Amarga e quente, cerveja demorou a 'pegar' na Bahia, no século 19

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  • Nelson Cadena

Publicado em 17 de maio de 2019 às 03:36

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Durante mais de um século, os baianos beberam clandestinamente as cervejas oriundas da Alemanha e Dinamarca e, a partir de 1808, com a abertura dos portos, também as cervejas inglesas, que dominaram o mercado por várias décadas. Quando o contrabandista Thomas Lindlay, natural desse país, andou por Salvador, na sua estada compulsória de mais de um ano, narrou no diário de viagem o jantar do qual participou num mosteiro da cidade, que pela descrição parece ser o de São Bento, e contou que bebeu à vontade: “cerveja de Londres, clara e outra do tipo porter”.

A cerveja, durante séculos proibida na Colônia, demorou a ter acolhida na Bahia, onde se bebiam vinhos e aguardente, e os mais pobres a popular gengibirra fabricada na base de gengibre, farinha de milho, limão e água.  A cerveja chegava no Porto de Salvador em barricas para depois ser engarrafada e, no processo, parte dela adulterado por taberneiros desonestos. Esse círculo vicioso do consumo das importadas começou a mudar com a iniciativa de um boticário, Agostinho Dias Lima, morador de Itapagipe, que em 1835 fundou em Montserrat uma fábrica artesanal de cerveja. Durou pouco, tanto que o Almanak da Província de 1845 não relaciona nenhuma fábrica do gênero na cidade.

Dias Lima transformou a sua fábrica de cerveja em uma fábrica de sabão e de produtos químicos e farmacêuticos em sociedade com amigos e parentes, três empresas se originaram dessa iniciativa: Farmácia Dias Lima, Drogaria Central e Fábrica da Jequitaia. Ainda em Itapagipe, surgiu a segunda fábrica de cerveja de Salvador, propriedade de Colatino Marques de Souza, que o Almanak de 1872 nos informa ficava no Porto do Bonfim. Não sabemos quando surgiu, nem quando fechou, mas parece ter sido um estabelecimento pequeno.

A primeira fábrica de cerveja baiana de porte e prestígio surge entre 1875 e 1876, denominada Fábrica de Cerveja São Salvador, localizada na Ladeira do Baluarte, 27, próxima de Água de Meninos.  Funcionava em um sobrado pertencente à Congregação dos Órfãos de São Joaquim; pegou fogo em 1878, mas continuou a produção. A cervejaria pertencia a uma mulher, Joana Angélica da Conceição. Fabricava cerveja branca, que vendia no varejo a 320 reis a garrafa, e cerveja preta que vendia por 380 reis a unidade. Como outros fabricantes de seu tempo, propagava os supostos benefícios de seu produto: aliviava “as moléstias do estômago e os sofrimentos da bexiga”.

Em 1881 é inaugurada na Rua do Arsenal da Guerra, próxima de Água de Meninos, a Fábrica de Cerveja Cruz Vermelha, pertencente a Antônio Theodoro Coelho. Mais tarde, entre 1888 e 1889, surge na Rua do Rosário, em Itapagipe, a Fábrica de Cerveja Águia Americana com três linhas de produção: cerveja branca, preta e mulata. Pela mesma época é instalada na Rua Carlos Gomes, 71, a Fábrica de Cerveja São Jorge, propriedade de C. Thyrso & Cia. Todos os fabricantes faziam questão de declarar a autenticidade do produto, supostamente fabricado com cevada moída e lúpulo, diferente dos que usavam na sua composição coca, cravo da índia, nox vômica, dentre outros ingredientes.

Em todo caso, legítimas ou não, brancas ou pretas, em garrafa ou em barril, os baianos bebiam cerveja amarga e quente. Não existiam geladeiras, nem outras formas de refrigeração, assim foi até a década de 1930. As cervejas paraenses foram nossas concorrentes por décadas, garantia de qualidade, assim como as procedentes do Sul do país: Bohemia, Brahma e Antarctica, popularizadas através dos anúncios das revistas. Do mesmo jeito, amargas e consumidas quentes. Não dá para imaginar!