Amor de Mãe e o cuidado pra não desinformar 

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  • Flavia Azevedo

Publicado em 20 de março de 2021 às 15:00

- Atualizado há um ano

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(No capítulo da novela Amor de Mãe, dessa sexta (19), entre o conteúdo e os créditos, pela primeira vez, surgiu uma tela preta com o aviso sobre a possibilidade de reinfecção por covid-19, um dos pontos tocados no texto abaixo. Outra coincidência foi a utilização de uma das "soluções sugeridas" neste mesmo texto. Decidimos por postar o artigo, escrito antes de o capítulo ir ao ar, da mesma maneira que foi publicado na versão impressa do Jornal Correio. Neste parêntese, no entanto, vai o registro e reconhecimento da ação positiva. Cabe, agora, avaliar se essa ação é suficiente ou se outros recursos, de maior alcance, devem ser utilizados. O momento é dramático e será uma pena se o incômodo comportamento dos personagens, em relação à pandemia, assumir lugar de protagonista nesse belíssimo trabalho. Isso pode acontecer, pelo andar da carruagem. Sim, é um desafio. Soluções chegarão, mas é necessário acolher o problema e pensar.)

Agora, pra mim, está claro que a nova fase da novela se passa no início da pandemia. Isso porque Lurdes reclama de lavar as compras (hoje, nos acostumamos ou pulverizamos com álcool 70) e acha que o filho está imune porque "tu já teve teu covid". A moça que paquera ele também diz que já teve e se sente segura, tanto que ambos tiraram as máscaras pra comer aquele barco de comida japonesa (gente, comida crua não tem como esquentar!) que dividiram no chão da sala. Daí, teve beijo, de boaça.

(Não haviam sido descobertas as reinfecções, hoje comuns e mais graves.)

Outro sinal é que muitos personagens usam máscaras de tecido e teve aquela cena antiga de Lurdes costurando, lavando, pendurando no varal. No tempo da novela, ainda não havia a recomendação de PFF2/N95 e cirúrgicas, sendo estas para situações com baixa probabilidade de infecção. Vladimir tira a máscara pra papear com Nanda Costa, também desmascarada, tomando uma cerveja juntos, no galpão. Rostos igualmente desnudos no papinho de despedida enquanto ela espera o taxi no qual entra, em seguida, e se debruça na janela baixa, quase lambendo a parte do vidro onde toca sem pudor. 

Em outra cena, a sereia, que agora é enfermeira, volta a trabalhar no hospital e se paramenta direitinho. Menos pelas unhas postiças imensas nas luvas (consultoria, pelamordedeus) e pelo super close na KN95 que apareceu, na mesma noite, no Jornal Nacional, como inadequada para uso hospitalar. No episódio anterior, a mesma sereia chegou na casa dos sogros nervosa (tinham sequestrado o boy dela), sem máscara (ela é enfermeira) e gritando bastante, com a cara toda breada de choro, cuspindo milhões de perdigotos em Taís Araújo que apenas tomou a providência de mandar a nora tomar banho. Sereia entra na casa - sem tirar os sapatos - e depois aparece de máscara no sofá. Depois.

Isso tudo (e mais muitos outros detalhes) me fez concluir que a nova fase de Amor de Mãe é "de época", da época em que essa porcaria de pandemia começou. Outro dia teve até a descoberta dos aplicativos de compras, com um merchandising bem colocado. Mas é sutil, sabe? Eu tive que prestar atenção, por exemplo, depois de ouvir - do moço que eu queria estar beijando, mas agora não dá - que talvez fosse uma retrospectiva e tal. Concordei, mas fiquei pensando que se ele "acha", se eu preciso prestar atenção pra concluir e as pessoas com quem comentei não tiveram certeza... aprendi com Isabela Larangeira que "se alguém não entendeu, melhore seu texto". E é o caso.

A novela é a melhor dos últimos tempos, disparado. Manuela, a autora, passou por uma situação que jamais poderia imaginar. Interromper gravações, redirecionar trajetórias. Imensos desafios também no set com PCRs, isolamento de atores e atrizes e, até, barreiras transparentes para uso em cena foram providenciadas. Meu respeito total. Mas é preciso pensar que, para determinada parcela da população, novelas influenciam mais do que o Jornal Nacional. Que as pessoas copiam figurinos e comportamentos, que se sentem "informadas" (foco nas aspas) pelo modo de viver de personagens. Você sabe que é verdade e eu acho que essa marcação de passagem de tempo é sutil demais para um momento tão grave.

A autora disse que a covid não sequestrou a novela, ou algo assim. Claro. Por isso, anda tão interessante. Para o grande público, é a primeira trama, que eu saiba, que se desenrola na pandemia sem que ela seja o assunto central. O caminho foi incorporar as circunstâncias, tanto na produção quanto no conteúdo. Talvez por gostar tanto da solução, não me pareça "mimimi" desejar que as circunstâncias estejam explícitas. As gravações são recentes, cronologicamente. Foi há pouquíssimo tempo, mas esse tempo foi suficiente para que o Brasil, especificamente, chegasse a um lugar infinitamente mais dramático do que o explicitado ali. Modos e costumes são outros, já. Ou, pelo menos, aqueles recomendados.

A arte é livre, sabemos, mas quando ela pretende um encontro tão íntimo com a realidade (e é o caso), talvez haja um papel social a cumprir, inevitavelmente. Não faria mal contextualizar de forma clara. Cada espectador precisa saber que estamos em tempos diferentes, nós e a obra. Exatamente porque, diante do novíssimo, o tempo é redimensionado. As descobertas se sucedem em grande velocidade. Só que não é uma reprise, o que deixa sempre cada coisa em seu lugar. Tá confuso. Para o grande público, é agora. Por mais que se atualize, nos próximos capítulos (alguém vai se reinfectar, por exemplo?), o tempo é hoje, e, a cada dia, mensagens são passadas. Talvez seja importante, portanto, aproveitar essa audiência pra explicar (em tela preta, na abertura, onde for) os novos protocolos e dar o recado que todos precisamos ouvir: é hora de muito mais cuidado porque o bicho é bem mais feio do que, na época das gravações, se pensava. Necessário? O meu amor de mãe diz que sim, sem se importar se parece bobo. Nós sempre estivemos no front, mas também nos detalhes.

(PS: desculpe pelo uso dos nomes de atores e atrizes, no lugar de nomes de personagens. Isso é costume de família. Tarcísio Meira e Glória Menezes, por exemplo, nunca foram rebatizados, desde a minha infância, dentro daqui de casa.)