A telenovela morreu? Viva a telenovela

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  • Kátia Borges

Publicado em 9 de fevereiro de 2020 às 05:00

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Amor de Mãe, novela de Manuela Dias, escapole das soluções fáceis e dá um nó na audiência (foto/tV Globo/divulgação) A estrutura do folhetim costuma ser comparada a uma receita de bolo. De vilões, mocinhas e filhos trocados é feita a massa básica das tramas televisivas. Abduzida dos dramalhões radiofônicos cubanos, sua fórmula prevalece em enredos diversos, desde 1951, quando a primeira telenovela brasileira, Sua vida me pertence, entrou no ar na Tupi, com Walter Foster revezando-se nos papéis de autor, diretor e ator.

Alterar os ingredientes é, quase sempre, correr o risco de fazer o bolo solar. Ao assistir os capítulos iniciais de Amor de mãe, que começou a ser exibida em novembro do ano passado, senti falta de uma mexida mais forte, capaz de colocar o drama fora da fôrma. Afinal, estava tudo ali, aparentemente intocável. A história de Lurdes (Regina Casé) e a busca pelo filho perdido davam o tom das cenas dos próximos capítulos.

A expectativa era maior por se tratar da estreia da baiana Manuela Dias no gênero em horário nobre. O excelente texto da autora, aliado à direção segura de José Luís Villamarim, que já conhecia da série Justiça, exibida em agosto de 2016, emprestam de cara um selo de qualidade a qualquer produto. Mas é acompanhando o desenvolvimento do enredo, em paralelo aos comentários na mídia e às oscilações no Ibope, que dá para sentir o movimento vigoroso que atravessa a falsa obviedade de Amor de mãe.

Aquela primeira impressão, admito, não resistiu por muito tempo. A despeito de seu título folhetinesco, e de sua estrutura aparentemente tradicional, a novela de Manuela Dias escapole das soluções fáceis e dá um nó na audiência, ao borrar a empatia por seus personagens. Não há vilões ou mocinhos. A opção por não demarcar o espaço da vilania, bem como a entrada e saída de personagens, em ações pontuais que movem a trama, dão a sensação de que se está vendo apenas partes de um quebra-cabeças.

Até parece fácil montar, mas nem sempre o encaixe é perfeito. Um artifício de que gosto em Amor de Mãe é o uso do flashback. Fiquem ligados na sequência do incêndio em que Telma (Adriane Esteves) salva o filho. Escrever, já dizia Clarice Lispector, pede coragem. Em 1967, um terremoto varreu de cena 90% do elenco de Anastácia, A Mulher Sem Destino. A trama, escrita pelo ator Emiliano Queiroz, o Dirceu Borboleta de O Bem Amado, naufragava em audiência.

Adaptação de um folhetim francês, com supervisão da cubana Glória Magadan, a novela marca a chegada de Janete Clair à Globo. O desafio da autora, que havia estreado em 1963, na TV Rio, com Nuvem proibida, era colocar o drama, protagonizado por Leila Diniz, nos eixos. O novo enredo, com apenas sete personagens, funcionou tão bem que, ao longo de 28 telenovelas, Janete Clair se tornou a dama da teledramaturgia nacional.

Cinquenta e três anos depois, nossas histórias e sotaques – muitas vezes, sofríveis – têm dado o tom de folhetins que circulam pelo mundo e conquistam prêmios internacionais. E ainda há quem diga que a teledramaturgia brasileira está na pior. A telenovela morreu? Viva a telenovela. Amor de Mãe mostra que o gênero resiste.