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A Paris sem fim que Laurent não viu

  • Foto do(a) author(a) Paulo Sales
  • Paulo Sales

Publicado em 20 de janeiro de 2020 às 05:00

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: .

Hemingway definiu Paris como uma festa móvel, onde foi “muito pobre e muito feliz”. Naqueles loucos anos 20, a capital francesa era o Éden de norte-americanos expatriados: libertária, culta e acima de tudo barata. Mas prefiro a definição do espanhol Enrique Vila-Matas, para quem Paris não tem fim. Mais do que uma cidade grande, é uma cidade que se desdobra em muitas outras, a cada ruela, esquina ou bistrô.

Paris, portanto, não tem fim porque não é uma só. Flana-se por ela tanto no espaço quanto no tempo. Caminhamos pela Paris de Edgar Morin, hoje quase inexistente, mas vívida em suas memórias. Pela de James Baldwin, com suas bibocas encardidas e sua alma notívaga. Pela de Cortázar, onde La Maga será vista eternamente no Pont des Arts, à espera de Horácio.

Talvez existam cidades mais bonitas – Veneza é uma delas – mas nenhuma é tão mítica e glamourosa quanto Paris. Mas deixemos o glamour de lado. O que interessa é a Paris genuína, às vezes suja, outras inóspita e insegura. Aquela dos amantes de Pont-Neuf, clássico moderno de Leos Carax, onde um casal de outsiders se amava na ponte mais antiga da cidade, que fica na ponta da Île de la Cité.

É uma das minhas vistas preferidas: quando saímos do Tuileries em direção à Notre-Dame e nos deparamos com aquele navio imponente de concreto pairando sobre o Sena. Paris é um sonho. Para mim e para tantos outros que amam cultura, história, beleza e arte, além do frívolo e imensurável prazer de comer e beber bem.

Era um sonho também para Laurent Barthélémy, garoto de 14 anos da Costa do Marfim, cujo corpo foi encontrado semana passada junto ao trem de pouso de um avião da Air France, no aeroporto Charles de Gaulle. Para ele, Paris teve fim antes mesmo de ter início. Laurent não era um refugiado, não tentava escapar de uma situação de violência ou penúria extrema no seu país. Tinha família estruturada, estudava e era um garoto bem-comportado.

Segundo os colegas, sonhava conhecer a Europa e um dia morar lá. Sobretudo, sonhava olhar de perto a torre Eiffel. No último dia 6, em vez de ir para a escola, foi até o aeroporto de Abidjan e entrou clandestinamente no compartimento do trem de pouso, que não é pressurizado e onde as temperaturas podem chegar aos 50°C negativos lá em cima.

Laurent levou ao extremo o seu sonho. Provavelmente sabia o quanto o fato de pertencer a um país pobre africano tornava difícil viabilizá-lo. Mas provavelmente não sabia que sonhos não se realizam a qualquer custo. Aos 14 anos, mal temos noção do que nos cerca, e o mundo é um negócio enorme e assustador.

Nessa idade, como Laurent, eu também queria desbravá-lo. Ansiava por ver, sem o filtro de papel das páginas de um livro, a estupenda beleza de cidades como Paris. Por falta de opção, dinheiro e coragem, acabei esperando décadas até acertar contas com meus sonhos. É possível que Laurent – sozinho, morrendo de frio e sem respirar direito – tenha se arrependido da viagem sem volta. Agora já não importa, mas é uma pena. Meninos sonhadores como ele merecem a dádiva da vida e o prazer de desfrutá-la.