A única reforma que interessa neste momento é a Reforma Feriadística

Futura santa, Irmã Dulce já pede uma data; Consciência Negra continua na fila

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  • Da Redação

Publicado em 26 de maio de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

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A melhor forma de saber quais meses do ano tem 31 dias é fechar a mão e, repassando mentalmente o calendário, contar a base dos dedos e suas lacunas. Assim aprendi com meu pai. Onde tem o calombo dos ossinhos é mês com 31 dias. Onde não há, é mês com 30 ou até 28 (no caso de fevereiro não bissexto).

Acabei de fazer uso deste método infalível e, portanto, posso garantir com 100% de segurança que temos exatamente sete meses do ano com 31 dias. São eles: janeiro, março, maio, julho, agosto, outubro e dezembro. Em Salvador, todos estes meses têm, pelo menos, um feriado pra quebrar a maratona da labuta. Todos, menos um: agosto. "Tudo bem contigo?" (Foto: Acervo Osid) Não é culhuda e nem birra com pessoas nascidas com o Sol em Leão. Se janeiro tem o Dia Internacional da Paz (ou da Ressaca, como preferirem); março, muitas vezes, herda o Carnaval; maio tem Dia do Trabalhador; julho, a data da Independência do Brasil na Bahia; outubro, o dia 12, e dezembro, o Natal... Agosto é o pleno deserto e seus temores. No entanto, pela ação de um anjo, eis que um milagre desponta como solução para corrigir esta distorção absurda. Após o reconhecimento do segundo milagre pela Igreja Católica, muito em breve, o Papa Francisco vai proclamar Irmã Dulce como a “Santa Dulce dos Pobres”.A data mais cotada para a celebração do Anjo Bom da Bahia é o 13 de agosto (viva!). Isso porque foi exatamente nesta data, em 1933, que Dulce, ainda Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes, aos 19 anos, recebeu o hábito de freira em Sergipe e adotou o nome da mãe para sua caminhada de fé.Tudo certo na Bahia. Dulce corretamente homenageada e o problema dos feriados plenamente resolvido. Mas não é bem assim que a banda toca. 

Barreira Por conta de um impedimento, este de ordem mundana, a gente, ainda, não sabe da missa nem a metade. Pela Lei 9.093/1995, sancionada por Fernando Henrique Cardoso, há um limite de feriados a serem ocupados durante um ano. Ou seja, para um novo feriado entrar, necessariamente, algum velho precisa sair.

Em Salvador, hoje, temos 13 feriados. Destes, oito são federais. E são muito mais difíceis de mexer (Dia Internacional da Paz, Tiradentes, Dia do Trabalhador, Independência do Brasil, Nossa Senhora Aparecida, Dia de Finados, Proclamação da República e o Natal). Temos apenas um feriado estadual. O 2 de julho, nossa data magna e tema do Hino da Bahia.Em Salvador, por incrível que pareça, o Carnaval não é feriado (apenas ponto facultativo), mas Corpus Christi, sim. É feriado municipal, bem como o São João, 24 de junho, e também o 8 de dezembro (Conceição da Praia, padroeira da Bahia).A lei de 1995 pontua que podem existir apenas quatro feriados religiosos, sendo que um deles precisa ser obrigatoriamente a Sexta-Feira da Paixão.

Nota rápida: nosso estado se diz laico, mas todos nossos feriados religiosos são católicos.

Na fila Agora, segue o baba porque nesse exato momento nos damos conta que Santa Dulcinha está realmente em apuros. Valei-me! A primeira santa nascida no Brasil – nascida em Salvador, em maio de 1914, e enterrada nesta mesma capital, em março de 1992 – caso não haja nenhum terceiro milagre a interceder na burocracia legislativa, corre o risco de ser preterida por aqui e, vejam só, virar o ‘Anjo Bom’ em Altinópolis (SP), Corumbá (MS) ou Guarapuava (PR), três cidades que, por sinal, têm o feriado no Dia da Consciência Negra.

Pois, sim. Na capital mais negra do Brasil, o 20 de novembro também não é feriado. O Dia da Consciência Negra é dia de folga em 1.260 cidades brasileiras, incluindo municípios em estados nos quais a influência africana foi muito menos decisiva na formação cultural.

Na Bahia, é feriado em Alagoinhas, Camaçari e Serrinha. Em Salvador, e demais cidades do Recôncavo, não. Percebe a urgência de uma Reforma Feriadística? E a gente perdendo tempo com discussões menores nesse Congresso de Meu Deus. 

Mas quais? O Corpus Christis já foi uma festa de largo muito popular pelas bandas de cá, mas lá pelo Século XIX. Desculpe a rudeza, mas já passou da hora de subir a placa. Sudesb informa: sai Corpus Christis, entra Consciência Negra.E Nossa Senhora da Conceição, hein? Calma, sei que é uma data importante. Quem fala aqui não é nenhum herege, não (sou batizado e comungado). Sei que é nossa padroeira. Mas Maria não é uma só? Com vários nomes para homenagear suas muitas venturas? Pois bem, já temos Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, no 12 de outubro. Não dá pra Santa Dulce cavar essa vaguinha nessa escalação final, não? Pensem com carinho.Obviamente que, mesmo na ausência da folga, nada impede que ainda assim o dia seja de reverências, celebrações e homenagens. O Movimento Negro, por exemplo, organiza um calendário de atividades para todo o mês de novembro, independente da suspensão das atividades regulares. 

Há quem defenda, até, que feriados subvertam datas importantes. A homenagem vira praia, churrasco, come-água na véspera, boréstia na frente da televisão e necas de prestígio praquilo que se promove. "Toque, toque, DJ!" (Foto: Acervo Osid) É um argumento válido, embora seja também inegável o peso dado a uma data quando, por ação direta do poder público, interrompemos nosso cotidiano para reservar um dia especial a uma ocasião solene. 

E a gente sabe também que, mesmo dias que não são dedicados à ociosidade oficial, viram datas especiais no calendário baiano. Santa Bárbara, Senhor do Bonfim e Iemanjá que o digam. 

Na falta do feriado, somos misteriosamente acometidos por alguma terrível enfermidade, e oramos para o único santo possível neste momento: Nosso Senhor do Atestado Médico.

Portanto, não restam dúvidas que Santa Dulce dos Pobres será celebrada por aqui com ou sem feriado. Mas, só pra reforçar os argumentos, o 13 de agosto desse ano (eu já olhei na folhinha) cai numa terça-feira. Dá até pra enforcar a segunda.

Bem-Aventurado Seja esse Feriado de Agosto.