A doce dúvida do Bahia

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  • Paulo Leandro

Publicado em 23 de outubro de 2017 às 10:03

- Atualizado há um ano

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A vitória em todo clássico tem seu sabor próprio, qualquer que seja a modalidade e contexto. Agora, e quando esta vitória, além de fortalecer as chances de beliscar uma vaga na Libertadores, ainda contribui para aproximar o coirmão da tristeza do rebaixamento?

Esta é a doce dúvida do tricolor. O que é melhor de curtir hoje, no dia seguinte ao Ba-Vi: o efeito dos pontos ganhos ou dos pontos perdidos pelo coirmão? Ficamos mais felizes com a nossa vitória ou com a derrota do outro? As duas, juntas, vamos combinar? Além de amar os próprios feitos, a certeza de provocar sofrimento produz afetos que podem implicar no perfil daquilo que chamamos de torcedor. Alegria dupla, por si, e pela tristeza do outro. Elaborado oralmente, o duelo ficaria na dimensão simbólica. Para quem segue esta premissa, o futebol é uma forma socialmente aceitável de exercitar nossa habitual crueldade. A vitória, antes da vitória, pode representar a derrota do outro, principalmente; e nesta condição, nutre nossa irracional necessidade de fazer o mal.

Se vencer fosse apenas um jeito de fazer bem a si mesmo, não teria a mesma graça. Associada à desgraça do outro é que a vitória ganha aditivo muito especial e bem mais interessante. Não apenas venceu, mas deixou o outro em estado de dor: superior deleite.

A ausência do outro na arquibancada é sentida, não pelo valor moral do compartilhamento do espetáculo, mas porque não se pode causar ao outro, presencialmente, o desejado sofrimento. O conceito imposto de torcida única fragiliza esta identidade na alteridade.

Como o sujeito se funda no outro, sem este jogo de espelhos, torcida contra torcida, o eu fica debilitado e passa a existir vagamente, em busca do outro que ele não encontra na arquibancada. É uma necessidade para dar sentido à torcida que estejam as duas presentes.

Uma torcida sem a outra é como o norte sem o sul ou outra oposição abstrata qualquer que exija a condição do contrário para existir. A noite sem o dia, o uno sem o duplo. Sem a presença do outro, não há referência. Se virar hábito, pode mudar muito o perfil.

De frente para si mesma, e definida por pequenas diferenças, a torcida se constrói das imagens para perceber o sofrimento do outro. É neste fantástico e inacessível mundo das abstrações de cada torcedor que o placar de um jogo mais exerce seu fascínio, seu poder. 

É na imagem em ação, no campo mental, que o jogo segue, infinito, efeito após efeito, escárnio chamando escárnio, o sofrimento do outro como oportunidade de sentir-se vivo e mais: a vida, enfim, parece, subitamente, passar a valer a pena para quem vence.

Se o resultado fortalece o sujeito, ao causar sofrimento ao outro, este impacto ganha força se o placar provoca o deslizamento para o subsolo, aquela zona maldita que acolhe os quatro condenados a mofar no Hades da Série B no Ano Novo.  Seu time venceu, mas você tem mais desejo de verificar várias vezes como ficou a classificação daquele a quem derrotou. Seu time venceu, e você já exige mais no próximo jogo, enquanto mil curtidas vão para a situação ruim imposta aos coirmãos derrotados.

O torcedor – como o homem em geral – é mau por excelência. E o futebol permite exercitar esta vocação. O problema é quando esquecemos tratar-se apenas de um jogo, um brinquedo. Nossas guerras da bola são simbólicas: não precisamos de violência.

Paulo Leandro é jornalista e prof. Dr. do Centro Universitário Unirb.