A menor ave do mundo

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  • Kátia Borges

Publicado em 24 de outubro de 2021 às 16:00

- Atualizado há 10 meses

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Por distraída, virou perita em inutilidades. Sabe de cor os detalhes sobre a menor ave do mundo. Enquanto sustentamos sobre as asas o peso de nossa época, conta que o pequeno pássaro, conhecido como Beija-flor-abelha, é natural de La Isla de la Juventud, ironicamente a segunda maior ínsula cubana.

 Tal origem, dita o Manual da União Amadora dos Ornitólogos Distraídos, justifica o fato de terem lhe apelidado de Zunzuncito e de que seu diminuto tamanho — cerca de 5 centímetros — não o impede de polinizar 1.500 flores em 1.440 segundos. Um dia inteiro em estado de levitação, mais tempo do que ave. 

Embora bastante alheada, suspeito que não seja imune às dores do planeta. Aperta bem forte os olhos quando digo que já ultrapassamos a marca de 600 mil mortos e que há uma geração de órfãos de várias idades crescendo num país desolado. Questiona se algum dia entenderemos que Deus mora nos detalhes.

Por exemplo, as asas do Beija-flor-abelha batem aceleradamente. Conseguem ser mais rápidas que as de aves maiores. O mecanismo que o mantém pousado no ar passa pelo metabolismo acelerado, a inversão de voo, a velocidade. Não é estranho? Ah, o coração dos beija-flores é enorme e  equivale a 5% do peso de seu corpo. 

Por distraída, virou perita em inutilidades. Sabe de cor os detalhes e a mímica dos gestos menores. O olhar de maldade trocado pelos amigos no exato instante do retorno à mesa. O modo como o amor encolheu de súbito as mãos, antes estendidas para ela. Aquela palavra dita por acaso em meio a uma frase.

Conhece as letras de numerosas canções populares que todos cantam errado por charme. Não os corrige. Aprendeu finalmente que errar por brincadeira faz parte das interações entre as pessoas. Verifica o horário antes de enviar qualquer mensagem, de modo a acrescentar de início bom dia, boa tarde, boa noite. 

Pode então mergulha outra vez em alheamento, esse modo de existir não sendo, esse lapso que defende de olhos fechados, reagindo com legítima leveza aos golpes dados na linha da cintura por um planeta absolutamente exausto. De seu silêncio, clareira aberta no diálogo, voam milhares de diminutos beija-flores.

Kátia Borges é escritora e jornalista