Após estiagem, distritos de Porto Seguro ainda enfrentam prejuízos com os temporais

Carros passam com dificuldades na estrada que liga Trancoso a Caraíva, e a previsão é de mais chuva

Publicado em 21 de dezembro de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Associação de Jovens Indígenas Pataxó

Distritos de Porto Seguro, no extremo-sul da Bahia, continuam sofrendo com os efeitos dos temporais. Estradas de acesso não estão totalmente recuperadas, além do escoamento comprometido por conta das chuvas nas cabeceiras dos rios Frades e Caraíva, que banham a região.

Só neste mês já foram registrados 317 milímetros de chuva em Porto Seguro, segundo o  Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), sendo 20 mm só nessa segunda. A quantidade supera o acumulado de chuvas dos meses de agosto, setembro e outubro, de 243 mm. 

O trecho do Vale dos Búfalos, por onde passa a travessia que liga Trancoso a Caraíva - destinos turísticos famosos nacionalmente -, chegou a ficar totalmente alagado, impossibilitando a passagem. A moradora Luiza Braga, que precisou realizar o trajeto ontem, disse que os veículos ainda enfrentam dificuldades devido a pontos de alagamento: “Só carros altos estão conseguindo atravessar. O que me parece é que, se chover mais, a via vai voltar a ficar totalmente interditada.”

Cezar Leite, que é jornalista e morador da região, conta que o estado ainda é crítico, apesar de muitas pessoas estarem se arriscando: “A situação não só nessa, mas em muitas outras estradas vicinais ainda é muito complicada, mas máquinas estão trabalhando para facilitar o tráfego dessas pessoas”. Ele explica que o nível dos rios subiu tanto que acabou atingindo as vias. 

O governador Rui Costa (PT) esteve nessa segunda em Porto Seguro para cumprir uma agenda de compromissos na região, mas teve que retornar para Salvador. “Cheguei a pousar em Porto Seguro, mas o deslocamento para Lajedão e Vereda ficou inviável em razão do tempo instável”, afirmou Rui, no Twitter. Anteontem, a vizinha Eunápolis sofreu com 50 mm de chuva em menos de uma hora e que deixou várias ruas alagadas e uma família desabrigada após uma encosta deslizar sobre um muro.

Luana Andrade, colaboradora de uma pousada em Caraíva, conta que durante o momento mais crítico de alagamento, embarcações foram até o local para facilitar o deslocamento das pessoas, fazendo um esquema de baldeação. “Houve uma organização em que a pessoa ia de van até uma parte do rio, pegava um barco para atravessar a região inundada e depois um outro veículo, do outro lado”, explica. 

A maior preocupação é que justamente agora, quando a região começa a secar, são previstas mais chuvas para Porto Seguro. De acordo com o Inmet, o município ainda será atingido por precipitações isoladas e terá o céu encoberto até sexta-feira.

O dono da fazenda Trevo dos Búfalos, Roberto Cangussu, precisou deslocar 80 búfalos da sua propriedade devido ao alagamento na região, no dia 11 deste mês. Ele conta que, agora que a água está baixando, conseguiu retornar com alguns animais que precisavam de tratamento, mas que, enquanto o capim não crescer novamente, será impossível levar mais animais. “No Vale dos Búfalos, carros altos estão conseguindo passar, aqui no Trevo dos Búfalos já dá para ver os prejuízos, como cercas arrastadas pela enchente, itens levados pela água e capim morto em boa parte da fazenda”, afirma Roberto.  Segundo ele, os reflexos da chuva devem ser sentidos por mais um mês. Com a diminuição do nível dos alagamentos, os prejuízos começam a ficar visíveis no Trevo dos Búfalos  (Foto: Roberto Cangussu/Trevo dos Búfalos) Quem não desiste de visitar a região passa por cima do medo. Pelo menos é o que conta o estudante Pedro Costa, que mora em Belo Horizonte, e foi de carro até Santa Cruz Cabrália com os pais. “O plano era vir para Porto Seguro no dia 17 e começamos a repensar devido às notícias das chuvas, mas acabou que viemos mesmo assim, com a esperança de conseguirmos aproveitar pelo menos um pouco.” 

O jovem conta que a família fez uma viagem tranquila até a praia de Coroa Vermelha, onde estão hospedados em um hotel: “Conseguimos aproveitar dois dias de praia por enquanto. Agora tá chovendo muito, então não vamos sair”. 

Sócio de uma pousada em Caraíva, Felipe Cardoso diz que muitos hóspedes têm preferido chegar ao destino pela estrada que passa pela cidade de Itabela. Apesar de mais longo, o caminho é uma opção para quem não quer correr o risco de enfrentar alagamentos no percurso. Ele afirma que sofreu prejuízos financeiros, com o cancelamento e adiamento de reservas. “Nossa pousada funciona desde 2015 e é a primeira vez que acontece isso.” 

A Secretaria de Turismo de Porto Seguro informou, em nota, que os principais destinos procurados pelos turistas não enfrentam mais problemas por conta das chuvas, assim como os acessos tanto do aeroporto como da rodoviária. Sobre a estrada que vai até Caraíva, no extremo-sul do município, a secretaria confirmou que o rio que transbordou impediu a passagem de carros no Vale dos Búfalos, mas que a água está escoando e que “em breve será possível a passagem de carros novamente”. 

Povo pataxó Para além das regiões que fazem parte do trade turístico do sul da Bahia, territórios indígenas do povo Pataxó também enfrentam dificuldades para se recuperarem das consequências dos temporais. Cerca de três mil pessoas, de 14 aldeias indígenas, chegaram a ficar ilhadas na semana passada no território de Barra Velha. A localidade, conhecida como Costa do Descobrimento, é de grande importância por ser considerada um símbolo de resistência indígena. Integrantes da Ajip levam mantimentos para moradores que ficaram ilhados (Foto: Associação de Jovens Indígenas Pataxó) Emerson Pataxó é co-fundador da Associação de Jovens Indígenas Pataxó (Ajip), que tem feito campanhas para arrecadar e levar mantimentos para a população mais atingida, em conjunto com outras entidades. Ele conta que dezenas de comunidades foram afetadas e ainda estão sofrendo com os temporais, que, segundo Emerson, nunca tinham sido de tanta intensidade.

“Nós aqui fazemos o papel do poder público, o que não deveria acontecer neste momento em que vidas indígenas estão em risco. Estamos muito preocupados, porque a gente não esperava chuva esta semana e agora começou a chover”, afirma Emerson, que reside em Santa Cruz Cabrália. O Centro de Previsão e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Cptec/Inpe) estima que a região vai ser atingida por fortes chuvas até domingo.

Emerson Pataxó também faz questão de destacar que a vulnerabilidade social, que já existe, é intensificada em momentos como esses de calamidade: “A gente tem entrado nessas aldeias e ficado chocado, porque não esperávamos encontrar certas situações dentro do nosso território. São pessoas que não têm o que comer, onde deitar, é uma pobreza extrema”.

O ativista faz um alerta sobre as mudanças climáticas, que ele afirma ser responsáveis pelas alterações no cotidiano da região. “Infelizmente, esse tema não é tratado de forma responsável no nosso estado e, a partir de agora, precisamos nos atentar para isso. Nunca tinha acontecido de comunidades ficarem ilhadas e casas serem alagadas aqui, por isso, é urgente fazer esse recorte e comunicar o nosso povo.”

Procurada para dar mais informações sobre as regiões de Porto Seguro que ainda enfrentam dificuldades por conta dos alagamentos, a Defesa Civil do Estado (Sudec) não deu retorno até a publicação desta reportagem. 

*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo.