa escolha deve ser fundamentada

Em um contexto em que a mulher se empenha em lutas pelo direito a suas escolhas, decidir a via de parto para dar à luz, constitui-se um direito a ser respeitado. TALVEZ vem do fato de que essa escolha deve ser fundamentada em completo conhecimento, claro, transmitido pelo profissional que a acompanha e que proporcionará à mesma uma opção da via mais segura. Como princípio básico a considerar, a cesariana é um ato cirúrgico, salvador e com indicações precisas, diz a boa obstetrícia.

Fatores a considerar: uma vez informados à mãe os riscos e benefícios do parto cirúrgico e do natural ( essa via de parto também oferece imprevistos e necessidade de intervenção, ocasionalmente) desde quando sem uma indicação para antecipação, essa cesariana seja realizada após 39 semanas e que a mesma leia, compreenda e assine o Termo de Consentimento, sua vontade pode e deve prevalecer.

Dentre as informações, algumas são imprescindíveis, por entender que a evolução do pós operatório pode abranger fatos inesperados como hemorragias e infecções, além das limitações esperadas para o quadro, incluindo os cuidados com o bebê, lactação e formação do vínculo logo nas primeiras horas do período pós anestésico. A palavra-chave é o bom senso, a responsabilidade e o grau de preparo médico. Sendo assim, ao expor as vantagens do parto natural, aquele em que básicamente a mulher atua, mediante seu plano, crenças, convicções e determinação, com apenas a presença médica para uma eventual necessidade, jamais poderá ser omitida à mesma a possibilidade de uma intervenção com uso de instrumentos para ultimar um parto distócico (onde ocorre algo determinando uma demora da expulsão fetal), ou mesmo uma mudança para uma cesárea.

Visto isso, talvez, em pleno século 21, talvez a mulher possa sim, decidir que parirá seu filho através de uma cesárea, porque apesar de todas as informações obtidas através do obstetra escolhido pela mesma, apesar de conhecer todas as vantagens de um parto via baixa e todos os mecanismos envolvidos para que ele ocorra em bom êxito, ela não se sente preparada para colaborar com um processo que depende exclusivamente dela, exaurindo assim todos os argumentos de persuasão antes da decisão final.

Eliane Menezes Flores Santos, Ginecologista e Obstetra, Professora da Escola Bahiana de Medicina e da Uneb