A Festa da Boa Morte

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  • Nelson Cadena

Publicado em 11 de agosto de 2022 às 05:00

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A mais antiga evidência documentada da Festa da Boa Morte em Cachoeira é de 11 de setembro de 1849, fui o primeiro a revelar no meu livro “Festas Populares da Bahia, Fé e Folia”. É um ofício do vigário do município, encaminhando requerimento da Irmandade. Solicitava, do Arcebispo da Bahia, autorização para colher esmolas. A tradição oral situa a origem da festa, na década de 1820, atrelada à diáspora da Guerra da Independência, quando Salvador foi evacuada e um grande contingente de moradores migrou para o Recôncavo. 

Os baianos transformaram a Guerra da Independência, num evento mítico, nossos Deuses do Olimpo, se cabe a analogia com as crenças em torno das guerras da Grécia antiga. Respalda os relatos das origens das principais festas populares da Bahia, através dos versos do Hino do Senhor do Bonfim, do culto ao Caboclo, da aparição da Santa nas praias do Rio Vermelho __que teria originado a festa no local__   e da migração das devotas da Boa Morte da Barroquinha para o Recôncavo.  A propósito, um protagonista da Guerra do Paraguai teria influenciado a tradicional festa da Segunda Feira Gorda da Ribeira que não mais existe. 

Na oralidade colhida por Manoel Querino, o ex-combatente, cabo Luciano das Virgens, foi o pioneiro, transferindo seus babilaques da barraca armada no Largo do Papagaio, por ocasião dos festejos do Bonfim, para outro espaço de Itapagipe, a Ribeira, onde a festa se estendia por mais um dia, com o samba, a capoeira e o maculelê, desde a madrugada, animando o povo.

O ofício do vigário de Cachoeira põe por terra a informação de que a fundadora da Irmandade da Boa Morte, seja a Tia Ciata, como consta no Memorial da Irmandade, inaugurado em 2014. A Tia Ciata nem nascida era na data do ofício do religioso. A Boa Morte do município, assim como a da Barroquinha e de outras igrejas de Salvador, a de Santo Amaro e a de São Gonçalo dos Campos, não tem data de nascimento de origem comprovada. Sabe-se apenas onde começou. Em Cachoeira, segundo o pesquisador Luís Cládio Nascimento, a primeira sede da Irmandade teria sido a Casa Estrela, pertencente ao capitão Arlindo Estrela, local icônico por ser um facilitador de alforrias de escravos.

As negras do partido alto, a elite africana da região, frequentava a Casa onde se vendiam alimentos, contas de cores, pemba, ori, lima-da-costa, orogbo e outros produtos utilizados em cerimônias do Candomblé. As africanas forras juntavam riquezas, através do comércio de rua e de outras atividades e adquiriam escravos, ouro, jias, imóveis. Ascendiam socialmente. Algumas das joias adquiridas, de grande valor, ornavam os braços e pescoços das irmãs da Boa Morte, nos rituais dos festejos. As joias foram sequestradas, na década de 1980, por um ato autoritário de Dom Lucas Moreira Neves, Arcebispo de Salvador, que cometeu o pecado da cobiça. Obteve da justiça a guarda das joias, alfaias, imagens, alegando serem propriedade da igreja.

Após uma longa batalha judicial foi restabelecida a posse do patrimônio material da Irmandade. A Igreja Católica não conseguiu provar nos tribunais a propriedade do acervo e a justiça ordenou sua restituição. O desfecho provocou uma fissura nas relações Igreja/Irmandade, no município; a paz reestabelecida em 1999 por um pedido do arcebispo Geraldo Magela. As joias originais, as que ficaram (muitas sumiram ao longo do tempo), por razões de segurança foram substituídas nas procissões por réplicas. A tradição de colher esmolas, aqui referida, para custear a festa, continuou, mais como um ato simbólico, ritualístico, do que por necessidade. Os eventos de 13 a 15 de agosto, são organizados com recursos repassados à Irmandade pelo governo.