Alta taxa de transmissão e ausência de isolamento explicam salto de casos ativos

Bahia bate a marca de 10 mil casos ativos de covid; número não era alcançado desde junho de 2021

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  • Carolina Cerqueira

Publicado em 19 de janeiro de 2022 às 05:15

- Atualizado há 10 meses

. Crédito: Divulgação/Sesab

Quem abriu o Google nessa terça-feira (18) se deparou com o recado: “Vacine-se. Use máscara. Salve vidas”. A configuração apareceu no mesmo dia em que a Bahia ultrapassou o número de 10 mil casos ativos de covid-19. São exatos 10.980 infectados, uma marca que não era obtida desde 13 de julho de 2021, quando foram 11.055 registros. No boletim do dia anterior (17), eram 10.054 casos. O ano virou, mas, ao contrário do que parecia, a pandemia continua em pauta e, inclusive, trazendo números cada vez mais alarmantes. Mas, afinal, o que esses números dizem e em que fase está a pandemia?

De acordo com dados da Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab), a curva de casos ativos estava em estabilidade desde o mês de agosto e voltou a subir desde os últimos dias de dezembro do ano passado. De lá para cá, a escalada foi acelerada. No dia 27 de dezembro, eram 1.675 ativos. No dia 1º de janeiro, 1.830 (aumento de 9,2%). Já no dia 6, eram 2.756 (aumento de 50,6%). No dia 11, o salto foi ainda maior: 5.493 (aumento de 99,3%). (Gráfico: Divulgação/Sesab) A bacharel em Direito Maria Beatriz Felloni, 24 anos, entrou para a estatística. Ela não conseguiu escapar dessa nova onda de contaminação. Os sintomas começaram no dia 14 de janeiro, com cansaço, dores no corpo e dor de garganta. “Eu sempre tive todo o cuidado, só estava indo para o trabalho, então acho que peguei lá”, diz.

Maria Beatriz fez o teste na última segunda (17), mas, por conta da alta procura, não foi tão fácil realizar o exame. “Passei por umas três farmácias até conseguir. E ainda entrei como atendimento extra. A fila estava enorme”, conta. 

O publicitário e diretor de conteúdo do site Alô Alô Bahia, Rafael Freitas, 34 anos, conta que só teve inflamação na garganta e que, se não tivesse feito o teste no dia 6 de janeiro, ficaria em dúvida. Ele foi infectado agora pela segunda vez; a primeira foi em setembro de 2020. “Estava seguindo o isolamento e todos os protocolos, mas, após a vacinação, voltei a sair e rever familiares e amigos”.

Para o virologista Gúbio Soares, que é pesquisador e professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba), os números da covid podem estar sofrendo uma subnotificação. “Os números podem ser ainda maiores. Tem muita gente que não está procurando atendimento médico, principalmente porque a maioria está com sintomas leves”. 

O virologista Gúbio Soares diz que o alto número de casos ativos se explica pela combinação de uma alta taxa de transmissão e a ausência de isolamento.“Estamos com uma onda de aglomerações desde o final do ano por conta das festas. As pessoas estão saindo, os barzinhos estão lotados. Isso é um prato cheio para a Ômicron, que tem maior poder de transmissão. Essa variante se espalha mais rapidamente de uma pessoa para outra. Aí quem pega vai trabalhar, seja sem sintomas ou com sintomas leves achando que não é covid, e passa para as outras pessoas”. Por conta do aumento do número de casos, a Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab) está adotando a estratégia de aumento das testagens. Na última sexta (14), 340 mil testes rápidos chegaram ao estado com o objetivo de monitorar a situação epidemiológica e auxiliar os gestores na tomada de decisão sobre o avanço da pandemia.

“Já estávamos recomendando a testagem massiva durante toda a pandemia, com esse aumento no número de casos ativos, o cuidado precisa ser redobrado. Agora, o rastreamento será ainda maior. A população precisa continuar colaborando para que a gente possa vencer essa batalha. Os números deixam claro que a pandemia ainda não acabou”, destacou a secretária da Saúde da Bahia, Tereza Paim. 

A boa notícia é que, de acordo com a Sesab, devido ao avanço da vacinação, os números de internação e mortalidade não estão acompanhando o número de casos ativos. A taxa de mortalidade era de 23,40 em março de 2021, por cada 100.000 habitantes. Atualmente, a mesma taxa está em 0,64. A taxa de internação também em março de 2021 chegou a 7.960 e agora está em 325. “Estamos diante de um cenário de maior espalhamento do vírus, sim. Porém, com indicadores mais favoráveis”, diz a pasta.

Qual é o nível de alerta?

Em 11 de janeiro, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) afirmou que, embora a doença ainda esteja em fase de pandemia, a disseminação da variante Ômicron transformará a Covid-19 em uma doença endêmica com a qual a humanidade pode aprender a lidar. Mas esse não é um posicionamento unânime.  Ômicron já é variante dominante entre caos de infecção, dizem especialistas (Foto: Divulgação/Sesab) Especialistas alertam que, por enquanto, não é possível flexibilizar os cuidados, ou seja, ainda é preciso evitar aglomerações, usar máscaras e higienizar as mãos. Nesta terça (18), o diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhan Ghebreyesus, declarou em entrevista coletiva que a pandemia “está longe de acabar”.

O diretor descartou categoricamente a ideia de a variante Ômicron, que se espalha rapidamente pelo mundo, seja benigna e signifique o fim da pandemia. “Não se enganem, a Ômicron causa hospitalizações e mortes”, disse Tedros Adhan Ghebreyesus, que ainda alertou para a possibilidade de surgimento de novas variantes.

O professor e pesquisador Gúbio Soares concorda. “Não podemos dizer que é o fim da pandemia; isso pode muito bem ser o começo de uma nova pandemia, com o aparecimento de uma nova mutação gerada pela Ômicron. Quanto mais o vírus se multiplica no ser humano, maior a chance do surgimento de uma nova variante. Mas pode haver ainda o estabelecimento de uma cepa que vai permanecer por muitos anos entre a gente, como o vírus da influenza, por exemplo. Nesse caso, vamos ter que ter uma vacinação uma vez ao ano para evitar surtos constantes de covid”.

O coordenador do portal Geocovid, Washington Franca-Rocha, ainda cita a dificuldade que pesquisadores estão enfrentando em realizar projeções devido ao apagão de dados do Ministério da Saúde após o ataque hacker. "Desde dezembro, com o apagão de dados, a ferramenta de projeção de dados do Geocovid deixou de ser processada. Faltaram dados dos municípios e os que estão retornando informam dados represados, que não servem para modelar. Estamos estudando alternativas".

A Ômicron está entre nós

Na última quinta (13), o Lacen Bahia divulgou que, dos 3 mil exames analisados entre 1º e 12 de janeiro, foi registrado um aumento de 234% na positividade dos testes para covid. A última vez que o estado atingiu essa marca foi em outubro de 2021. “A gente vê hoje que o percentual tem se elevado diariamente e isso atribuímos a essa nova variante Ômicron, o que é muito preocupante. Tínhamos índices baixos de positividade, mas agora já estamos vendo um reflexo de um novo cenário epidemiológico no estado”, alerta a  coordenadora Técnica dos Laboratórios de Vigilância Epidemiológica, Felicidade Pereira.

O virologista Gúbio Soares destaca que é a Ômicron que explica o alto número de casos ativos, justamente pela sua facilidade de contaminar as pessoas.“A Ômicron sofreu mutações na proteína Spike; foram 32 novas mutações. Isso deu a ela essa característica de transmissibilidade mais rápida em relação às outras variantes, como a Gama e a Delta”, afirma Soares. A estudante Janaína Veiga, 23 anos, está vivendo de perto as consequências dessa alta transmissão. “Estive com uma amiga no dia 11 que testou positivo. No dia 13, eu e meu irmão já estávamos com sintomas, como tosse e coriza”. A família fez o teste na segunda (17) e todos tiveram resultado positivo: Janaína, o irmão, o pai e a mãe. 

Gúbio Soares ainda reforça que a variante já é dominante em Salvador e na Bahia em relação às demais variantes. Um estudo feito com amostras de 11 de janeiro para cá indicou que 97% delas eram da nova cepa. A pesquisa foi conduzida junto à professora da Ufba, Silvia Sardi, e a a profª Marta Giovanetti, pesquisadora visitante da Fiocruz, no laboratório de Virologia ICS/UFBA.

Gúbio explica que foram selecionadas aleatoriamente 35 amostras entre 180 colhidas por ele, de pessoas contaminadas de diferentes bairros e classes sociais. No total, foram utilizadas 32, e entre elas 31 foram identificadas como da nova cepa. A outra era da variante Delta. 

O boletim epidemiológico desta terça (18) divulgado pela Sesab apontou que do dia 17 para o dia 18 foram computados 3.918 casos de Covid-19 (taxa de crescimento de +0,30%), 2.394 recuperados (+0,19%) e 23 óbitos. Dos 1.294.269 casos confirmados desde o início da pandemia, 1.255.594 já são considerados recuperados e 27.695 tiveram óbito confirmado. A taxa de ocupação geral de leitos covid na Bahia está em 59%. Em Salvador, o número está em 72%.