Aniversário em quarentena: Pedra de Xangô completa três anos de tombamento

Comemoração vai ser em forma de lançamento virtual de livro para o público infanto-juvenil

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  • Vinicius Nascimento

Publicado em 4 de maio de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arisson Marinho/CORREIO

Dia de Xangô é dia de Justiça. E a pedra batizada em sua homenagem foi e é um abrigo que faz justiça a seu povo. Desde os tempos da escravidão, quando era literalmente um quilombo onde negras e negros se refugiavam das mãos de senhores de engenho e seus capitães do mato até os dias atuais. Hoje, a pedra não serve mais como moradia, mas segue cumprindo sua função de abrigo e símbolo de resistência para o povo negro.

Nesta segunda-feira (4) completam-se 3 anos do tombamento da Pedra de Xangô. O monumento fica no bairro de Cajazeiras X e precisou esperar oito anos até ser reconhecido como patrimônio. Depois de receber uma negativa do Instituto do Patrimônio Artísico e Cultural da Bahia (Ipac), o espaço foi amparado pela Lei do Tombamento Municipal, sancionada em janeiro de 2017. No entanto o dia de festa será diferente por conta das medidas de isolamento social: desta vez, o tapete branco e o agito dos xequerês não se fará presente.

Um dos líderes de todo o processo que culminou no tombamento, Leonel Monteiro, revela que há um certo ar de frustração em não poder comemorar a data na rua, venerando a Pedra junto a várias casas de candomblé que usam aquele espaço para cultuar seus deuses.

Ele conta que a programação da festa estava a todo o vapor e previa um grande Amalá a ser oferendado a Xangô. Amalá é o nome dado à comida feita para o orixá."O jeito vai ser comemorar cada um em sua casa, mas temos esperança de que em breve estaremos na rua, agradecendo a Oxalá por tudo que nos faz", conta Leonel. Sem poder fazer festa no local, comemorações terão lançamento de livro (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Comemoração O jeito foi encontrar outras alternativas para comemorar a data querida. Historiador e poeta, Walter Passos afirma que preservar a quarentena é a medida mais prudente, até porque a maioria das lideranças do candomblé são pessoas do grupo de risco, com mais de 60 anos.

Walter aproveitará o dia para lançar o livro "Pedra de Nzazi, Xangô e Sogbo", que assina a coautoria junto a Maria Alice Silva. O livro conta a história da Pedra de Xangô para o público infanto-juvenil.

"A ideia é atingir esse público no período de formação, para que entendam desde cedo que os deuses africanos também têm lindas histórias e heroísmo. Sabemos que a formação de nossas crianças ainda é carregada de preconceito e queremos quebrar isso. Por que Thor, que é um deus nórdico, é visto com admiração e Xangô que também é um deus da justiça, não?", questiona.

Com prefácio de Everaldo Duarte - Agbagigan do Terreiro do Bogun - e ilustração de Dayse Gomis, da Arte’s Griot, o livro será lançado nas redes sociais pelos perfis @pedra.de.xangô, @walterpassos21 e @daysegomis.

O público infanto-juvenil tem sido alvo de atividades desenvolvidas pelas entidades envolvidas no resgate da memória e importância da Pedra de Xangô não só para a comunidade de Cajazeiras, onde o monumento está localizado, como também para Salvador como um todo.

Sagrado A Pedra de Xangô tem mais de dois bilhões de anos e foi morada dos índios tupinambás, de negros quilombolas, dos orixás, voduns, Inquices, caboclos e encantados. O monumento, uma formação rochosa de 8 metros de altura e aproximadamente 30 metros de diâmetro, é considerado sagrado pelo Candomblé, mas estava esquecido pela cidade até a pesquisa de mestrado de Maria Alice, que trouxe à tona a história e seu valor para a comunidade.“Salvador tem 471 anos e 83% da sua população é composta de afrodescendentes. Portanto, o tombamento da Pedra de Xangô como patrimônio cultural da cidade nada mais é do que o reconhecimento público da presença, permanência e resistência da cultura e religiosidade afro-brasileira na cidade de Salvador”, declara Maria Alice.Localizada numa área de remanescentes do bioma Mata Atlântica e de Quilombos, a pedra é também Patrimônio Geológico de relevância nacional: será o primeiro parque a levar o nome de um orixá e também o primeiro parque em Rede da América Latina. Pedra de Xangô é considerada primeiro marco identitário do bairro de Cajazeiras (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Presidente da Fundação Gregório de Mattos (FGM), Fernando Guerreiro lembra que a Pedra de Xangô foi o segundo patrimônio tombado pela Lei Municipal. Guerreiro entende que a Pedra de Xangô é o primeiro marco identitário do bairro de Cajazeiras, que começou a surgir em 1977.

"É uma comemoração que a gente deve estar fazendo sempre. O primeiro marco identitário do bairro de Cajazeiras, por ser um bairro recente. Além disso a Pedra tem uma importância histórica para a cultura da cidade e religiões de matrizes africanas. Neste momento de intolerância e tanta confusão, marcar aquilo como um ponto de convergência e referência é fundamental", disse Guerreiro.

Por conta dos desdobramentos d pandemia do novo coronavírus, ainda não há um prazo para entrega das obras do Parque de Xangô, compreendida por Guerreiro como o segundo grande marco identitário de Cajazeiras. A previsão anterior era de entrega no final do ano.

Leonel Monteiro lamenta o atraso na obra, mas entende que é por um bom motivo e, no final das contas, se apega na força de Xangô para seguir esperançoso. Afinal de contas, Xangô é Justiça. E a justiça tarda, mas não falha.

*Com supervisão da chefe de reportagem Perla Ribeiro