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Felipe Aguiar
Publicado em 31 de janeiro de 2021 às 20:13
- Atualizado há 2 anos
Assim como João Sandes, milhares de vestibulandos se questionaram se valeria a pena arriscar a exposição de fazer o Enem. Diante do cenário de incertezas sobre a prova que foi postergada mais de uma vez, o medo de ir até um local de prova desconhecido e cheio de estranhos não soava nada confortável para João. O jovem de 20 anos cogitou desistir da edição deste ano, mas voltou atrás quando soube da edição digital. “(A pandemia) quase me fez desistir da prova”, contou o estudante.>
Em sua segunda tentativa no vestibular, João viu a nova versão como uma oportunidade. Ele explicou que sentia uma “compatibilidade maior” com uma edição digital. O rapaz ainda declarou que estava cansado da versão totalmente escrita do Enem. “Saía exausto da prova”, concluiu.>
Diferente de edições anteriores, a prova digital teve uma baixa adesão. Poucos carros, movimento na rua e poucas pessoas esperando em frente aos portões. Uma das pessoas que estava lá era Ednalva Santos de Oliveira, mãe de uma das vestibulandas. A senhora ainda ficou parada em frente ao portão mesmo depois de sua filha, Jaciara, entrar. Ednalva, que parecia estar ansiosa, contou que a jovem de 19 anos resolveu fazer a prova digital para experimentar. “Ela tá nervosa, mas é importante tentar”, afirmou a mãe.>
Assim como Jaciara, Luisa Oliveira também estava lá para experimentar essa nova roupagem da prova. Com 17 anos, a jovem fez a prova pela primeira vez e optou pela versão digital para “sair do normal”. Luisa também estava acompanhada de sua mãe, Lygya. A mãe da vestibulanda contou que apoiou a escolha da filha em fazer essa versão do Enem. Ela também garantiu que sabe dos problemas enfrentados pelos estudantes nesse momento. “Estou fazendo aula online e sei das dificuldades”, afirmou.>
Assim como as duas meninas, Lucas Oliveira também decidiu fazer a versão digital para experimentar. O jovem de 22 anos viu o novo formato como uma oportunidade de ingressar no sonhado curso de psicologia. Lucas, assim como João, acredita que a prova seria menos cansativa. “Não precisa daquele desgaste”, declarou. Ele ainda comenta que investiu seu tempo estudando mais questões sobre atualidades. “Como seria digital, pra mim o tema da redação teria algo com atualidades”, explicou.>
Diferente dos vestibulandos que fizeram a prova valendo uma vaga no curso desejado, ainda há quem faça o Enem para testar seus conhecimentos. O concurseiro, Lucas Gomes Praia, contou que costuma fazer a prova para testar seus conhecimentos. Ele falou que a curiosidade o motivou a escolher fazer a edição digital. “Queria só conhecer mesmo”, afirmou.>
Professores e educadores também são outros inscritos nas provas. Educadores, como Ademar Celedônio, encaram o desafio de fazer o Exame para direcionar melhor o seu trabalho. O diretor de Ensino e Inovações Educacionais da plataforma de Educação SAS contou sua experiência sobre a prova. O educador contou que teve algumas surpresas nas provas linguagens e ciências humanas, mas que o Exame seguiu o padrão de sempre. “Fiquei surpreso com algumas questões, mas não foi muito diferente do que conhecemos”, afirmou. Ele também destacou o nível de interatividade das questões com as possibilidades do computador.>
Futuro do Enem A versão digital do Enem é resultado de um plano do MEC para tornar, a médio prazo, a prova inteiramente digital. As circunstâncias do mundo pandêmico apenas fizeram esse objetivo ser posto em prática. Ao refletir sobre o impacto da implantação de uma versão digital, Ademar afirma que infraestrutura e formação de digital são os pontos principais para essa transição. “Sem infraestrutura, não vai funcionar”, garante o educador. Ele também reforça a importância da capacitação digital dos docentes. “É preciso investir na formação do professor em mídias digitais, para que ele forme o estudante”, conclui.>
Diferente do que se pode imaginar, a prova digital não aconteceu graças ao coronavírus. Antonio Gouveia afirma que esse teste “não é por conta da pandemia”. O coordenador do curso de Pedagogia e da Pós Graduação em Educação da Unifacs explica essa escolha do MEC como um teste. Ele pondera as possibilidades de uma prova digital e declara que esse acontecimento será “uma grande conquista” no setor da educação.>
O pedagogo, no entanto, concorda com Ademar nos desafios deste projeto. De acordo com o mestre, especialista em Psicologia da Educação, o Enem enfrentará alguns entraves ao longo do processo de transição da prova física para a digital. A falta de infraestrutura, o remanejamento do orçamento público e as diferentes realidades das regiões são alguns dos desafios citados.>
A maior preocupação de Antonio está nos estudantes. “Não temos estudantes incluídos digitalmente para fazer uma prova dessas”, declara. O pedagogo traz a falta de inclusão digital de interiores e regiões menos privilegiadas para ilustrar o problema. Além disso, ele também lembra que uma prova digital demanda uma tolerância fisiológica completamente diferente. “Ficar na frente de um computador por mais de quatro horas para fazer uma prova é um desafio”, explica.>
Tanto Ademar, quanto Antonio acreditam que essa transição do Exame irá interferir diretamente no sistema educativo do país. O mestre em Pedagogia pondera que “o Enem digital deve balizar os modelos de ensino.” Ambos reforçam que isso trará uma mudança no campo da educação e que essa não será uma missão fácil. “É um processo delicado”, garante Ademar.>
Redação Lucas Oliveira, que apostou numa temática atual, parece ter pensado no caminho certo. Apesar de não ser algo novo, o tema da redação mantém uma pauta do cotidiano brasileiro. Pensar nas desigualdades entre regiões do Brasil é refletir sobre a própria aplicação de uma prova digital, como explica Ademar. Apesar do direcionamento dos textos de apoio, o educador comenta que “é impossível não pensar sobre a própria existência da prova.” >
O jornalista e professor de redação do ensino médio e pré-vestibular Lucas Rocha ficou contente com as discussões propostas pelo Exame deste ano. “Um tema muito bom para coroar essa edição do Enem”, declarou o professor. Ao pensar em seus alunos, Lucas acredita que eles podem ter se surpreendido com a redação. “Apesar de ser um tema simples, os estudantes vão receber (o tema) um pouco assustados”, explica.>
O professor conta que o processo de preparação para seus estudantes se manteve o mesmo. “A estratégia não muda porque, no Enem digital, a redação continua sendo escrita”, declara. Lucas afirma que suas indicações foram as mesmas: fazer a redação no meio da prova e ter atenção ao tempo - a diferença é que, dessa vez, o computador estava no processo. “Como tem o manuseio do computador, tem que se ter um cuidado com o tempo”, concluiu.>
O professor de redação chama atenção para um detalhe do tema: ele próprio já admite que existem diferenças entre as regiões e era a partir daí que os estudantes precisam refletir. Lucas relembra que “um dos principais desafios para lidar com essas diferenças é a questão econômica", mas ele reforça a necessidade de ampliar a discussão. O professor lembra das questões culturais e religiosas como bons pontos para explorar. Ao pensar nos contextos atuais da pandemia, Lucas Rocha pensa acontecimentos recentes no Amazonas, Amapá e Ceará. Ele afirma que esses momentos críticos “mostram como as regiões Norte e Nordeste estão mais fragilizadas.”>
*com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier>