'A gripe agravou em 1 semana', diz marido de mulher que morreu com suspeita de Covid-19

Empresário narra o agravamento da gripe da esposa de 35 anos que era saudável e não tinha comorbidades

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  • Da Redação

Publicado em 27 de março de 2020 às 23:36

- Atualizado há um ano

. Crédito: Acervo pessoal
. por Acervo pessoal

Uma pessoa feliz, sem muitas ambições, simples e cheia de vida. Foi assim que o empresário Renato Puerta Garcia, 54 anos, descreveu a esposa Samanta Santos Faria, 35, que faleceu no último dia 24, com suspeita de Covid-19 à revista Crescer. “Ela era uma pessoa feliz, estava fazendo cursos, gostava do trabalho. Não era uma mulher ambiciosa. Era simples, gostava de caminhar no parque, de ver o pôr-do-sol na pracinha com as meninas. Era uma pessoa de muita luz, que vai fazer muita falta”, diz.

Bastante abalado com tudo o que aconteceu e sem entender o motivo da morte repentina da esposa, a preocupação de Renato agora é com as filhas do casal, Maria Clara, que tem 2 anos, e Valentina, de 9 meses.

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“Desde que ela ficou doente, eu decidi deixar as meninas com a babá em outro apartamento. Não posso abraçar as minhas filhas e estou sentindo um vazio enorme. Só saí do isolamento para resolver as burocracias todas porque ela será cremada hoje ou amanhã. Decidi não fazer velório para não expor os pais dela, que são de outra cidade, e nem os meus, que são idosos. É muito difícil não poder se despedir, mas tomei essa decisão porque não quero colocar ninguém em risco. Estamos ainda aguardando o resultado do exame. Depois que tudo passar, eu vou fazer uma cerimônia íntima com as cinzas dela para darmos adeus do jeito que ela merecia”, disse à revista.

Em depoimento à Crescer, Renato narra como tudo aconteceu.

“Eu e a Samanta não nos casamos. Ela engravidou da nossa primeira filha logo quando começamos a namorar e decidimos morar juntos. A Samanta sempre foi cheia de vida; ela era sócia de um salão de beleza, gostava de se arrumar, de fazer amizades. Era uma pessoa feliz, sem muitas ambições, simples e cheia de vida. Há mais ou menos dez dias, ficou gripada, mas não tinha nada de febre. Mesmo assim, foi ao pronto socorro porque estava se sentindo bastante cansada. Passaram remédios para gripe comum e pediram para ela aguardar em casa e, caso o quadro se agravasse, que voltasse ao hospital.

Ela já não foi mais trabalhar e ficou em casa, mas reclamava muito do cansaço. Eu achei que eram realmente os sintomas de uma gripe comum porque ela até deu uma melhorada, tanto que no dia 16/3 foi no salão apenas para fazer uma reunião com a sócia dela. Acordou bem no dia 17/3, que era meu aniversário, e até pediu um bolinho para cantarmos parabéns.Por ela estar gripada, não chamamos ninguém, só dois casais de amigos meus vieram em casa e decidimos pedir uma pizza. Ela estava até animada neste dia. No outro dia, eu sai para trabalhar e ela me ligou dizendo que estava sentindo muita falta de ar, que era para eu voltar para casa e levá-la ao hospital.Fomos ao Hospital Santa Rita (SP) e eles não queriam recebê-la porque disseram que não tinham estrutura e que o caso dela era complexo. Mas eu insisti porque ela estava bem mal, tanto que saiu do carro de cadeira de rodas. Eles fizeram o pronto-atendimento e já pediram uma ambulância para levá-la para outro hospital do convênio que tivesse estrutura e uma UTI preparada para recebê-la. Fomos para o hospital Santa Clara (SP) e lá fizeram raio-X do pulmão e viram a gravidade.Segundo os médicos, ela tinha todos os sintomas da Covid-19. Eles estavam com falta do teste do coronavírus, mas ela estava sendo tratada o tempo todo como suspeita da Covid-19. Em dois dias, o quadro dela se agravou. Repetiram a tomografia e o pulmão dela estava bem afetado. Tanto que o teste chegou neste dia e ficamos sabendo que ela era a paciente mais grave do hospital. Mesmo ela sendo a mais grave, eles disseram que o resultado demoraria de 7 a 10 dias e que iriam encaminhar ao Instituto Adolfo Lutz (SP).

Neste dia, também divulgaram as pesquisas sobre o tratamento com cloroquina e o hospital já havia solicitado a medicação porque o caso dela era de aplicação imediata. Entrei em desespero e senti realmente a gravidade da situação. Pedi até para os amigos fazerem uma corrente de oração porque ela tinha duas princesas lindas esperando por ela em casa e precisava sair dessa.

No dia 21, ela teve uma pequena melhora e, no dia 23, o quadro dela evoluiu para gravíssimo. O rim estava comprometido e os médicos entraram com hemodiálise e estavam tentando de tudo para salvá-la. Mas, infelizmente tivemos a triste notícia, no dia 24 (terça-feira), que ela faleceu e teve falência múltipla de órgãos.

Antes de ela ser sedada, consegui entrar para vê-la na UTI. Ela estava com fome e me perguntou o tempo todo das meninas. Fui para casa e fiz um vídeo das nossas filhas no meu celular para levar no outro dia para ela ver que estavam bem. No outro dia, eu já não consegui entrar mais na UTI, mas dei o celular para as enfermeiras e elas mostraram o vídeo. Acho que ali foi a despedida porque ela já foi sedada.

Eu ainda estou aéreo, sem entender tudo o que está acontecendo. Decidi ficar longe das minhas filhas para protegê-las. Elas estão em um outro apartamento com a babá. Eu só sai do isolamento para resolver as burocracias todas porque ela será cremada amanhã ou depois. Decidi não fazer velório para não expor os pais dela, que são de outra cidade, nem os meus, que são idosos. Também não pode ter muita gente. É muito difícil não poder se despedir, mas tomei essa decisão porque não quero colocar ninguém em risco. Estamos ainda aguardando o resultado do exame. Depois que tudo passar, eu vou fazer uma cerimônia íntima para nos despedirmos do jeito que ela merecia.

O resultado do exame ainda não saiu. Eu acho tudo isso muito estranho, porque quando eu estava no IML resolvendo toda a papelada, vi que tinha um rapaz ao lado, que era parente de um motorista de aplicativo, que também morreu com 25 anos com pneumonia e problemas respiratórios. Parece que, nele, não deu tempo de fazer o teste, então, nunca saberemos se foi Covid-19. A Samanta era jovem, cheia de vida, não tinha nenhuma outra doença e estava bem. Quando soube que ela tinha falecido, fui para a pracinha para ver o pôr-do-sol e rezar para que ela tivesse uma passagem iluminada e que encontrasse a paz. Acho que não vou ter coragem de contar nada para as minhas filhas, elas são pequenas e nem falam direito. Vou deixar passar, um dia depois do outro. Não consigo pensar em mais nada. Agora sou eu e minhas duas bebezinhas”, finaliza.

Em nota à revista Crescer, o Hospital Santa Clara disse que atendeu, no dia 18 de março em seu serviço de pronto atendimento "uma paciente do sexo feminino, 35 anos, SFS, com quadro de franca insuficiência respiratória, não há relato em prontuário de comorbidades associadas". Confira o restante da nota:

Paciente avaliada clinicamente pelos plantonistas do serviço com solicitação de painel de doenças respiratórias onde resultados foram negativos e exames de imagem onde tomografia de tórax mostrou imagem bastante sugestiva de síndrome respiratória água grave, etiologia provável Covid-19.

Internada em nossa unidade de terapia intensiva, onde evoluiu com insuficiência renal aguda, necessitando tratamento dialítico e intubação orotraqueal para manutenção de ventilação mecânica. Apesar de todos os meios disponíveis e utilizados para tratamento, a paciente foi a óbito em 24.3.

Foram obedecidos todos os protocolos de orientação do sistema de saúde e protocolos internos, os swabs de secreção nasal e orofaringe colhidos foram feitos conforme fluxo estabelecido pela ANVISA e encaminhados na data de atendimento inicial ao Instituto Adolfo Lutz. Até o momento não temos retorno do resultado”