Após mortes de policiais, moradores da periferia temem retaliações

Mais de 120 agentes de segurança baianos sofreram violência entre 2019 e 2021

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  • Da Redação

Publicado em 10 de maio de 2022 às 05:30

. Crédito: Reprodução

A Bahia é o estado do Nordeste que possui o maior número de policiais vítimas de violência, segundo dados coletados pela Rede de Observatórios da Segurança. Foram 127 casos, sendo 31 homicídios, entre junho de 2019 e maio de 2021. Os dados foram computados através da análise de notícias veiculadas na imprensa ao longo deste período.

Luciene Santana, pesquisadora da Rede e da Iniciativa Negra na Bahia explica que a violência contra agentes de segurança é fruto de problemas estruturais e desigualdades. Para  ela, as questões de segurança pública deveriam ser resolvidas com políticas que envolvessem ações de saúde, educação e moradia. 

“Os policiais militares são colocados como ponta de lança na segurança pública para tentar resolver uma questão que não deve ser tratada com tiros, com armamento, e que é estrutural. Policiais negros e moradores negros estão em situações parecidas de vulnerabilidade”, afirma a pesquisadora.

No ano passado, também ocorreu um caso de três mortes de PMs em dias consecutivos, sendo duas no mesmo final de semana:  em 11 de setembro de 2021, um sábado, morreu o soldado Antonio Elias Matos da Silva, 31 anos, em Porto Seguro, no sul baiano, após a abordagem de duas pessoas; no domingo, 12, o tenente da Polícia Militar Mateus Grec de Carvalho Marinho, 35, foi baleado durante um tiroteio no bairro de  Cosme de Farias, em Salvador, e não resistiu aos ferimentos. Na ocasião, uma família de seis pessoas, incluindo três crianças, foi feita refém no bairro, na mesma noite do assassinato de Mateus Grec.

Na madrugada de segunda-feira (13), o soldado da PM Joanilson da Silva Amorim foi morto com três tiros em Petrolina, Pernambuco. A cidade faz divisa com Juazeiro, norte da Bahia, O PM era lotado na 75ª CIPM.

Sobre mortes violentas provocadas pela PM, a reportagem tentou nesta segunda-feira, 09, acessar os boletins da SSP que monitoram a violência no estado, mas eles estavam fora do ar. A assessoria da secretaria informou que técnicos estavam tentando solucionar o problema, mas os boletins não voltaram a ficar disponíveis até a publicação desta reportagem 

Após os atentados contra PMS neste final de semana em Salvador, a SSP destacou que unidades territoriais e especializadas da Polícia Militar e da Polícia Civil atuam, de forma incessante, nas regiões de Águas Claras, Cajazeiras e Boca da Mata.

Em grupos de WhatsApp de moradores de Cajazeiras, onde os policiais militares mortos atuavam, circula a informação de que um toque de recolher foi instaurado. A PM, no entanto, nega. O medo dos moradores é que ações de represália sejam realizadas no local. 

A especialista Luciene Santana, da Rede de Observatórios de Segurança, lembra que condutas de caráter de vingança não são incomuns quando agentes de segurança são assassinados. “Não sabemos ainda o que vai acontecer sobre a questão do revanchismo. Muitas vezes, quando um policial é morto isso acontece, então vemos a situação com muita preocupação e aguardamos para ver quais serão as ações de prevenção”. 

Apesar de não possuir uma orientação específica para pessoas que vivem em comunidades e temem serem atingidas de alguma forma por atitudes de represália, Luciene Santana cobra que o Estado confira proteção às localidades. “O mais correto é que o Estado consiga dar proteção a essas pessoas e faça a devida apuração dos casos judicialmente com os órgãos cabíveis”, diz.

Duas mortes foram registradas em março deste ano no Complexo do Nordeste de Amaralina, um dia depois de um PM ser baleado durante uma ronda. As vítimas foram João Henrique dos Santos Reis Rebouças, 23, e Daniel Alves da Silva, 29. As mortes aconteceram na rua Santa Cruz e Vale das Pedrinhas.

O professor  de Direito  da Universidade Federal da Bahia Samuel Vida reforça que é comum que o cotidiano de pessoas que vivem em comunidades seja comprometido depois que policiais sofrem atentados.

“Em diversos episódios que envolveram mortes de policiais verificaram-se denúncias de ilegalidades e abusos praticados a pretexto de responder à violência sofrida com o aumento da violência indiscriminada dirigida aleatoriamente contra os moradores das comunidades onde os fatos ocorreram”, explica o professor que também é membro do Programa Direito e Relações Raciais.

A exposição à violência é um ciclo interminável, que tem como alvo não somente quem reside em comunidades, mas os próprios policiais, como destaca o professor. “As mortes de policiais militares expressam, além da tragédia das vidas perdidas e dos impactos nas respectivas famílias enlutadas, o grave fracasso da atual política de segurança pública adotada na Bahia. Trata-se de uma política que reduz o conceito de segurança pública à policização reativa, aposta mais no confronto produtor de letalidades do que no investimento em inteligência e investigações”.

No final da tarde desta segunda-feira (9), o governador Rui Costa afirmou que as forças de segurança estão agindo de maneira contundente para elucidar os crimes, mas negou que existam ações de vingança na corporação. 

“Policial não faz vingança, ele cumpre lei e vai em busca de todos aqueles que agridem a sociedade. Por isso a minha determinação é muita clara: força máxima. Usar todos os recursos possíveis da Polícia Militar e Polícia Civil, além de todos equipamentos necessários para capturar todos eles que participaram desse episódio”, disse o governaador em uma solenidade da formação de soldados na Vila Policial Militar do Bonfim (VPMB).

Para que as pessoas se sintam mais seguras, Samuel Vida defende que medidas simples podem ser tomadas e critica o Estado pela falta de planejamento e estratégia. "Uma das medidas básicas de inibição de abusos, a instalação de câmeras corporais no fardamento dos policiais, vem sendo sabotada e adiada indefinidamente pelo governo baiano, sem qualquer justificativa razoável". Já para Luciene Santana, pesquisadora da Iniciativa Negra, melhorias da iluminação em vias públicas também podem ser eficazes para inibir crimes, inclusive os movidos por revanchismo. 

*Com a orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo.